• Nenhum resultado encontrado

URBANIZAÇÃO BRASILEIRA E A CAPITAL NO HINTERLAND

1.2 Perspectiva histórica (e viária) da Capital no hinterland

1.2.3 Um projeto republicano

Também de imediato à condição republicana, ainda sob o comando do governo provisório, a cidade do Rio de Janeiro foi declarada sede provisória do Poder Federal. Três das vinte emendas apresentadas durante a Constituinte tornavam definitiva a

mudança para o interior e a construção da capital no planalto goiano se viu definida no primeiro ano e meio da República.22

Cumprindo o prazo de 60 dias fixado pela Constituição de 1891, formou-se a Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil coordenada pelo engenheiro belga Luís Cruls que, partindo do Rio de Janeiro em junho de 1892, repetiu o roteiro antes cumprido por Varnhagen. 23 Foi definido o “Retângulo Cruls” em terras do

Planalto Central, de 160 por 90 km de lado (14.400 km²) - abrangendo nascentes das bacias do Amazonas, São Francisco e Paraná - que, delimitado para sede do futuro "Districto Federal", passou a constar dos mapas oficiais brasileiros. Os estudos da expedição resultaram no Relatório da Comissão Exploradora do Planalto Central, ou Relatório Cruls, cuja extensão e profundidade tornou este o primeiro documento técnico pertinente ao planejamento de Brasília (BATISTA et ali, 2003, p. 2).

Seguiu-se uma segunda missão - iniciada em 1894 e concluída no final de 1895 – que realizou outras operações de cunho logístico para a mudança: instalação de uma estação meteorológica, ligação telegráfica, reconhecimento das redes férrea ou férreo-fluvial, escolha do local da cidade dentro do quadrilátero e levantamentos complementares sobre o clima, abastecimento de água e topografia. Foi essa segunda expedição que incluiu o botânico francês Auguste François Marie Glaziou quem em carta endereçada a Luiz Cruls descreveu sua preferência para a localização da futura cidade. Como bem observa Batista et al (2003, p. 4), o local a que se referia Glaziou era o mesmo terreno que, após exaustivos estudos na década de 1950, foi escolhido para sediar o embrião de Brasília. O botânico teria sugerido até mesmo a criação de um lago com as águas represadas do rio Paranoá:24

22 A Emenda do senador Virgílio Damásio (Bahia) tornava definitiva a decisão de mudança e

dava o nome de Tiradentes à nova capital federal. O texto do deputado Antônio Pinheiro Guedes (Mato Grosso) determinava que a sede fosse implantada ao centro do território nacional. Informações tomadas do site da internet http//www.brazilia.jor.br consultado no ano de 2006.

23 Coordenada pelo então diretor do Observatório Astronômico do Rio de Janeiro, atual

Observatório Nacional. a Comissão se instalou em acampamento localizado na região atualmente conhecida por Cruzeiro Velho, às margens do córrego do Brejo, batizado posteriormente de Córrego do Acampamento. Ali ficou montado por um ano um observatório meteorológico para registro das condições climáticas da região.

24 Questões detalhadas sobre o tema podem ser encontradas em BATISTA et ali (2003). Os

autores consideram ainda que a preferência pelo sítio era de conhecimento, ao menos de alguns, tanto assim que, ainda antes do projeto urbanístico intitulado Vera Cruz, dois projetos para a Capital Federal foram elaborados para esse mesmíssimo local. Um deles batizado de "Planópolis", de autor desconhecido e caracterizado pela trama ortogonal cortada por duas avenidas diagonais, inspirada em Washington (1791), e que teve registro no Cartório de Imóveis de Planaltina em 1927. Além deste um detalhadíssimo "Anteprojeto para a Futura Capital Federal do Brasil" foi elaborado pela engenheira Carmem Portinho em 1938, para a obtenção do título de urbanista.

Enfim, de jornada em jornada, estudando tudo, cheguei a um vastíssimo vale banhado pelos rios Torto, Gama, Vicente Pires, Riacho Fundo, Bananal e outros; impressionou-me muitíssimo a calma severa e majestosa desse vale... Entre dois chapadões conhecidos na localidade pelos nomes de Gama e Paranoá, existe imensa planície em parte sujeita a ser coberta pelas águas da estação chuvosa; outrora era um lago devido à junção de diferentes cursos de água, formando o rio Paranoá; o excedente deste lago, atravessando uma depressão do chapadão, acabou, com o carrear dos saibros e mesmo das pedras grossas, por abrir nesse ponto uma brecha funda, de paredes quase verticais, pela qual se precipitam hoje todas as águas dessas alturas (...)É fácil compreender que, fechando essa brecha com uma obra de arte, forçosamente a água tornará ao seu lugar primitivo e formará um lago navegável em todos os sentidos. Além da utilidade de navegação, o cunho de aformoseamento que essas belas águas correntes haviam de dar à nova Capital, despertariam certamente a admiração de todas as nações.

Os trabalhos da segunda missão Cruls resultaram em um novo relatório parcial publicado em 1896. Mas a mudança para o planalto central, assim como a integração ferroviária, ficou quase esquecida durante o período que consolidou a oligarquia cafeeira no controle da velha República e que assistiu a primeira crise mundial. A política dos governadores tirou de cena a decisão de mudança da capital. No entendimento da oligarquia, as decisões vinham dos estados — mais objetivamente de São Paulo e, com menos frequência, de Minas Gerais - o que destituía a sede federal do poder decisório.25 Enquanto isso, ainda no alvorecer do século XX, o terceiro

presidente republicano, Rodrigues Alves, determinava obras de reurbanização do Rio de Janeiro, inspiradas na reforma parisiense do Barão Haussmann. A sede colonial seria totalmente remodelada na intenção de se antecipar para o país uma utopia de futuro: um modelo idealizado de nação moderna e em sintonia com o mundo europeu.