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O Direito à Informação e as Novas Desigualdades Sociais: a Info-Exclusão

No documento Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (páginas 56-60)

Capítulo I Informação, Conhecimento e Sociedade

4. O Direito à Informação e as Novas Desigualdades Sociais: a Info-Exclusão

Já não é novo o conceito de informação, como elemento central na construção de

sociedades democráticas. Nos Estados Unidos podem ser encontradas algumas referências nos discursos do presidente James MADISON (1822); “... Um governo popular, sem informação popular, de acesso público ou sem meios para a adquirir, não é mais do que um prólogo para uma farsa ou uma tragédia ou até talvez as duas...” (HUNT, G.P.

1910:103)22. Segundo esta referência, não é também nova a importância a ela atribuída.

Também Richard NIXON se referia à importância da informação; “…Fundamental para a nossa vida, é a crença de que, quando a informação (...) é sistematicamente usada apenas por aqueles que detêm o poder, rapidamente as pessoas se tornam ignorantes, indiferentes em relação a quem os governa e, eventualmente, incapazes de determinar os

seus próprios destinos...” (s/tit. e s/data.)23. Na mesma medida em que os governos exigem

uma cada vez maior quantidade de dados sobre os seus cidadãos, também os cidadãos continuarão a pressionar os governos de modo a que sejam tornados acessíveis um cada vez maior número de ficheiros e documentos.

Prevê-se que a difusão das TI possa trazer novas formas de democracia participativa. O potencial tecnológico de novos (mas ainda pouco adoptados) sistemas electrónicos de opinião - através da televisão interactiva - ou de comunicação informativa - quiosques multimédia - têm já uma expressão considerável e novas formas de comunicação com o cidadão comum serão essenciais no processo de gestão territorial mais participada (se for esse o interesse das entidades promotoras do serviço).

Poderá a sociedade da informação proporcionar uma melhor participação política dos cidadãos, ou aqueles que têm acesso à informação continuam a ser os mais ricos ou mais cultos, devido à sua capacidade para adquirir os equipamentos necessários?

Por um lado, os grupos tradicionalmente dominantes podem aumentar o seu poder recorrendo às novas tecnologias; por outro lado, podem também aparecer novos grupos de pressão, resultantes da difusão dessas mesmas tecnologias. Em termos genéricos, o cepticismo sobre a democracia electrónica pode variar muito, sendo, por exemplo, muito mais profundo na Europa do que na América do Norte.

22 Citado em BRANSCOMB, A.W. (1994:164). 23

Receios de monitorização nas tecnologias aquando de sondagens electrónicas parecem ser evidentes. Mas será que estes sistemas electrónicos poderão aumentar os níveis de participação política nas sociedades ocidentais?

A utilização das TI pode subverter o seu sentido. Em alguns casos (referenciados nos Estados Unidos da América), verificou-se que estudos, publicações e boletins estatais que eram disponibilizados de forma gratuita, passaram a estar apenas disponíveis em formato electrónico em grandes e lucrativas bases de dados, onde só se pode aceder mediante pagamento de avultadas quantias. As bases de dados do Departamento de Agricultura e da Agência de Protecção Ambiental são apenas dois exemplos onde os custos do acesso à informação foram levados ao extremo durante a presidência de Ronald REAGAN, aquando da privatização dos organismos públicos de gestão de informação. A tecnologia pode assim propiciar monopólios privados ou públicos de informação e o sonho de uma democracia digital poderá ser difícil de concretizar.

Nas sociedades avançadas, cerca de metade da força de trabalho é constituída por processadores de informação. Seria desastroso se as leis que hoje se aprovam para regulamentar a utilização da informação fossem, numa tal sociedade, limitadoras da liberdade. As decisões políticas sobre o uso das tecnologias de informação, telecomunicação e media serão cruciais para o futuro da democracia, mas unicamente se forem ‘tecnologias de liberdade’24.

Tal como o relógio foi o símbolo chave da era industrial, o computador parece estar a tornar-se no símbolo chave da era da informação. O ser humano começa a ver-se como

um processador de informação e a encarar a Natureza como uma informação passível de

processamento. No entanto, será este um cenário generalista? Ou serão aqueles que se definem como ‘processadores de informação’, uma pequena minoria?

A informação não é contínua, nem homogeneamente distribuída por todos os escalões

sociais. De acordo com HAMELINK (1983)25, “... parte da informação é especializada e,

como tal, só é acedida por poucos..”. Claro que para tirar partido da informação, explorando o seu valor económico, são necessárias determinadas qualificações, e é aqui, que se depara com os maiores contrastes.

A Sociedade e a Economia da Informação geram um novo modelo de desenvolvimento. É com base nas ‘auto-estradas da informação’, no recurso constante à inovação e na utilização das tecnologias de informação e comunicação, que reside a capacidade dos

24 Para aprofundar o conceito de continuidade da informação ver POOL, ITHIEL DE SOLA. (1983). 25

países e das regiões se tornarem competitivos, afirmando-se na globalizada economia mundial. No entanto, “... a revolução digital concentra-se sobretudo nos países

desenvolvidos...”, sendo ainda “... american-based, english-speaking e western-focused...”

(SALVADOR, R. 2001:3).

A revolução info-tecnológica ocorre apenas em algumas sociedades e difunde-se em áreas geográficas relativamente limitadas. Existem grandes regiões do mundo e um largo número de habitantes do planeta completamente excluídos de todo este novo paradigma tecnológico. A velocidade de difusão tecnológica é selectiva, tanto social, como funcionalmente. Este espaçamento temporal é, em parte, responsável pelas desigualdades sociais; existe pois uma clara descontiguidade tecnológica do espaço. Este é dominado por ‘grupos de elite’, embora seja normalmente referido como ‘acessível’ a todos e/ou por todos. A ‘privatização’ do espaço electrónico por redes comerciais, financeiras ou sociais excluem aqueles, que a elas não pertençam.

Apesar dos países pobres sonharem em alcançar os ricos, a situação actual caracteriza-se, na esmagadora maioria dos casos, pela dependência. Enquanto as sociedades avançadas

produzem chips de silício, formados por centenas de milhares de elementos, em África, só

uma pessoa em cada dezoito, possui um aparelho de rádio. Longe de atenuar o fosso Norte-Sul, os dados disponíveis (analisados mais à frente), parecem sugerir que as tecnologias de informação ajudam a alargá-lo.

As TI tornaram-se instrumentos privilegiados de debate político, utilizados por grupos de

opinião e pelos próprios governos. A Internet, por exemplo, com o seu potencial de

disseminação, mobilização e organização de informação, tem sido utilizada a vários níveis, e com um sucesso indiscutível. O debate público entre cidadãos preocupados com as políticas locais; os projectos das cidades digitais; as sessões de esclarecimento levadas a

cabo por municípios, estimulando debates on-line; os movimentos de direitos humanos, de

preservação ambiental e outras causas regionais, nacionais e trans-nacionais são debatidas com crescente dinamismo nesta nova rede de comunicação.

Estes novos modos de participação democrática activa abrem novos horizontes à intervenção pública, em campos anteriormente reservados às classes políticas e dirigentes. No entanto, não se poderá esquecer que o acesso continua cultural, social, económica e geograficamente selectivo. Por isso, o seu impacto poderá ser potencialmente restrito, levando ao reforço das camadas sociais já de si dominantes e com acesso facilitado a estas tecnologias. Estas questões suscitam uma faceta mais ‘obscura’ da sociedade da informação, a info-exclusão.

O optimismo de alguns teóricos da sociedade da informação, principalmente aqueles que prevêem o aparecimento de uma ‘aldeia global’ baseada na informação, parece ser por isso bastante duvidoso.

Grande parte da população dos países em desenvolvimento permanece marginalizada,

pelo que, é cada vez mais frequente falar-se em ‘gap tecnológico’ ou em ‘digital divide’.

Este conceito reflecte-se, em traços gerais, na desigual capacidade de utilização das novas ferramentas tecnológicas, devido às disparidades em cinco factores-chave: acesso, conteúdo, capital humano, capital social e reforma institucional. Verifica-se que o problema das populações se coloca a dois níveis: não possuir acesso às tecnologias e não dispor de conhecimentos técnicos para fazer uso das mesmas. Isto pode levar a um aprofundamento do fosso que separa os indivíduos, as empresas e os territórios. A inexistência de uma estratégia nacional de inovação e a falta de ligação entre os diversos agentes - público e privado, universidades e empresas, instituições financeiras e capital de risco - apresenta-se também como uma forte condicionante.

Às tradicionais desigualdades identificadas entre países desenvolvidos e não desenvolvidos, juntam-se agora as desigualdades entre os países com acesso e sem acesso às TIC. Assim, tal como a eliminação da pobreza e do subdesenvolvimento,

também a redução do gap tecnológico, o colmatar do digital divide, e o combate à info-

exclusão (à partida, definições para a mesma realidade) devem ser consideradas como prioridades da agenda mundial. Embora ainda sem grande expressão, começaram a ser esboçadas algumas acções, como por exemplo na reunião do G8 realizada no Japão

(Kyushu-Okinawa Summit), em Julho de 2000. Nesta conferência foi criada a Digital

Opportunity Task Force (Dot Force, 2001)26

, com o intuito de discutir formas de ultrapassar

o digital divide, levando a Economia do Conhecimento a toda a população mundial, sem

marginalizar os mais pobres e desfavorecidos.

Actualmente, “o direito à informação” e/ou de lhe ter acesso, é fundamental para a concretização de um Estado democrático. Todo o cidadão, ao qual lhe seja negado esse direito, não poderá exercer a plena cidadania. Uma correcta disseminação da informação, quer por parte do Estado, quer por parte de outros agentes envolvidos é, por isso, fundamental para a capacidade de escolha, de opção. No entanto, será difícil alterar o cenário da info-exclusão global quando a maior parte dos países em desenvolvimento tiver que continuar a lutar pela satisfação das necessidades básicas, como água potável, ou saneamento básico.

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Capítulo II - Do Paradigma Tecnológico ao Paradigma Sócio-Info-Tecnológico

No documento Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (páginas 56-60)