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4 A GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO – O CASO DA PUC MINAS

4.3 O CURSO DE GRADUAÇÃO EM CI DA PUC/MINAS VISTO POR DENTRO II:

4.3.2 O curso em suas especificidades

O curso de Ciência da Informação da PUC Minas possui significativa base tecnológica e está apoiado em pressupostos teóricos de construção de uma ciência pós- moderna e interdisciplinar, especialmente inspirados no texto de Gernot Wersig “Information Science: the study of postmodern knolwledge usage” que, na opinião da Profª Ana Maria, é “um artigo seminal”. A professora afirma que, apesar da contribuição do autor, tanto ela pessoalmente quanto o curso em si não possuem a mesma visão radical expressa no seu texto, que “descarta as bibliotecas”. Para ela, a Biblioteconomia e as bibliotecas em geral ainda tem um papel “fundamental na educação de um país tão desigual como o nosso”.

O curso de CI assenta sua base em quatro eixos específicos relacionados aos processos de informação, que o Prof. Manoel Palhares chama de “quadrantes do que se pensa ser a CI: coleta, tratamento, armazenamento e disseminação”. O Prof. Palhares foi aluno da Profª Ana Maria no curso de pós-graduação da UFMG, trabalhou como analista de informação em negócios na diretoria de um banco público e afirma que sempre viu a CI como base para o processo de informação dentro das organizações. Por conta de sua experiência profissional e de sua ligação com a área da computação, tem uma visão da CI que faz conexão com o uso do computador para manipulação da informação em ambientes empresariais.

Essa visão influencia fortemente sua participação na elaboração e no desenvolvimento do curso. Segundo o Prof. Palhares, “a proposta era criar um analista de informação que trabalhasse nos processos organizacionais, mas que compreendesse

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Empresa prestadora de consultoria e serviços em gestão da informação, da documentação e da informação.

basicamente os quatro quadrantes”. Em sua opinião, o teórico da CI não conseguia dar conta dos mesmos, por isso a tônica interdisciplinar do curso.72

Para conseguir formar este profissional, o curso possui uma equipe de professores de áreas diversificadas, como Administração, Economia, Ciência da Computação e Biblioteconomia. Todas essas áreas perpassam pelo menos um dos pontos do quadrante, dependendo da atividade específica de cada um. No entanto, segundo o Prof. Palhares, o computador penetra cada um deles sem exceção e, por isso, a Ciência da Computação é fundamental ao curso como um todo.

O professor fez uma análise da influência do computador retomando a época da criação do curso, quando o uso deste equipamento ainda não era difundido como nos dias de hoje, especialmente dentre os alunos do curso de Biblioteconomia. Este enfoque se constituía num dos principais motivos da existência do curso de CI, pois, segundo o professor, “era fundamental que o aluno egresso fosse capaz de perceber o movimento organizacional sob o olhar da administração, que fosse capaz de perceber o movimento e o fluxo da informação sob o olhar e as bases teóricas da Biblioteconomia e que ele fosse capaz de transformar tudo isso em utilização tecnológica, porque o analista da informação em negócio é um analista preparado para a tecnologia da informação”.

Esse egresso deveria ser capaz de saber utilizar o computador para trazer soluções tecnológicas aos problemas de informação, capaz de implementar estratégias de busca e RI através de lógica computacional e de propor soluções de armazenamento em meio digital. “Imaginamos também que nosso aluno tinha que ser alguém capaz de propor processos de tratamento onde o computador entrasse como uma grande ferramenta de auxilio na coleta de dados“, diz o Prof.Palhares.

Para alcançar estes objetivos, era preciso preparar esse aluno através da capacitação para o uso deste equipamento. Assim, na sua concepção foram oferecidas disciplinas cujo conteúdo proporcionava ao analista da informação (assim é chamado o egresso do curso pelos professores entrevistados) um conhecimento da lógica da computação. Uma disciplina inicial (Introdução à Computação) tinha como objetivo principal nivelar os alunos no conhecimento básico de Informática. Outras disciplinas traziam conteúdos que apresentavam conceitos e utilização de algoritmos, de análise de sistemas, onde era possível ao aluno aprender a arquitetar sistemas de informação. Além desses

72 A Profa. Ana Maria fez questão de ressaltar que a interdisciplinaridade sonhada não foi alcançada. A justificativa principal foi o fato de o curso ser montado por várias disciplinas, mas com professores de diferentes áreas sem dedicação integral ao curso. Por conta disso, o curso pode ser considerado “multidisciplinar”, mantendo diálogos com diferentes áreas do conhecimento.

conteúdos, o curso apresentava aos alunos noções de linguagens de computação e bases de dados, essenciais ao armazenamento da informação digital, além de softwares aplicados em gestão de tecnologia de informação e aspectos da RI, nos quais o aluno poderia conhecer questões sobre os modelos vetorial e booleano em estratégias de busca. “Esse foi o porte da computação dos nossos alunos”, afirma o mesmo professor.

Com toda essa bagagem teórica, esperava-se formar um profissional melhor equipado para trabalhar a informação na sociedade atual; não alguém capaz de implementar programas, mas alguém com noções bem fundamentadas de informática, capaz de dialogar com profissionais desta área com fluência e facilidade maior que os demais profissionais da informação, especificamente o bibliotecário.

O Prof. Palhares ainda afirmou que “a experiência com a CI deixou claro que a Biblioteconomia se distancia muitas vezes da tecnologia da informação por não conseguir lidar com ela”. Por isso, a idéia era dotar seus egressos de um manancial básico de informações para que ele pudesse ter diálogo com a ciência da computação em sua atuação profissional.

Esse seria um grande diferencial entre os profissionais formados pela PUC e os demais das escolas de Biblioteconomia. Seu egresso poderia facilmente dialogar a respeito de técnicas de classificação e indexação, por exemplo, mas também teria uma bagagem extra nas técnicas informatizadas de tratamento da informação. O Prof. Palhares salienta que esse egresso “não sabe criar um programa, uma nova linguagem, mas sabe como o computador funciona, a tecnologia que tem; ele sabe que existe um GED, que há tesauros implementados em computação, o que é web, constroem site na web, [e que] essa junção foi extremamente positiva”.

Curiosamente, ao serem questionados a respeito da importância do computador na criação e no desenvolvimento do curso, todos os professores entrevistados foram extremamente cuidadosos e enfáticos em um discurso que parece ter sido bem ensaiado pela equipe: o computador não passaria de uma ferramenta, e a informática teria peso equivalente às demais ciências e disciplinas que formam o escopo da CI na PUC Minas. Todos são unânimes ao afirmar que não existem áreas prioritárias, retomando a interdisciplinaridade da CI como base para essa concepção.

O computador é visto apenas como uma máquina, uma ferramenta, que sem a intervenção humana, não possui valor nenhum. Não é entendido como um ator significativo na história do curso e, por isso, não recebe nenhum tipo de qualificação que vá além do que receberia outro equipamento qualquer como, por exemplo, um código de classificação.

O Prof. Palhares deixou claro que acredita na “supremacia absoluta do homem sobre a máquina”, numa fala preocupada em colocar os “pingos nos is” que pode ser interpretada como inspirada pela ala mais conservadora dos estudos sobre o papel da tecnologia na sociedade moderna. Para ele, a Ciência da Computação é uma “ciência-meio” e está aí para servir ao homem.

A Profª Ana Maria Cardoso também se refere com reservas ao peso do computador na concepção e desenvolvimento do curso. Ela afirma ser “perigoso” dar à informática o status de principal diferencial da CI diante da Biblioteconomia, apesar de concordar que as disciplinas voltadas às tecnologias tenham certo peso e que, de certa forma, trazem uma especificidade diante de outros cursos da área. Ela afirma que é preciso considerar outros fatores que fazem a diferença entre esses profissionais, como o foco cognitivo e social voltado não apenas ao usuário, mas aos processos de informação como um todo.

A professora lamenta o fato de que as disciplinas direcionadas ao estudo destas questões estavam presentes na primeira concepção do curso, mas que por motivos econômicos e de manutenção da oferta do mesmo, foram “amputados” em alguns conteúdos, sendo que “os aspectos sociológicos e antropológicos foram um pouco encolhidos”.

Ela afirma que o curso possuía “aspectos mais humanos quase próximos das neurociências, a autoformação dos processos mentais, conexionismo, cognitivismo, construtivismo na questão educacional”, e que hoje, ”há um diferencial na formação tecnológica que dá base para tomar decisão, ser mais do que um utilizador. Mas é perigoso colocar essa diferença só em cima do conhecimento das ferramentas tecnológicas, porque corre-se o risco de perder espaço para o pessoal de sistemas de informação”.

A mesma opinião a respeito do computador foi também enfatizada na entrevista feita com a Profª Cléia, responsável pelas disciplinas técnicas de tratamento da informação próprias da Biblioteconomia, de onde migrou e, onde na verdade, ainda atua em parte de seu exercício profissional.

A Profª Cléia afirma que sempre se interessou pela área do tratamento da informação que, para ela, é o coração de todo processo. Esta área representa, na sua concepção, a identidade da Biblioteconomia e, por isso, sente facilidade em distinguir os limites entre esta e a CI.

Sua formação básica em Biblioteconomia na UFMG não lhe deu condições de aprofundar a base tecnológica necessária para a sua atuação profissional. Por isso, fez cursos de informática extra-curriculares e focou sua pós-graduação na utilização de

softwares para informatização de bibliotecas. Estas iniciativas lhe valeram o convite para ingressar no corpo docente do curso da PUCMinas.

Para ela, também, o computador é uma ferramenta que fica em nível de igualdade com outras ferramentas utilizadas no processo de tratamento de informação, como os códigos de classificação e catalogação. Sua ênfase recai justamente na base teórica do processo de tratamento, revisitando principalmente as concepções de Ranganathan para classificação e categorização73. As respostas para os problemas encontrados pela informática nas questões de acesso e recuperação da informação podem ser encontradas na base teórica do seu tratamento. Segundo a Profª Cléia, faltaria à Ciência da Computação uma base conceitual para fazer o programa funcionar, e esta base a CI, apoiada na Biblioteconomia, tem.

No entanto, a mesma professora aponta para o fato de que a Ciência da Computação não valoriza a CI o quanto deveria e essa falta de aproximação prejudica o diálogo entre as disciplinas. Compara essa relação ao momento vivido pela Biblioteconomia na década de 1980, em seus embates com os então “programadores” ou “analistas de sistemas”, que não entendiam o funcionamento das regras de catalogação e criavam programas que não se adaptavam às necessidades das bibliotecas. Lembra ainda que foi apenas com o desenvolvimento de ferramentas de catalogação automatizada, como o MARC, dentro da Biblioteconomia, que os profissionais da computação começaram a enxergar as bibliotecas como possibilidade de mercado profissional.

O mesmo acontece agora em relação à busca e uso da informação. Ainda não há diálogo entre as áreas e isto traz entraves complicados, afirma a Profª Cléia, acrescentando que é preciso haver maior interação entre as áreas de CI, Ciência da Computação e Biblioteconomia e que, para ela cada uma tem papéis bem definidos: à CI cabe investigar os processos sociais da geração e uso da informação, comportamentos de busca e necessidades do usuário; à Biblioteconomia cabe as tarefas de organização e de tratamento da informação; à Computação compete prover equipamentos capazes de armazenar e distribuir, já que nos dias atuais é impensável à maioria das pessoas a aquisição da informação sem o uso do computador.

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Ranganathan faz parte de um seleto conjunto de autores que fundamenta a Biblioteconomia no início do século XX. Suas teorias de classificação deram origem a uma nova concepção de trabalho mais voltado para o usuário e suas necessidades de informação, deslocando o foco de atenção do documento em si para o seu uso propriamente dito. Sua teoria apóia-se em cinco leis fundamentais, a saber: 1. Os livros são para serem usados; 2. a cada leitor o seu livro; 3. um livro a cada leitor; 4. poupe o tempo do leitor e 5. a biblioteca é um organismo em crescimento.

A professora afirma que encarar o computador como uma ferramenta não diminui o seu valor, apenas o coloca no seu devido lugar. Seu papel é tão importante quanto o das teorias de classificação utilizadas no tratamento da informação. Conhecer o funcionamento da máquina é tão importante quanto saber utilizar conceitos de indexação e seleção de termos chaves. Quando se tem uma visão tecnológica do processo, contudo, sabe-se melhor como contribuir com a técnica de tratamento. É possível saber quais os mecanismos se tem à disposição para trabalhar e quais os resultados que se vai obter. Para ela, é impossível pensar os processos de tratamento da informação sem o uso do computador e, nesse ponto em especial, ele é uma ferramenta fundamental.