Capítulo II Do Paradigma Tecnológico ao Paradigma Sócio-Info-Tecnológico
4. As Redes de Inovação e de Tecnologia no Espaço de Fluxos
4.1. A História da Rede Internet
Por volta do ano 2000 a.C. era inventado o alfabeto, de que derivam as escritas aramaica e árabe. A descoberta dos alfabetos permitia separar a mensagem do emissor, possibilitando a perpetuação da mensagem. Aproximadamente 4000 anos mais tarde e através da
linguagem HTML (Hipertext Mark-up Language) ou hipertexto tornava-se possível a
integração de vários modos de comunicação - oral, escrita, audiovisual - num só suporte.
Este avanço permitia a utilização de uma rede digital, a Internet, considerada a ‘Rede das
Redes’. Esta realidade veio alterar a forma de comunicar e o próprio carácter da comunicação. E a comunicação obviamente molda a cultura, “...Nós não vemos (…) a realidade (…) tal e qual ela é, mas sim, de acordo com as nossas linguagens. E as nossas
linguagens são os nossos media. E os nossos media são as nossas metáforas. E as
nossas metáforas criam o conteúdo da nossa cultura...” (POSTMAN, N. 1985:15)49. O ritmo
de desenvolvimento e a sua geografia são ainda um campo onde dominam as expectativas e as especulações.
A Internet teve origem numa mistura de ideias inovadoras, pesquisa científica aplicada e
cooperação internacional. A tecnologia que a suporta (packet switching) provém de um
projecto financiado pelo Department of Defense Advanced Research Projects Agency
(DARPA) dos Estados Unidos, nos anos 60. As primeiras experiências datam de 1966.
Pouco tempo depois, dava-se início a um trabalho semelhante no National Physical
Laboratory, no Reino Unido. Em 1968, o DARPA desenvolvia o primeiro sistema de
comunicação entre computadores denominado de Interface Message Processors (IMP). A
pesquisa entrava em fase de comercialização e quem ‘ganhou a corrida’ foi uma empresa
de I&D, a Bolt Beranek and Newman (BBN). Em 1969, estava plenamente desenvolvido e
era entregue o primeiro IMP ao Network Measurement Center da UCLA. Era o nascimento
da ARPANET.
De quatro nós, em 1969, a ARPANET crescia para cem nós, em 1975. A primeira
apresentação pública da tecnologia foi feita em 1972 na “International Conference on
Computer Communication”. Foi através desta demonstração que muitos cépticos se converteram à robustez do sistema. Daquele encontro saiu um grupo de investigadores
que, juntos num consórcio denominado International Network Working Group (INWG),
49
avançaram ainda mais na pesquisa da tecnologia de packet switching. Assim, e no
seguimento da pesquisa sobre esta tecnologia, surgia um standard internacional
denominado X.25, que seria o início da disseminação territorial da tecnologia embrionária
das futuras redes globais.
Em países como o Canadá, França, Reino Unido e, claro, Estados Unidos, surgiam novas
redes como a Telenet, a Datapac, a Transpac ou a Reseau Communication par Paquet
(RCP).
A ARPANET tornava-se assim uma rede terrestre tecnologicamente consolidada, de
grande importância científica e cuja infra-estrutura era propícia ao desenvolvimento de
projectos inovadores. Com recurso a redes de satélites (SATNET) e à tecnologia rádio
(PRNET), evoluía-se para um sistema de compatibilização e ligação simultânea das varias
redes espalhadas pelo mundo. Era dado assim mais um passo gigante para permitir que uma informação existente em computadores separados por milhares de quilómetros, pudesse ser transferida sem grandes conhecimentos por parte dos utilizadores. Também
no início dos anos 70, o DARPA financiou um projecto da Universidade do Hawai, liderado
pelo Air Force Office of Scientific Research, que resultaria na concepção da Ethernet,
baseada numa nova tecnologia, o mobile packet radio. Esta ideia era baseada na
possibilidade de um cabo coaxial poder transmitir rádio, mas a uma velocidade milhares de
vezes superior à transmitida pelo ar. A Ethernet tornava-se também uma rede de grande
capacidade e de grande importância para a indústria.
Em 1977, congregando as tecnologias desenvolvidas até então, foi levada a cabo uma
demonstração ligando a ARPANET, a SATNET, a Ethernet e a PRNET. O envolvimento de
uma rede de satélites foi crucial para que houvesse uma forte participação internacional, nomeadamente do Reino Unido e da Noruega, que se alargaria depois à Itália e à Alemanha.
Outra das pesquisas desenvolvidas pelo DARPA, foi levada a cabo na Universidade de
Stanford. O objectivo era criar um conjunto de protocolos flexíveis para comunicação entre computadores. A primeira fase desta pesquisa culminou numa demonstração efectuada em
1977, que utilizou com sucesso o protocolo Internet - Transmission Control Protocol/
Internet Protocol, mais conhecido por TCP/IP. O DARPA estava nesta altura em condições
de converter as organizações que financiava para o protocolo TCP/IP. Foi também nesta
fase que a National Science Foundation (NSF) se lançou num projecto designado por
Computer Science Network (CSNET), que tinha como objectivo ligar todos os departamentos de ciências computacionais; muitos deles não estavam sequer ligados à ARPANET. A CSNET adoptou o protocolo TCP/IP e desenvolveu ao mesmo tempo um
sistema de ‘Phone-mail’ ou correio telefónico, desenvolvido com tecnologia dial-up, com capacidade para trocar correspondência electrónica. Foi também pioneira na adopção do
protocolo TCP/IP sobre o protocolo standard X.25.
Começava a desenhar-se uma nova geografia das infraestruturas tecnológicas, que se viria a mostrar determinante na análise da dinâmica dos territórios e influenciaria toda a actividade humana.
O início dos anos 80 marcava também o início de uma nova fase no desenvolvimento das redes e, em meados desta mesma década, o Departamento de Energia e a Agência
espacial norte americana NASA estavam também envolvidos nessa tarefa. O interesse da
NSF em desenvolver uma rede de banda larga iniciou-se em 1986, depois de lançado o
programa dos grandes centros computacionais (SuperComputer Centers Program). A NSF
pretendia ligar os centros aos investigadores, financiando para isso a NSFNET. Com a
ajuda da legislação do senador Al Gore e das suas ‘auto-estradas da informação’, começavam a delinear-se as grandes redes de fibra óptica que ligavam os centros computacionais; era o nascimento das redes regionais (ou de nível intermédio), entre as
universidades e o backbone da NSFNET. Em finais da década de 80, a NSF começaria a
retirar o apoio financeiro às redes que ajudara a criar. Foi o início da privatização das redes regionais, transformado-as em estruturas independentes e lucrativas. O culminar de todos
estes acontecimentos tornaria a NSFNET como infra-estrutura substituta da ARPANET,
processo concluído em 1990.
Entrava-se nos anos 90 e o fenómeno Internet vivia a euforia. No backbone da NSFNET o
tráfego mais do que duplicava anualmente. O número de hosts que, em 1983, era de 200
computadores, era em 1995 de 5 milhões. Durante este ano, em todo o mundo, muitos dos ISP´s foram dispersos em Bolsa, muitos deles uniram-se em alianças e o mercado consolidava-se. Também as grandes empresas fornecedoras de telecomunicações como a AT&T, British Telecom, France Telecom, Deutsche Telecom Swedish Telecom ou a Norwegian Telecom, estavam no auge do seu negócio. Numa enorme vaga evolutiva, entre
os anos de 1990 e de 1995, o backbone americano da NSFNET era totalmente
desactivado, passando todos os serviços Internet para a responsabilidade de uma série de
ISP’s espalhados pelo território. Assim, as grandes redes responsáveis pela criação e
desenvolvimento da Internet nos Estados Unidos (ARPANET, SATNET, PRNET e
NSFNET) tinham desaparecido, mas a Internet continuava a evoluir num ritmo exponencial. Face aos elevados volumes de informação que fluem nesta rede, ela baseia-se em infra- estruturas tecnológicas de elevada performance, cuja evolução tem que ser constante. Com o rápido aparecimento de novas tecnologias, dá-se também o aparecimento de novos
serviços. Estes exigem cada vez mais recursos e a criação de redes físicas (públicas e privadas) que floresceram por todo o mundo, em especial nas economias mais desenvolvidas. No entanto as suas características diferenciadas, os recursos necessários para a sua rentabilização ou simplesmente a concorrência, fizeram com que muitas desaparecessem e outras se juntassem em consórcios para poder rentabilizar os fortes investimentos feitos.