• Nenhum resultado encontrado

4 A GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO – O CASO DA PUC MINAS

4.3 O CURSO DE GRADUAÇÃO EM CI DA PUC/MINAS VISTO POR DENTRO II:

4.3.3 CI e Biblioteconomia: diferentes, mas parecidas

A partir dos relatos das entrevistas foi possível traçar um perfil da opinião dos professores da PUC a respeito da relação Biblioteconomia e CI.

Apesar da clara diferenciação colocada pelos entrevistados a respeito das competências tecnológicas de cada profissional formado pelas duas disciplinas, as principais diferenças apontadas não remetem a formas de uso do computador.

Para a Profª Ana Cardoso, a diferença principal reside em questões institucionais; a Biblioteconomia seria uma disciplina presa à instituição biblioteca, limitando- se aos locais convencionais de armazenamento e uso da informação. A professora acredita que o papel da Biblioteconomia institucional é, inclusive, essencial no contexto brasileiro, especialmente na área educacional, com suas questões voltadas à leitura. O papel da Biblioteconomia parece assim estar vinculado à escola e seu papel social de facilitadora na formação da cidadania.

A CI, por outro lado, se ocuparia de uma visão mais administrativa e estratégica da informação, sem estar ligada a um tipo específico de instituição. Seu objeto é a informação, independente de sua relação institucional. Poderia estar se ocupando das questões cognitivas e sociais da produção e uso da informação e de outras ligadas à economia da informação, deixando para a Biblioteconomia o trabalho de exercer sua atividade junto aos locais consagrados de acesso e uso como centros de documentação e bibliotecas.

Em sua opinião, o papel da CI, na verdade, seria muito mais acadêmico do que prático. Ao ser questionada sobre a possibilidade de considerar a CI como uma espécie de ciência mais ampla, sob a qual estariam outras disciplinas com o mesmo objeto de estudo, a

Prof. Ana Maria diz que o certo seria chamá-la de “Ciências da Informação”, no plural e que essa seria uma idéia interessante e conciliadora.

Ao ser perguntada qual, nesse caso, seria o lugar da CI praticada na PUC Minas, a resposta correspondeu a um novo questionamento: “...não poderia ter um espaço para ser CI? Falo mais por eliminação, porque não é Biblioteconomia, tem Biblioteconomia, mas não é. Tem alguma coisa de Arquivologia, mas pouco; Museologia, definitivamente nunca chegamos lá; Economia da Informação também não é. Tem gestão, um foco grande inclusive no curso de especialização que deu continuidade ao modelo do nosso curso na PUC. Eu fico imaginando que lugar caberia e acho que seria CI mesmo, mas sem abrir mão das outras.”

Para a mesma professora, a CI não é Biblioteconomia e esta, inclusive, acabou sendo “subsumida” pela primeira, principalmente pela ausência de teóricos. Afirma, ainda, que este corpo teórico é recente e está sendo construído pela própria CI enquanto uma nova ciência e não como uma evolução da Biblioteconomia. Ao contrário, sugere que existe a possibilidade de que a Biblioteconomia continue avançando e venha a “chegar ao nível da CI”, mas que isso traria grandes prejuízos à sua identidade profissional e maiores prejuízos ainda ao país, que precisa de seu papel social e educacional.

A Profª Ana Maria lembra, finalmente, que para a criação do curso, freqüentou diferentes fóruns da área para criar o modelo ideal para a sua concepção e lamenta que o movimento geral entre as disciplinas tenha acabado por levantar arestas, mas reconhece que isso teve o lado positivo de despertar debates.

A Profª Cléia, por sua vez, é da opinião de que distinção fica clara do ponto de vista específico da área em que ela atua, o tratamento da informação. Em sua concepção, esta atividade é o pilar de todo o processo: utiliza-se de ferramental da informática e retira sua matéria-prima do universo de investigação da CI. No entanto, ao ser questionada em relação às inegáveis intersecções com a Biblioteconomia, admitiu não serem tão claramente definidos os seus parâmetros.

Dois aspectos mencionados na entrevista com a Profª Cléia merecem ser destacados: o primeiro diz respeito ao fato de que trazer para o ensino dos alunos de CI técnicas que constituem a “identidade” do bibliotecário lhe rendeu alguns constrangimentos em sala de aula, com alunos se negando a aprender “coisas de bibliotecário”, obrigando-a a encontrar um equilíbrio que hoje a possibilita conciliar sua identidade de bibliotecária e sua atividade acadêmica na CI. Segundo o seu relato, já houve momentos em que pela necessidade de implantar a ideologia da CI, o valor, a necessidade, a função e o trabalho do bibliotecário eram depreciados. Com o tempo, a busca pelo equilíbrio entre as duas

realidades em sua atividade profissional lhe trouxe o escape que firma sua visão da área, baseada na ênfase ao tratamento da informação como o principal elemento no processo informacional. Nas palavras da professora: “criei uma forma de endeusar o tratamento como uma forma de fugir dessa discussão que não leva a lugar nenhum”.

O outro aspecto relaciona-se à apropriação das teorias de Ranganathan como teorias próprias da CI. Ocorre, porém, que as teorias do autor foram divulgadas no início do século passado e tinham como pano de fundo o trabalho do bibliotecário. Ao ser questionada a respeito dessa “licença histórica”, a Profa. Cléia reconheceu que suas teorias são amplamente divulgadas na área de CI, mas raramente é feita a menção a Ranganathan, talvez por mero desconhecimento. Na área especifica de tratamento da informação, a Profª Cléia afirma ser comum o uso de suas teorias sem a devida indicação de autoria.

Além disso, não só a área de tratamento, que é bastante própria da Biblioteconomia, mas também os demais campos de análise da CI dão margem a indefinições ainda maiores diante da Biblioteconomia. A professora menciona que na área de estudos de usuário, por exemplo, é mais difícil delimitar com maior clareza as atribuições de cada profissional. No entanto, para ela não é primordial trabalhar essas diferenças, mas sim procurar o diálogo entre eles, a fim de fazer um bom trabalho. Aponta, assim, para o fato de que o usuário final não está interessado em saber que teorias foram utilizadas para fazer chegar a informação até ele. O mesmo tem uma questão informacional que precisa ser resolvida, e esse é o trabalho do profissional da informação. O computador é a ferramenta disponível para fazê-lo cumprir essa tarefa.

As opiniões colhidas nas entrevistas foram bastante valiosas, pois permitiram que fossem feitas algumas considerações essenciais a este estudo. Em primeiro lugar, pode-se observar que a mesma resistência encontrada nos primeiros textos da CI a respeito de relação com a informática e com o computador persiste ainda no caso da PUCMinas. Ficou patente em todos os discursos o papel secundário atribuído ao computador, traduzido como apenas uma “ferramenta a mais”, rejeitando-se que sua introdução nos processos informacionais pudesse ser um dos principais pilares de toda a concepção da Ciência da Informação.

A preocupação em revalidar a supremacia do homem diante da máquina é típico do imaginário coletivo que teme as inovações tecnológicas, desconhece a noção contemporânea da rede sociotécnica e faz coro ao discurso da ala mais tradicional dos profissionais da informação. A falta de diálogo, mencionada pela Profª Cleia, entre a CI e a Computação talvez explique também a resistência dos professores em atribuir maior valor à participação do computador enquanto ator na história da CI.

Em segundo lugar, talvez a proposta inicial do curso, feita há dez anos, representasse na época um avanço sem precedentes na formação de um profissional mais qualificado em termos tecnológicos. Hoje, porém, a situação do ensino da Biblioteconomia de maneira geral compactua com o uso do computador em todos os níveis dos processos informacionais, desequilibrando um pouco a razão de ser de um curso de graduação em CI. Com as mudanças curriculares e os cortes sofridos pelo curso, a proposta inicial de formação de um profissional interdisciplinar segundo as bases da CI, voltado também aos aspectos cognitivos relacionados à informação acabou por ser descaracterizada e resultou no surgimento de um profissional genérico: nem profissional da computação, nem bibliotecário. Isso se traduz em uma identidade solta e indefinida no mercado dos profissionais da informação. O egresso do curso da PUC, ao contrário do que se poderia esperar, não é considerado um “cientista da informação”. A Prof.ª Ana Maria Cardoso afirma que seria muita pretensão denominá-lo dessa forma. O título desse egresso é o de “analista da informação”, por conta de suas características administrativas e tecnológicas. Esta situação acabou por introduzir dificuldades no esforço de manutenção do próprio curso, comprometendo as questões relativas à sua continuidade.