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Consequências Sociais da Nova Economia

No documento Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (páginas 103-107)

Capítulo II Do Paradigma Tecnológico ao Paradigma Sócio-Info-Tecnológico

5. Nova Economia, Economia Digital ou Economia da Informação?

5.2. Consequências Sociais da Nova Economia

O primeiro princípio da Nova Economia é, segundo Robert REICH, o alargamento do leque de escolhas, sendo cada vez mais fácil aos compradores escolher um ‘melhor negócio’; o segundo princípio é que, essa possibilidade acarreta para o vendedor, uma vulnerabilidade e/ou um risco muito maior, uma vez que a concorrência é quase global. A solução está na aplicação da inovação, nas suas mais diversas formas, levando a uma diferenciação no produto. No entanto, uma sociedade baseada num sistema económico centrado na inovação, pode acarretar desequilíbrios sócio-económicos extremamente complexos, uma vez que a concorrência é, em muitos casos, inimiga da estabilidade do processo produtivo. “... The winning competitors are quickest to provide lower prices and higher value (...) but winning is temporary, and the race is never over. Those in the lead dare not stop innovating for fear of falling behind...” (REICH, R. 2000:49). Esta realidade acarreta um conjunto de consequências sociais extremamente vasto, que segundo alguns autores poderá, a médio e a longo prazo, agravar as condições de vida.

Globalmente, e segundo STEVENS e MICHALSKI (1994), o progresso da tecnologia, a

expansão económica e a curiosidade humana estão a agravar as descontinuidades sociais

no interior dos países e entre eles. É necessário, por isso, que os governos introduzam extensas reformas, particularmente em áreas como a educação, o emprego ou a segurança social. Isto porque os programas em vigor são muitas das vezes adaptados a uma realidade da era industrial.

O modelo de vida que hoje se aplica poderá diferir do clássico ‘primeiro a escolaridade obrigatória, segundo um emprego seguro para o resto da vida e terceiro uma reforma em

idade fixa’. Tomando apenas como exemplo a educação, a aprendizagem é hoje uma actividade que se pratica ao longo da vida e que envolve uma série de fontes de conhecimento. Será assim necessário, utilizar parâmetros completamente diferentes e inteiramente novos, de modo a aumentar de forma visível, a capacidade interventiva de todos os segmentos da sociedade - comunidades, empresas e indivíduos.

Qualquer estratégia adoptada pelo poder central deverá passar por um forte investimento na educação e na formação, de modo a aumentar o acesso ao conhecimento e alargar a oferta de trabalhadores com competências e habilitações. Já em 1993, um relatório da OCDE apontava o exemplo da Alemanha. Este país que aumentou em muito a despesa em educação, verificou que a desigualdade de rendimentos desde a década de 70 não se acentuou tanto como em outros países, onde não se registou esse investimento. A experiência deste país realça a importância de alargar a distribuição do saber pelas populações. Muita da formação tem que ser dada no local de trabalho e não só nos grandes centros urbanos, descentralizando funções importantes e fixando as populações.

Não se trata apenas da quantidade de educação e aprendizagem disponível, mas também da qualidade, acesso e distribuição territorial. O conhecimento real não se distribui melhor

simplesmente porque se tem acesso à Internet. Esta falsa perspectiva do crescimento

tecnológico, induzida pelo número de pessoas que acedem à Internet está longe de

constituir um indicador de desenvolvimento educacional: no entanto, é falsamente usada como estandarte promocional de políticas governamentais. Veja-se, por exemplo, o caso da Irlanda que, embora apresente valores baixos em algumas das variáveis ligadas à Internet, é um paradigma do crescimento económico sustentado.

Claro que a educação não pode ser pensada isoladamente, isto é, abstraída das condições sociais e humanas primárias como a nutrição, a saúde ou a habitação, só para falar das mais importantes. Assegurar as oportunidades de aprendizagem não é suficiente; é necessário que o indivíduo tenha outras condições para poder haver motivação. Por isso, garantir que as condições sociais, materiais e culturais, quer das crianças, quer dos adultos, sejam propícias à aprendizagem, deve ser também uma prioridade. A economia da aprendizagem deve, obrigatoriamente, passar pela satisfação das necessidades humanas básicas.

Veja-se o caso de Portugal, com os exemplos da onda de acções de formação do Fundo

Social Europeu. De que valerá um curso de informática sobre Windows se o formando não

tiver condições económicas para adquirir um computador pessoal? Para que servem acções de formação para desempregados de longa duração, se depois não são inseridos na vida activa? Há que dar às políticas e às opções estratégicas, uma continuidade lógica.

Não faz sentido haver formação, se não se conseguem primeiro suprir as necessidades mais básicas. Só depois, se poderão aproveitar essas mais-valias no tecido produtivo.

O conhecimento só pode ser gerado se houver uma aposta clara no capital humano e essa mais-valia só existe se a educação for uma prioridade. O investimento na educação é talvez aquele onde o retorno é mais substancial. Pela consulta do “Relatório do Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2002”, observa-se que o índice de escolaridade (numa escala de 0 a 1) mostra uma disparidade enorme entre as nações industrializadas com um valor de 0.97 e o mundo em desenvolvimento com um valor de 0.67. Se no ensino secundário as diferenças são grandes, no ensino superior as diferenças agravam-se. "... O ensino superior será para a sociedade do conhecimento, o que o ensino secundário foi para as economias industriais (e o que o ensino primário foi para as economias agrárias...” (BLOOM, D.E. 2000:62). Parece assim que a ‘pobreza do conhecimento’ leva a uma diminuição do ritmo de desenvolvimento. As instituições de ensino superior são vitais para um novo modelo económico onde a internacionalização é um dos pilares fundamentais para a economia, pois ajudam a gerar, seleccionar e difundir a informação e o conhecimento na sociedade. Os sistemas de ensino superior devem tornar-se cada vez mais diferenciados. No entanto, esta diversificação não deverá processar-se de forma caótica, sobretudo porque a qualidade do ensino ministrado pode ser comprometida. Não interessa, por exemplo, ter muitos cursos superiores se o número de alunos é baixo, pois haverá um desperdício de recursos.

Um outro conjunto de questões que importa analisar, relaciona-se com o mercado de trabalho. O facto do trabalhador ter conhecimentos e competências úteis - instrumentos de trabalho intangíveis - aumentou de importância, quando comparada com os instrumentos de trabalho tangíveis. O poder relativo de negociação do trabalhador qualificado aumentou

e o gap para o trabalhador não qualificado aumentou também substancialmente. Quanto

maior a intensidade de conhecimento, mais valioso é o trabalhador. Com o aumento do custo relativo e absoluto das competências especializadas, gera-se um incentivo à contratação dos serviços de indivíduos ou grupos profissionais qualificados, recorrendo-se a contratos de serviços em vez de contratos de trabalho.

A organização concentrada, na qual a empresa detém todas as competências com base em contratos de trabalho habitualmente organizados em localidades específicas, parece assim estar a ser gradualmente substituída pela organização contratual, que se baseia na subcontratação e em contratos de serviços.

O declínio da organização concentrada do trabalho, facilitada pela utilização crescente da Internet e de outros meios de comunicação, implica alterações na estrutura territorial. É possível que parte do trabalho intensivo em conhecimento seja deslocalizado. As viagens mais baratas e o aparecimento de uma economia global, parecem esbater as distâncias físicas reais. Alargou-se a esfera do lazer e os avanços da técnica estenderam os laços familiares a qualquer parte do mundo. Os limites locais e territoriais do trabalho, do lazer e da família podem tornar-se coisas do passado e o resultado desta mutação pode traduzir-se numa economia do conhecimento totalmente globalizada. Daí que haja autores, que falam da ‘morte da Geografia’. A análise deste assunto terá o desenvolvimento devido, em capítulo posterior.

O crescimento da economia do conhecimento coloca assim enormes desafios e requer uma cultura social alargada de responsabilidade e de responsabilização, que pode levar algumas décadas a desenvolver e a atingir um estado de maturação. Estes desenvolvimentos acarretam pontos positivos, mas também negativos. Ao desenvolverem uma cultura de empenho do trabalhador (exigindo-lhe um nível cada vez mais elevado de dedicação e um horário cada vez mais flexível e alargado), as empresas deverão também ter obrigações acrescidas. A natureza do trabalho intensivo leva à dificuldade da sua regulação num determinado número de horas e isso pode criar riscos de excesso de trabalho.

O problema da sociedade do conhecimento e, em particular, da sua economia não deverá por isso cingir-se ao aumento da capacidade de aquisição, utilização e distribuição do conhecimento; deverá também demostrar uma clara protecção do trabalhador do conhecimento em relação ao excesso de trabalho. O que hoje se verifica é que, embora as profissões baseadas em conhecimento sejam, de um modo geral, bem remuneradas, o número de horas de trabalho parece ser demasiado elevado, acarretando prejuízos de ordem social. Estes reflectem-se normalmente na vida familiar, com consequências conhecidas. A protecção do trabalhador, por vezes difícil no sector privado, é no entanto necessária, mas cada vez menor face ao competitivo e exigente mercado global.

A internacionalização da economia ou de uma mais complexa (nova) economia que se tenta definir, actua sobre uma série de variáveis. As suas consequências são múltiplas, podendo no entanto afirmar-se que os países são cada vez menos auto-suficientes, os empregos dependem dos mercados e dos investimentos exteriores e o bem-estar ambiental depende cada vez mais das acções de empresas e de governos além fronteiras.

No documento Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (páginas 103-107)