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CIDADE CENTRAL versus URBANIZAÇÃO PRAGMÁTICA (1970 – 1986)

5.2 Política habitacional

Sob o comando do general Emílio Garrastazu Médici, principiavam os “anos de chumbo” da ditadura, com violentíssima repressão contra opositores do governo fardado. Após as manifestações de repúdio à ditadura que tinham tomado as ruas da antiga capital101, evidenciava-se aos interessados na manutenção do regime, mais

uma vez, o quanto a nova localização da nova sede era oportuna. Nesse contexto, intensificaram-se ainda mais os esforços no sentido de consolidar a sede no hinterland.

A intensificação da atividade de transferência da máquina administrativa da para Brasília foi um dos fatores que ajudou a manter um crescimento populacional bastante elevado na década de 1970. E esse fortalecimento da condição de centro administrativo do país passou a contribuir também para que o setor público e de serviços ganhassem algum peso frente à construção civil, ainda mantido como ramo mais forte das atividades locais e de maior importância na economia da cidade.

E o registro de altos índices demográficos vinculava-se também a uma maior tendência nacional à urbanização que foi verificada naquele período. No alvorecer dos anos 1970, a maior parcela da população brasileira já vivia em cidades102 e durante

aquela década a migração de populações rurais para o entorno das capitais brasileiras seria ainda mais intensificada. A Capital Federal, estabelecendo-se como uma alternativa de destino junto ao Rio de Janeiro e São Paulo, também cresceu orientada por essa lógica.103

As obras de construção de edifícios públicos e a implantação de núcleos urbanos seguiam absorvendo grande parte da mão de obra migrante, cujo excedente dificilmente conseguia ingressar em outros setores da economia. A migração, continuando intensa, associada a uma oferta limitada de emprego, alimentava a permanência de uma vasta classe de excluídos. As distâncias excessivas das fontes de emprego, desde sempre concentradas no Plano Piloto e, temporariamente, nas obras de implantação da Ceilândia, eram pioradas pelas dificuldades de acesso a equipamentos públicos. As “invasões”, fossem aquelas próximas ao Plano Piloto ou nas cercanias das cidades-satélites, prosseguiam sendo, para muitos, a única alternativa de permanência em terras de Brasília.

101 A passeata dos Cem Mil no centro do Rio de Janeiro, ocorrida em 1968, foi um marco para

o acirramento da repressão.

102 Revista Veja edição especial 40 anos. Setembro de 2008, p. 117.

103 Somente nos anos de 1979 e 1980 a população do Distrito Federal passou de 537,5 mil

Durante a década de 1970, foram construídas milhares de habitações com recursos do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) em Brasília. Mas as casas levantadas em parcelamentos nas cidades-satélites, negociadas pela Sociedade de Habitações de Interesse Social (SHIS), respondiam de forma restrita à vasta demanda, passando distante de uma solução concreta (Ávila, 2005. p. 167). Mesmo após Ceilândia, o déficit em habitações populares permaneceu alto. Em 1982, se somavam mais de setenta mil pessoas residindo em assentamentos informais na Capital. Nessa contabilidade entravam ainda núcleos antigos surgidos nos anos iniciais da construção de Brasília que, ainda naquela década, não haviam sido regularizados.

Naquele ano, a implantação do Programa de Assentamento Populacional de Emergência (PAPE), que teve como grupo executivo o Gepafi, estreou uma nova conduta no trato dessa questão. O programa, montado no âmbito da Secretaria de Serviços Sociais do Distrito Federal, tendo como agente financiador o BNH, mobilizou inúmeros órgãos da Administração Pública numa atividade que priorizou a urbanização de assentamentos informais ou, na impossibilidade disto, promoveu transferências menos impactantes para terrenos avizinhados ou para áreas residenciais contíguas às cidades existentes. Nesse contexto, vários assentamentos foram fixados, dentre eles a Vila Metropolitana, Candangolândia, Vila Planalto, QE 38 do Guará e a Vila Maricá do Gama. Brasília, assim como outras metrópoles brasileiras, foi transformada em laboratório de estudos de urbanização de “favelas”.

TABELA 6 - DISTRITO FEDERAL – FAVELAS 1982

REGIAO

ADMINISTRATIVA NÚMERO DE INVASÕES NUMERO DE BARRACOS NUMERO DE PESSOAS

Brasília 37 5.373 37.611 Gama 4 356 2.492 Taguatinga 10 2.943 20.601 Sobradinho 2 472 3.304 Planaltina 17 892 6.244 Total 70 10.036 70.252

Fonte: Gepafi / Governo do Distrito Federal (IPEA, 2001, p. 47)

Mas ainda em meados da década de oitenta, assentamentos bastante antigos permaneciam em condição de informalidade. Haviam resistido aos programas de remoções, mas também não haviam sido beneficiados pelas ações do Gepafi. Dentre eles a Vila Telebrasília - situada dentro mesmo dos domínios territoriais do Plano Piloto - o Varjão -, nas margens da Estrada Parque Paranoá (EPPR), e a invasão do aterro sanitário, situada na Estrada Parque Ceilândia (EPCL).

Grosso modo, após esse período caminhava-se para uma redução do número de assentamentos populares informais nos domínios da Capital (ÁVILA, 2005, p. 170). E se o fato não decorria do atendimento da demanda habitacional, e menos ainda pela solução do problema social no qual se circunscrevia, a redução desses números provinha da intensificação da fiscalização, especialmente em terrenos mais próximos ao Plano Piloto. Vale ressaltar ainda que uma queda nos registros de assentamentos populares informais decorria também da saída de uma série de assentamentos dessa listagem após a atuação do Gepafi. Por outro lado, o déficit em habitações para faixas de baixa renda passou a ser velado por alternativas tão precárias quanto os barracos em “invasões”. Nas áreas já ocupadas, tornou-se cada vez mais comum a locação de moradias de fundo de lote, tida por seu público como condição mais segura e a salvo de perseguição.104

Registrava-se ainda uma intensificação da urbanização em regiões periféricas ao quadrilátero de Brasília, onde loteamentos, que, ao fim e ao cabo, também se reproduziam em condições informais, configuravam opção de moradia para faixas de baixa renda excluídas das fronteiras do território da Capital (PAVIANI, 1987, p. 37).