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3 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: UMA ANÁLISE

3.4 Cidades sustentáveis

A idéia de cidades sustentáveis está relacionada com a aplicação do princípio do desenvolvimento sustentável no âmbito local270. Adquire relevo especial a necessidade de integração entre as atividades humanas e o meio ambiente natural, porque no meio urbano o desenvolvimento destas tende a relegar a segundo plano a preservação do meio ambiente natural. Nessa esteira de pensamento, as cidades podem se transformar na chave para solucionar a crise ambiental atualmente vivida no mundo. De que forma?

a densidade urbana pode traduzir-se em maior uso eficiente da terra, da energia e dos recursos naturais, enquanto os espaços públicos democráticos e as instituições culturais também oferecem padrões de diversão de qualidade superior ao consumo individualizado e do lazer mercadorizado. […] as cidades precisam da aliança com a natureza para reciclar seus dejetos e transformá-los em matéria-prima utilizável na agricultura e na produção de energia271.

268 Luís Virgílio Afonso da Silva, 2002, p. 34.

269 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Art. 36…, 2008. 270 Rose Compans, 2001, p. 105.

Tudo isso tendo em vista “assegurar um equilíbrio tal a cada um desses meios que a qualidade de vida não seja diferente da dos elementos que a compõem (a cidade)”272. São esses os pontos centrais para a compreensão adequada do termo cidades sustentáveis. A fórmula não é secreta e, tampouco, complexa. Porém, o que se vê, diariamente, são ações no sentido diametralmente oposto. Espaços urbanos abertos são utilizados como depósito de lixo, que propicia o surgimento de ambiente favorável à proliferação de vetores de doenças; a ausência de saneamento básico273; o lixo muitas vezes é lançado nos rios, nos mares, nas ruas – nesse último caso, um dos efeitos é o entupimento das galerias de águas pluviais com o conseqüente aumento do caos no trânsito em épocas de chuvas intensas; invasões de áreas verdes, ora por ocupações da camada populacional de baixa renda, ora por construções de grandes empreendimentos e até moradias da classe média, todas irregulares, entre tantos outros casos. Sem embargo, existem iniciativas em prol da preservação ambiental, um tanto isoladas, como coleta seletiva de lixo em alguns apartamentos, oficinas de reciclagem de papel, plástico, entre outros. Infelizmente, essas ações são ainda muito tímidas e com pouco incentivo governamental. Em regra, cidadãos conscientes trabalham como voluntários nessas iniciativas.

Do mesmo modo que o conceito de desenvolvimento sustentável, o de cidades sustentáveis originou-se de conferências internacionais. Entre eles merece destaque o Livro Verde sobre meio urbano, publicado pela União Européia, em 1990. Pela primeira vez, a Europa abordou o problema das suas cidades com abrangência global, e não apenas setorial, como vinha fazendo ate então. O Livro chama atenção para uma realidade pungente: os problemas vividos pelas cidades européias enviam “alerta antecipado de uma crise mais profunda que nos forçará a rever os modelos atuais de organização e de desenvolvimento urbano”274.

A Carta Urbana Européia275, de 1992, publicou uma Declaração de Direitos Urbanos: a cultura, o esporte e o lazer, ao lado da moradia, saúde, emprego e participação popular. Direitos esses que estão relacionados com a função social das cidades, como será visto adiante. A Carta Urbana Européia resultou de um movimento europeu de melhoria nas

272 José Antônio Tietzmann e Silva, 2006, p. 135. 273 Mike Davis, 2006, p. 139, 143.

274 Sandro Givaneli, 1992, p. 144-145.

275 EUROPEAN URBAN CHARTER, 2008. “- improvement of the physical urban environment; – rehabilitation

of existing housing stock; – the creation of social and cultural opportunities in towns; – community development and public participation.” (tradução nossa).

cidades, focado em quatro abordagens centrais: “melhoria no ambiente físico urbano; reabilitação das moradias existentes; criação de oportunidades culturais e sociais nas cidades, desenvolvimento da comunidade e participação social”. Destaca-se especialmente por haver reconhecido a incapacidade de inúmeras cidades em oferecer o mínimo de condições para nelas se viver.

A União Européia seguiu com a publicação de importantes documentos sobre o tema. Entre eles, destaca-se a Carta das Cidades Européias para a sustentabilidade276, fruto da Conferência Européia sobre cidades sustentáveis, realizada em Aalborg, Dinamarca, em 1994. As cidades européias reconhecem seu papel de fonte dos muitos problemas ambientais que assolam a humanidade; destacam a sustentabilidade local como elemento indispensável para a sustentabilidade da vida humana no Planeta; colocam a cidade como a unidade que se mostra mais apta a solucionar os problemas ambientais, pois é a menor unidade em que esses problemas podem ser solucionados; alertam para o fato de que cada cidade tem suas particularidades, de forma que o caminho a ser percorrido por cada uma deve ser próprio.

O documento traz ainda uma importante relação entre sustentabilidade e cidade como organismo, essenciais a fim de se apreender a dimensão e relevância das cidades sustentáveis, na seguinte passagem: a sustentabilidade é um processo criativo e local que

permite a obtenção de informação permanente sobre as actividades que favorecem o equilíbrio do ecossistema urbano, ou sobre aquelas que o afastam. Ao basear a gestão urbana na informação alcançada ao longo deste processo, a cidade é encarada como um conjunto orgânico, tornando-se visíveis os efeitos das suas acções significativas. Através deste processo, a cidade e os cidadãos podem fazer escolhas reflectidas. Um sistema de gestão assente na sustentabilidade leva a que as decisões tomadas tenham em conta, não só, os interesses das partes respeitantes, mas também os das gerações futuras.

Fundada na noção de sustentabilidade local e consideração das peculiridades das cidades, adotou-se em Bogotá, a partir de 1995, uma nova política de segurança, norteada pela diretriz de segurança cidadã, em oposição à política de seguranca nacional, geralmente adotada pela maioria dos países. A segurança nacional busca encontrar inimigos internos e externos que representem ameaça à estabilidade do Estado nacional. É reflexo da falta de

garantia de outros direitos fundamentais relacionados com a qualidade de vida da população, entre os quais educação, saúde, moradia digna, o que se traduz basicamente em inclusão social. Naturalmente incompatível com a busca da qualidade de vida dos cidadãos, que tem como um dos seus elementos a segurança277. Por essa razão, em regra, os governos locais não se responsabilizam pela efetivação de programas e ações envolvendo essa temática. Bogatá serve de exemplo positivo na assunção pelo governo de iniciativas dessa natureza.

Segundo o atual consultor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e ex sub-Secretário de Segurança de Bogotá, Hugo Acero Velásquez, o plano de segurança implantado foi bem sucedido porque permitiu “a participação de todas as esferas da sociedade”. O programa incluiu a instalação de bibliotecas públicas e teleféricos com a finalidade de transporte nas periferias, a ressocialização de ex-guerrilheiros e pára-militares, recuperação dos espaços públicos, entre outras ações. A polícia foi devidamente aparelhada, mas o que realmente chama atenção é que ela foi treinada para lidar com o cidadão.

Estatíscas provam que o programa deu certo em uma cidade que, há pouco mais de dez anos, era considerada a mais violenta da América Latina. Na década de noventa, registravam-se 80 homicídios por mil habitantes. No início desse milênio, o indíce passou a ser de 30 homicídios por mil habitantes278. Na área ambiental, no entanto, Bogotá precisa dar um salto de qualidade. Para tanto, estão sendo implantados alguns programas destinados a reduzir a poluição atmosférica, como a construção de ciclovias e o investimento em transorte público de qualidade, com a implantação do Transmilênio (“sistema integrado de transporte de massa com corredores viários exclusivos para transporte público”); o combustível dos ônibus vem sendo gradativamente substituído por gás natural e diesel, orientado pelas normas européias mais recentes sobre qualidade do meio ambiente279.

A II Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos, realizada em Istambul, em 1996, produziu a Agenda Habitat II. Nela os governos dos países signatários da Conferência assumiram o compromisso em incluir nas suas políticas a noção de desenvolvimento sustentável nos assentamentos humanos280.

277 Hugo Acero Velásquez, 2006. 278 Shelley de Boton, 2006. 279 María Isabel García, 2001.

O tema cidades sustentáveis passou a integrar as discussões oficiais brasileiras sobre política urbana com a proposta de construção da Agenda 21 brasileira. Entre as seis temáticas centrais selecionadas para a elaboração deste documento escolheu-se “cidades sustentáveis”281. Em 2001, foi publicado o documento intitulado Cidades sustentáveis. Subsídios à elaboração da Agenda 21 brasileira, o qual trouxe propostas para inclusão do viés ambiental nas políticas urbanas adotadas ou que venham a ser formuladas em âmbito nacional282.

A primeira referência legal às cidades sustentáveis no sistema jurídico pátrio deu-se com a publicação do Estatuto da Cidade283, certamente como reflexo das discussões internacionais, incorporadas pelo país, sobre o tema. A garantia do direito a uma cidade sustentável compõe as diretrizes que orientam a elaboração da política urbana, a qual tem como objetivo principal o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade (artigo 182, caput da Constituição, e no artigo 2º, caput e inciso I do Estatuto da Cidade).

Atualmente, não existe um modelo de cidade no mundo que seja sustentável284. Todavia, há um modelo planejado de cidade sustentável do ponto de vista ambiental. O projeto, elaborado por uma parceria entre o instituto de engenharia árabe Masdar Iniciative e a empresa britânica de arquitetura e planejamento Foster and Partners, foi anunciado em janeiro do ano em curso. O grupo se propõe a construir uma cidade sustentável previamente planejada, nos Emirados Árabes Unidos, a qual será livre de emissões de carbono, aproveitará todo o resíduo produzido e será abastecida apenas por fontes de energia renovável. Uma das principais fontes de energia será a fotoelétrica, que consiste na “conversão direta da energia solar em energia elétrica”. Estima-se que em 2009 os primeiros habitantes poderão ocupar a nova cidade sustentável285.

Ressalte-se que o paradigma representado pelas cidades sustentáveis, decorrente do princípio do desenvolvimento sustentável, configura-se como uma utopia na qual deve se espelhar a humanidade.

281 As outras quatro temáticas foram: agricultura sustentável; infra-estrutura e integração regional; gestão dos

recursos naturais; redução das desigualdades sociais; ciência e tecnologia para o desenvolvimento sustentável.

282 BRASIL, Ministério do Meio Ambiente. Cidades sustentáveis…, 2008. 283 José Antônio Tietzmann e Silva, 2006, p. 146.

284 André Trigueiro, 2007. 285 BBC BRASIL, 2008.

Outra medida efetiva direcionada ao objetivo de cidades sustentáveis é a prática denominada green building ou sustainable building (construção verde ou contrução sustentável). A green building engloba modelos de construção, renovação, operação, manutenção e demolição, com o emprego de recursos mais eficientes, os quais devem levar em conta o ciclo de vida total do que se pretende realizar. A Agência de Proteção Ambiental Americana (Environmental Protection Agency – EPA), que fornece o conceito referido, afirma que as crescentes pesquisas e experiências no que se refere a construções que seguem esse padrão geram benefícios sociais, econômicos e ambientais. Observe-se que se encaixa perfeitamente no que determina o principio do desenvolvimento sustentável. A Agência americana tem cerca de vinte programas e iniciativas que auxiliam empreendedores na adoção da prática green building. Esses programas giram em torno de sete temáticas centrais, quais sejam:

• Eficiência Energética e Energia Renovável • Gestão da Água

• Materiais de Construção Ecologicamente Corretos • Redução de Resíduos

• Material tóxico

• Qualidade Ambiental de Interiores

• Crescimento Inteligente e Desenvolvimento Sustentável286.

Por mais que a realidade atual demonstre que parte considerável dos empresários aderem à prática por razões menos ligadas à preocupação genuína com o meio que a eventuais lucros, esse tipo de iniciativa precisa ser incentivadas pelo governo. Principalmente porque revelam a possibilidade de realizar, em alguma medida, o desenvolvimento sustentável, as cidades sustentáveis.

3.5 Função social da cidade e da propriedade

O princípio da função social da cidade integra a estrutura do direito à cidade. Traduz- se na garantia de todos ao direito à cidade287 sustentável. Portanto, o pleno desenvolvimento deste princípio deve incorporar todos os aspectos daquele direito. Esses aspectos não se restringem “às funções urbanas elementares (habitação, trabalho, recreação e circulação)”, mas deve “abarcar todos os direitos fundamentais garantidos na Constituição”, sejam estes

286 ENVIRONMENTAL PROTECION AGENCY – EPA, 2008. 287 Nelson Saule Júnior, 2007, p. 54.

explícitos, especialmente nos seus artigos 5º, 6º288 e 225, ou implícitos, “decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” (art. 5º, §2º da Constituição Federal de 1988).

O princípio em comento deve orientar a União na sua tarefa “instituir diretrizes gerais o desenvolvimento urbano” (artigo 21, inciso XX da Constituição Federal de 1988)289. Essas diretrizes gerais foram estabelecidas, em 2001, pelo Estatuto da Cidade, em clara consonância com o princípio do desenvolvimento sustentável e da função ambiental da cidade, perceptível, por exemplo, no artigo 2º, incisos I, IV, VI, VIII, IX, XII, entre outros.

A função social da propriedade, por sua vez, decorre da evolução do direito de propriedade que, no Brasil, partiu do individual para alcançar o coletivo290. O direito de propriedade, da mesma forma que qualquer outro bem jurídico tutelado pelo ordenamento pátrio, não tem caráter absoluto,

pois se isso ocorresse contrariaria a própria existência do homem, enquanto ser social, porque se qualquer deles, soberano em relação aos outros por força de suas riquezas e impõe-se através delas aos seus iguais, conclui-se que tudo quanto possa relacioná-lo com os outros não guarda a necessária igualdade, que deve existir numa sociedade que se quer plural e democrática291.

Conferir a um direito, ainda que fundamental, o caráter absoluto é negar a própria lógica de funcionamento do sistema jurídico no sentido de que a importância que se dá a um direito hoje não é necessariamente a mesma que possuía em momento histórico diverso ou em uma cultura distinta. O direito de propriedade oferece o melhor exemplo para esclarecer essa assertiva, pois já foi considerado declaradamente absoluto a partir do final do século XVIII. Os direitos sociais, por outro lado, que não eram então reconhecidos, são de extrema importância no mundo contemporâneo – mais que o direito individual de propriedade292.

288 Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida, 2001, p. 67. Em sentido similar, Nelson Saule Júnior, 2007, p. 54. 289 Maurício Leal Dias, 2008.

290 Liana Portilho Mattos, 2003, p. 42.

291 Ruy de Jesus Marçal Carneiro, 1988, p. 31. Sobre não existência de princípios absolutos, Robert Alexy, 1993,

p. 106.

Desde a Constituição de 1946, em seu artigo 147293, a função social da propriedade estava atrelada ao bem-estar social. Na Carta Magna seguinte, de 1964, era garantida como princípio da ordem econômica e social, pelo artigo 157, inciso III. A atual Constituição a previu como direito fundamental individual (artigo 5º, inciso XXII), explicitou a necessidade de cumprimento da função social da propriedade (artigo 5º, inciso XXIII). Além disso, estabeleceu-o como princípio geral da atividade econômica (artigo 170, inciso III) e preocupou-se em especificar que a função social da propriedade urbana somente será cumprida quando atender ao disposto no plano diretor (artigo 182, §2º).

Segundo Eros Roberto Grau294, somente há sentido em se referir à função social relativa à propriedade privada, uma vez que “a idéia de função social como vínculo que atribui à propriedade conteúdo específico, de sorte a moldar-lhe um novo conceito, só tem sentido e razão de ser quando referida à propriedade privada” (grifo do autor). Isso porque não há como conceber uma propriedade estatal relacionada a qualquer outra função que não seja em benefício da coletividade. E falar em propriedade coletiva seria um pleonasmo.

Outra crítica trazida pela doutrina acerca do termo função social é no sentido de que

A propriedade é caracterizada como uma situação jurídica, que não pode ser descrita exclusivamente nem como direito subjetivo, nem como função social. Cada situação é definida por um conjunto de direitos, obrigações e condicionamentos, que dependem do tipo de bem e da legislação que os regula295.

As críticas sobre a utilização do termo não serão aprofundadas, pois não interessa diretamente ao presente trabalho dito aprofundamento. Válido destacar que a função social da propriedade não é mera sujeição do interesse privado ao interesse coletivo, nem configura restrição a um direito fundamental preexistente296. Trata-se, na realidade, de princípio inerente ao direito de propriedade porquanto relaciona-se com a própria estrutura deste direito. Impõe, dessa forma, um dever ao proprietário de utilizar a propriedade em benefício da coletividade, tendo em vista o disposto no artigo 170, incisos II e III da CF/88. Em outros termos, a função

293 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988: “Art. 147. O uso da

propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, §16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos”.

294 Eros Roberto Grau, 2003, p. 207. 295 Victor Carvalho Pinto, 2005, p. 209.

296 Ibid., p. 214. Na realidade, é possível falar em um direito individual fundamental tutelado pelo artigo 5º,

social da propriedade corresponde “a uma norma imperativa de ação do proprietário, de dever fazer e cumprir algo em relação à determinada propriedade”297, em nome do interesse social.

A Constituição Federal previu tanto a função social da propriedade urbana, como da propriedade rural. Para o presente estudo, interessa especificamente a função social da propriedade urbana, tutelada pelo mencionado artigo 182. Cumprir a função social da propriedade urbana significa adaptar o uso, gozo e disposição desta aos interesses sociais298.

Note-se que não se identifica no texto constitucional referência expressa à proteção ambiental quando trata da função social da propriedade urbana. Ao contrário, para a função social da propriedade rural, a Constituição estabeleceu como um dos requisitos para se verificar seu o cumprimento, no artigo 186, inciso II, a “utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente”. Não obstante, resta ilógico não estender requisito dessa natureza quando se verificar acerca do cumprimento da função social da propriedade urbana, tendo em vista que a área urbana é meio ambiente que merece resguardo299 por força especialmente do artigo 225 caput da Constituição.

A expressão função sócio-ambiental da propriedade ou função ambiental da propriedade vem se tornando lugar comum da doutrina pátria. Em regra, os autores se valem de uma dessas expressões para destacar a necessidade da observância das normas de proteção ambiental sob pena de não cumprimento do princípio. Em outros termos, a dimensão ambiental deve necessariamente integrar o conceito de função social da propriedade300. Do exposto no presente tópico, tem-se da interpretação dos dispositivos constitucionais acerca da matéria, bem como da doutrina nacional, que o viés ambiental é parte integrante do conceito de função social da propriedade. De forma que acaba por se tornar uma discussão cingida ao plano terminológico, sem repercussões práticas relevantes. É preferível manter a tradicional expressão função social da propriedade.

A legislação pátria não precisou o conteúdo da função social da propriedade urbana. A Constituição limitou-se a remeter, não vincular301, o cumprimento da função social da

297 Liana Mattos, 2003, p. 50.

298 Celso Antônio Bandeira de Mello, 1987, p. 85. 299 Guilherme José Purvin de Figueiredo, 2005, p. 299.

300 Nesse sentido, Silvania Henkes, 2005; Aulle Maria V. C. Monteiro, 2003; Fernanda de Salles Cavador, 2003. 301 Liana Mattos, op. cit., p. 94.

propriedade ao atendimento das exigências de ordenação da cidade constantes do plano diretor. Importante anotar que quando se fala em plano diretor, é indispensável tomar o termo em uma acepção mais ampla de instrumento de planejamento urbano e ordenamento territorial. Isso porque a caracterização de um documento se dá pelo seu conteúdo, não pela sua denominação. Assim, uma lei municipal que preencha os requisitos exigíveis de um plano diretor, deve ser considerada como tal302.

Como a Constituição referiu-se genericamente ao plano diretor para se verificar o cumprimento da função social da propriedade, é correto afirmar que se trata de conceito jurídico indeterminado. Em conseqüência, o cumprimento da função social da propriedade apenas pode ser verificado no caso concreto. Essa abertura é extremamente salutar, visto que cada cidade brasileira tem características muito peculiares que precisam ser consideradas na elaboração do planejamento urbano e permite, ao menos teoricamente, que se aproxime da finalidade de realização dos interesses coletivos por meio desse princípio. Para o preenchimento da função social da propriedade urbana no caso concreto, deve se valer das diretrizes gerais do artigo 2º do Estatuto da Cidade, conforme o artigo 139 do mesmo diploma