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Capítulo II Do Paradigma Tecnológico ao Paradigma Sócio-Info-Tecnológico

2. Inovação Distritos Industriais, Regiões Inteligentes, Cidades Digitais, Millieux d'Innovation

2.3. Cidades Digitais

O conceito de ‘cidades digitais’, a terceira linha de pensamento em análise, enquadra também definições como a de ‘ilhas de inovação’, a de ‘regiões’ ou ‘cidades inteligentes’. A aproximação a este último conceito pode ser feita de duas formas. A primeira, associa o termo ‘inteligente’ a regiões com grande capacidade institucional para a inovação tecnológica ou para o desenvolvimento (MORGAN, K. 1997), criadas a partir das relações de cooperação entre as agências de desenvolvimento regional e as universidades. A segunda abordagem liga o termo ‘inteligente’ a cidades que aplicaram as tecnologias de informação e o uso de espaços virtuais a funções e actividades de cariz urbano (CAVES, R. E WALSHOK, M. 1999; DOWNEY, J. E MCGUIGAN, J. 1999; MAHIZHNAN, A. 1999).

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Embora se apresente como um conjunto de conceitos e aproximações, não constituindo

uma teoria, surge em grande parte devido à conjugação da www com as tecnologias de

informação. A ideia de que a inovação tecnológica e os processos que a suportam podem ser executados num espaço que não é físico, tem suscitado um enorme conjunto de referências bibliográficas que tratam a inovação como um processo que pode ser

executado a partir de um ambiente virtual41. Estabelece-se assim uma série de relações a

partir da combinação de variáveis como o conhecimento, a criatividade, as práticas de

gestão, o e-learning e as redes que propiciam a criação e a disseminação da inovação,

através de ‘ilhas’.

As cidades digitais estão associadas às redes de comunicação (social) e de informação, aos fluxos de serviços, de trabalho e de capital. A sua difusão não segue, no entanto, um padrão determinado: surgem por isso diversos modelos que traduzem a conjugação de algumas políticas públicas e privadas. Comum a todos eles, é o facto de existir sempre um

portal na Internet que oferece serviços e informação on-line, apoiando o cidadão nas suas

múltiplas vertentes: serviço público, economia, sociedade e cultura. O conceito de cidade digital, referido também como ‘ciber-cidade’, ‘cidade virtual’, ‘cidade inteligente’ ou, se referente a um município, como um ‘município digital’, tenta representar uma projecção daquilo que existe no espaço físico, emergindo actualmente como uma das forças que contribuem para a organização do território.

A primeira definição de cidade digital foi dada em 1985, quando se criou a America

Online42

. Segundo SCHULER (1995), a cidade digital tem uma infra-estrutura muito mais social do que uma cidade física, uma vez que, segundo o autor, se estabelecem relações de proximidade, baseadas na rede. Apesar dessas serem em grande número, resultado de chats e outros grupos criados em ambiente virtual, as mesmas têm, no entanto, um carácter extremamente fictício. Para WELLMAN (<URL> s.d.), permitem uma alteração das dinâmicas sociais, já que também o conceito de comunidade se altera pelo uso das tecnologias. SCHWARTZ (<URL> s.d.) afirma que resulta da peculiar combinação de espaços físicos e meios de comunicação, resultando numa paisagem mediática das novas metrópoles fundadas na base de infra-estruturas digitais.

Cidade digital é, segundo ZANCHETI (2001), um sistema de pessoas e instituições ligadas

entre si por uma infra-estrutura de comunicação digital (a Internet), que tem como

referência uma cidade real cujos propósitos variam, podendo incluir um ou mais objectivos:

41

Ver também CURRY, M. (1998); DEMACHAK, C. et al. (2000); Wilson, M. e Corey, K. (2000); SASSEN, S. (2002).

42

Esta empresa criou uma página na www que designou de Digital City, que permite aceder a uma série de informações sobre a maioria das cidades americanas e registou este nome para seu uso exclusivo; a partir daí, ninguém mais pôde utilizar o termo digital city nos Estados Unidos.

(i) criar um espaço de manifestação política e cultural das pessoas e grupos; (ii) criar um canal de comunicação entre as pessoas e grupos; (iii) favorecer uma maior identificação dos moradores e visitantes da cidade em referência; e (iv) criar um acervo de informação dos mais variados tipos e fontes.

Desde 1994, também na Europa, mais de 100 organizações locais começaram a discutir o conceito de cidades digitais. Segundo o modelo Europeu, o principal objectivo é qualificar e desenvolver as cidades, quer pela melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, quer através da competitividade económica, mas sem esquecer a coesão social. Assim, uma cidade digital deverá utilizar as tecnologias de informação para: (i) melhorar os cuidados de saúde; (ii) reduzir a burocracia administrativa; (iii) gerar trabalho qualificado; (iv) simplificar e tornar transparentes os processos de decisão; (v) melhorar a educação; (vi) generalizar o comércio electrónico; (vii) apoiar os cidadãos com necessidades especiais, etc. O modelo Europeu seria a concretização da cidade digital de MITCHELL (1995), definida como uma grande urbe, formada pela conjugação dos espaços virtuais com os espaços reais, ou seja, uma cidade global que, em alguns momentos é paralela, em outros, complementar e, ainda em outros, concorrente do espaço urbano real. No fundo, o conceito de cidade digital reflecte, na maior parte dos casos, a geografia das verdadeiras cidades, com as suas características, os seus conflitos sociais e económicos; no entanto não deverá ficar por aí. Deverá sim, complementar esse espaço, disponibilizando novas variáveis que ofereçam melhorias reais ( e não virtuais) na qualidade de vida do cidadão.

Entre os vários modelos de cidades digitais consultados e analisados, encontraram-se várias abordagens. No entanto, distinguiram-se 3 tipos básicos:

• As cidades digitais de iniciativa pública da responsabilidade dos governos regionais ou locais). O governo é o grande dinamizador do projecto e os serviços prestados visam a melhoria e a fluidez dos processos indispensáveis ao cidadão no seu dia-a- -dia, libertando as repartições públicas e diminuindo a burocracia em alguns processos. Os serviços variam muito de território para território, reflectindo (na maior parte dos casos), a ‘cor’ político-partidária vigente, pela maior ou menor abertura do sistema. É neste tipo que se incluem os municípios ou as associações de municípios digitais.

• As cidades digitais de iniciativa espontânea e individual. São talvez as mais comuns em termos globais. Surgem da necessidade da comunidade local, através de grupos de indivíduos que, pelas suas características comuns se organizam em

núcleos digitais. Este tipo de modelo tem origem nos famosos chats ou nos mais

modernos blogs, cujo objectivo é juntar pessoas e discutir ideias. A sua manutenção

elementos que mantêm essas ‘cidades’ com um certo ‘planeamento e ordenamento urbano’. A dinâmica destas iniciativas é fruto de uma dinâmica já existente nas relações sociais da cidade real, embora possa servir também para aumentar a sua

intensidade. Esta ideia é discutível, já que alguns autores referem que a Internet

aumenta a solidão, o sentimento de alienação ou até de depressão (WOLTON, D. 1998), dando um sentimento de comunidade mais forte, mas ao mesmo tempo efémero e uma sensação de (falso) conforto e consolo. A questão coloca-se em relação ao diferente grau de importância entre as relações sociais da cidade real e as relações sociais da cidade virtual, que é muito diverso, de acordo com os autores.

• As cidades digitais de iniciativa conjunta. Os projectos deste tipo são desenvolvidos com o objectivo de integrar múltiplos serviços, quer na esfera pública, quer na esfera privada. Integram-se neste terceiro tipo, as estruturas representativas dos concelhos ou de outros tipos de divisões administrativas existentes.

Entre os vários modelos actualmente aplicados um pouco por todo o mundo, destacam-se três exemplos concretos que, quer pelo seu carácter pioneiro, quer pelas funcionalidades e

pelo número de participantes que apresentam, são casos de sucesso: Digital City

Amsterdam, Digital City Helsinki e Digital City Linz. Embora os 3 exemplos escolhidos se localizem na Europa, apresentam diferentes abordagens e perspectivas, dentro do conceito de cidades digitais. Todos eles são resultado de parcerias entre o sector público e privado.

O projecto Digital City Amsterdam (http://www.dds.nl) foi uma das primeiras experiências

no campo das comunidades virtuais e tenta projectar a cidade real no ambiente da Internet,

organizando-se segundo núcleos temáticos como praças, casas, portas, etc. O projecto Digital Stad surgiu em 1994 e o seu objectivo era criar uma experiência de ligação a uma

representação digital da cidade de Amsterdão através do uso da rede de Internet. As

autoridades locais da cidade, em conjugação com o Ministério da Economia, promoveram a criação de um portal que permitia aproximar o cidadão dos poderes públicos. Começava assim a implementação de um conjunto de procedimentos e de tecnologias que se viria a disseminar segundo diferentes modelos e em inúmeras regiões.

Figura 5. – Página da Digital City Amsterdam

Evoluindo até à actualidade com base nas tecnologias mais recentes e com uma crescente aceitação por parte dos cidadãos, esta cidade digital acolhe mais de 50.000 ‘moradores’, sendo uma das maiores comunidades virtuais do mundo. Organizada segundo agrupamentos de temas como as novidades, o balcão electrónico, o acesso em banda larga e inúmeros outros conteúdos, este portal reforça o exercício da cidadania, congregando órgãos oficiais, organizações não-governamentais, grupos de interesse, etc. A sua vertente informativa é muito completa, permitindo seguir discussões da assembleia municipal, consultar documentos oficiais, ler jornais, visitar museus, exposições ou até fazer compras. Um dos objectivos deste portal ou desta comunidade virtual é incentivar a participação dos cidadãos nas decisões políticas, tornar transparentes as políticas da administração regional, informar o cidadão sobre as opções de gestão do território.

Pretende-se assim utilizar o potencial da Internet para catalisar o desenvolvimento regional.

Seguindo outro modelo, que explora de uma forma mais aprofundada as potencialidades

da plataforma tecnológica que o suporta, o projecto Digital City Helsinki

(http://www.helsinki.fi) é, também, um caso de sucesso. Fruto de uma iniciativa publica e

privada, este projecto teve como objectivo principal a criação de uma comunidade virtual para garantir a melhoria de serviços aos moradores e empresas da região abrangida. Entre a municipalidade de Helsinki e um conjunto de empresas, foi criado um consórcio

comunidade sem fios, através da terceira geração de telemóveis, ou seja um serviço 3G completo, mas virado para o exercício da cidadania. A iniciativa pública tem a seu cargo a criação de infra-estruturas locais e a iniciativa privada é responsável pela criação e operação dos serviços, com mais valias para os cidadãos.

Figura 6. – Página da Digital City Helsinki

Os serviços disponíveis em banda larga (tecnologia wireless e cabo) estão organizados

num pacote denominado ID Platform, segundo vários aplicações: disponibilização de fóruns

de discussão; arquivamento, procura e organização de documentos; comércio electrónico

com catálogos de produtos e sistemas de pagamento on-line; serviço de direccionamento

de mensagens para dispositivos vários (PC’s, televisão digital, palmtop e telemóveis);

sincronização de agendas e de compromissos; gestão de contactos; e armazenamento de

arquivos para empresas. A ideia dos promotores é transferir a www para uma escala local,

direccionando os serviços para a população residente e oferecendo um conjunto de funcionalidades cada vez mais usual. Os temas estão distribuídos por 7 agrupamentos e vão desde as notícias, aos transportes, passando pelos mapas da cidade, pelos serviços de apoio ao cidadão, à informação relacionada com as Universidades, ao turismo e à estatística.

Com características diversificadas dos exemplos anteriores, o projecto Digital City Linz

(http://www.linz.at) reflecte uma preocupação com a valorização de aspectos que, de um

modo geral, abrangem o universo económico, social, cultural e territorial dos seus habitantes. A organização deste modelo de cidade digital baseia-se em 20 temas bases, que se ramificam em inúmeros sub-temas. De entre todos eles, destaque para 5 temas: (i) História Urbana - um arquivo muito completo de vídeos, fotos, livros e resumos de conferências sobre determinados aspectos históricos, arquivos de museus e arquitectura urbana; (ii) Urbanismo – conceitos de desenvolvimento local, energias, fotos e análises e acompanhamento de projectos em desenvolvimento; (iii) serviços para o cidadão – balcão electrónico para tratamento de algumas questões básicas (alteração de morada, idosos, comprovativo de nacionalidade, obtenção de variadas licenças e certidões, bolsa de emprego e serviço de estrangeiros); (iv) Administração – serviços municipais, serviços urbanos, regulamentos e inúmeras informações úteis; e (v) Mapa da Cidade – mapa informativo com guia de localização.

De entre todos os portais apresentados nos 3 modelos de cidade digital, este último é de facto aquele cujas preocupações com o território e com o ambiente que rodeia o cidadão são mais visíveis. Neste caso, a utilização das novas tecnologias vai um pouco mais além no elo de ligação entre o mundo físico e o virtual, reflectindo também a apetência dos austríacos para as questões da gestão e do ordenamento do território, bem como o ambiente, nas suas múltiplas abordagens.

A impossibilidade de explorar a página de um modo mais pormenorizado, em particular alguns dos aspectos referidos anteriormente, deve-se à falta de tradução da maioria dos conteúdos para inglês, um ponto menos positivo da página apresentada.

As actuais transformações sócio-tecnológicas potenciam a criação de um contexto propício à emergência de cidades digitais. Estas servem como alternativa à dinamização dos territórios, permitindo que o relacionamento social, económico e tecnológico se faça a múltiplas escalas. Todos os modelos de cidades digitais dependem, no entanto, de uma

infra-estrutura local, regional ou a outras escalas, de cabos, antenas, software e hardware,

que permitam conjugar o espaço real e físico com o espaço virtual. Torna-se por isso evidente, que as cidades ou os territórios carentes deste tipo de recursos, bem como de políticas integradas nas áreas da informação, do conhecimento, da inovação, bem como do planeamento e ordenamento urbano (esta última direccionada para a criação de infra- estruturas avançadas na área das telecomunicações) não tenham, à partida, a mesma apetência para o desenvolvimento de modelos de cidades digitais de sucesso. Estes espaços vêem-se assim impedidos de integrar os novos territórios do conhecimento, sendo inevitavelmente sujeitos à info-exclusão.

Existem ainda outros conceitos que se podem enquadrar nesta linha de pensamento. Um deles é, segundo GRAHAM (1998), o de ‘cidade electrónica’. Um espaço electrónico com

base na www, criado para estimular o desenvolvimento das cidades. Estas funcionariam

com planos e objectivos concretos em áreas como o marketing urbano, o turismo, a

economia (através do aumento da competitividade empresarial), o consumo, a melhoria das comunicações entre cidadãos e governos e o renascimento de uma cultura local. Já segundo SILVA (1998) é um misto de espaço real e virtual, operada por computadores e pessoas especializadas que difere da cidade ‘normal’.

Outro conceito muito importante, segundo BARLETTA (<URL> s.d.), é o de ‘cidade virtual’. Segundo o autor, é difícil de definir, porque não está referenciada a nenhuma cidade real. É feita de especulações permitidas pela tecnologia e simula espaços reais em ambientes computacionais. O autor não exemplifica, mas dentro deste conceito poderão incluir-se as comunidades virtuais criadas em ambientes de realidade virtual, por isso, menos importantes para este trabalho.

A ‘Cidade Inteligente’ aproxima-se também do conceito base de cidade digital; no entanto, está mais ligada às infra-estruturas que se instalam nas cidades e que possibilitam a satisfação das necessidades tecnológicas dos seus habitantes, quer em casa, quer no local de trabalho. Assim, seja qual for a abordagem efectuada para tentar definir uma cidade

digital, existem elementos comuns ou pressupostos básicos que se repetem e que se representam no esquema seguinte.

Participação efectiva dos cidadãos em processos de decisão. Existência de um domínio na Internet. Políticas públicas de incentivo ao desenvolvimento de aplicações no campo das TI’s. Projecção da cidade real.

Relação entre espaço, técnica e poder.

Largura de banda suficiente de acordo com

as necessidades.

Acesso generalizado aos conteúdos através de centros / quiosques

electrónicos.

Integração do espaço real / físico com o espaço

virtual. Infraestrutura de interligação entre os espaços. Reflexo da Geografia das verdadeiras cidades CIDADE DIGITAL Participação efectiva dos cidadãos em processos de decisão. Existência de um domínio na Internet. Políticas públicas de incentivo ao desenvolvimento de aplicações no campo das TI’s. Projecção da cidade real.

Relação entre espaço, técnica e poder.

Largura de banda suficiente de acordo com

as necessidades.

Acesso generalizado aos conteúdos através de centros / quiosques

electrónicos.

Integração do espaço real / físico com o espaço

virtual. Infraestrutura de interligação entre os espaços. Reflexo da Geografia das verdadeiras cidades CIDADE DIGITAL

Figura 8. – Variáveis integrantes de uma Cidade Digital.

Estes ‘arquipélagos virtuais’ de inovação, nas suas diferentes formas podem, em

conjugação com distritos industriais, regiões do conhecimento, parques tecnológicos ou outras figuras de inovação, promover a inovação tecnológica. Assim, poder-se-á criar um modelo que, embora mais complexo, seja, do ponto de vista da sua disseminação geográfica, mais completo. Dito de outra forma, poderá complementar-se através de ‘ilhas virtuais’, ou de ‘cidades digitais’, aquilo que não é possível obter através das variáveis físicas (na forma de informação, conhecimento e inovação tecnológica).

O modelo óptimo para a disseminação da inovação tecnológica e de desenvolvimento poderia contemplar um ambiente de aprendizagem e inovação, tanto ao nível real como ao nível virtual. Existem inúmeras evidências que mostram a transição de alguns modelos clássicos para modelos mais abertos e flexíveis, de modo a acelerar a disseminação da inovação. Recorde-se por exemplo, a transferência de algumas funções urbanas do espaço físico para o espaço digital, como as transacções de informação, de conhecimento e de capital.

Em Portugal, o modelo de cidades digitais está a ser implementado através do Programa Cidades e Regiões Digitais, integrado no Programa Operacional Sociedade da Informação (POSI), da responsabilidade da Unidade de Missão Inovação e Conhecimento (UMIC). O conceito de cidade digital - e em particular o caso de Portugal - será ainda abordado no decorrer desta dissertação, quando forem analisados alguns exemplos a nível nacional.

No documento Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (páginas 73-82)