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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP Rafaela Granja Porto

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Academic year: 2019

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO –

PUC-SP

Rafaela Granja Porto

Estudo de Impacto Ambiental versus Estudo de Impacto de Vizinhança: análise comparativa à luz da legislação pátria na perspectiva de cidades sustentáveis

MESTRADO EM DIREITO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO –

PUC-SP

Rafaela Granja Porto

Estudo de Impacto Ambiental versus Estudo de Impacto de Vizinhança: análise comparativa à luz da legislação pátria na perspectiva de cidades sustentáveis

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Direito das Relações Sociais, área de concentração Direitos Difusos e Coletivos, sob a orientação da Professora Drª. Regina Vera Villas Bôas.

MESTRADO EM DIREITO

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Banca Examinadora

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Aos meus pais, Airto e Zélia, minha primeira e última fonte de inspiração e de força.

À minha avó materna, Maria do Socorro, por sempre acreditar em mim.

Aos meus irmãos, Bruno e Gabriela, pelo apoio nessa jornada.

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AGRADECIMENTOS

À Professora Regina Veras Villas Bôas, pela orientação, pelos ensinamentos e pelo constante apoio e disponibilidade em todo o processo de elaboração deste trabalho.

Aos Professores Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida e Marcelo Neves, e aos queridos amigos Ednara Pontes de Avelar e Tatiana Cristina Leite de Aguiar, sem os quais não me teria sido possível concluir esta pesquisa, minha eterna gratidão.

Aos Professores Tércio Sampaio Ferraz Júnior, Juliano Maranhão, André Ramos Tavares, Patrícia Miranda Pizzol, que me fizeram, cada um a sua maneira, enxergar o Direito de forma muito mais ampla, minha imensa admiração.

Aos meus tios, Francisco e Vitória Granja, e primos, Renata e Diego Granja, e aos queridos amigos Luciana Kalil, Audrey Develis, Manuela Rodrigues, Angélica Azevedo, Paulo Afonso Figueiredo, Marília Morato, Márcia Essvein, Rógeres Bessoni e Carolina Lindoso, que, sempre torceram pelo meu sucesso e me deram forças nas horas difíceis.

Aos meus eternos orientadores, Professores Thales Cavalcanti Castro e Virgínia Campos, que me inspiram até hoje com sua inteligência, humildade e conhecimentos que vão muito além da seara jurídica.

Aos amigos do COGEAE, Professores Vicente de Abreu Amadei, Lúcia Reisewitz, Felipe Andrade, Cláudio Cyrino, Luís Felipe Penteado, que enriquecem a construção teórica e prática de ramo tão fundamental do direito – o ambiental.

Aos amigos da Diretoria de Meio Ambiente do Recife, Mauro Maciel Buarque, Durázio Siqueira, Verônica Siqueira, Rejane de Lucca, Karina Barros e Márcio Carvalho, exemplos de dedicação e comprometimento na difícil tarefa de efetivar a proteção ao meio ambiente.

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RESUMO

PORTO, Rafaela Granja. Estudo de Impacto Ambiental versus Estudo de Impacto de Vizinhança: análise comparativa à luz da legislação pátria na perspectiva de cidades sustentáveis. 2008. 239 p. Dissertação (Mestrado em Direito) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008.

O projeto ora proposto busca realizar um cotejo entre o Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental - EIA/RIMA, e o Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV (previsto no artigo 38 da Lei Federal nº. 10.257/2001), para empreendimentos e atividades que pretendem se instalar em área urbana. O objetivo principal desse trabalho é verificar como o EIV poderia ser mais bem utilizado para se oferecer melhor qualidade de vida para os habitantes das cidades brasileiras (cidades sustentáveis). Com esse objetivo, o presente trabalho terá como base a análise dos instrumentos referidos, bem como o disposto no artigo 38 do Estatuto da Cidade, segundo o qual “A elaboração de EIV não substitui a elaboração e aprovação de estudo prévio de impacto ambiental (EIA), requeridas nos termos da legislação ambiental”. No desenvolvimento do trabalho, a fim de estimular o debate proposto, serão tratadas algumas questões fundamentais como: função sócio-ambiental da propriedade; noção de impacto ambiental; noção de cidade sustentável, desenvolvimento sustentável e qualidade de vida nas cidades; princípio da dignidade da pessoa humana; postulado da razoabilidade e da proporcionalidade; entre outras questões indispensáveis para melhor compreensão do tema central desta pesquisa. Para tanto, serão analisados os principais doutrinadores, bem como a jurisprudência existente acerca de cada tema. A questão central levantada será desenvolvida, partindo-se da contextualização da proteção ambiental antes e depois da Constituição de 1988 e na legislação infra. A partir daí serão analisados os institutos, objeto do estudo, suas características, similaridades e diferenças, e como eles se inserem no contexto explanado. Serão colocadas algumas referências históricas a respeito da origem das cidades, em especial do Brasil e na América Latina, e, eventualmente, sobre as cidades antigas, para fomentar a discussão do tema em estudo.

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ABSTRACT

PORTO, Rafaela Granja. Environmental Impact Assessment versus Environmental Impact Report: comparative analysis’ under Brazilian legislation in the perspective of sustainable cities. 2008. 239 p. Dissertation (Master Degree in Law) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008.

This project intends to analyze the Environmental Impact Assessment and Environmental Impact Report - EIA / RIMA, as well as the Neighborhood Impact Assessment - EIV (provided for in Article 36 of the Federal Law no. 10.257/2001), as applied to the implementation of enterprises and activities in urban area. The main objective of this study is to verify how the EIV could be better used in order to make it possible to offer the inhabitants of Brazilian cities more quality of life (sustainable cities). To achieve this goal, this work will be based on the analysis of the above instruments and the provisions of Article 38 of the Statute of the City, according to which "The development of EIV does not replace the elaboration and approval of prior Environmental Impact Assessment (EIA), required by environmental legislation”. In order to encourage the proposed debate, this work will approach some key issues, such as: the socio-environmental function of property; the concept of environmental impact; the concept of sustainable city, sustainable development and quality of life in cities; the principle of human dignity; and the postulate of reasonability and of proportionality, among other questions considered fundamental for better understanding the central theme of this research. With this intent, this project will examine the main indoctrinators, as well as the existing case law on each issue. The central issue will be developed based on the contextualization of environmental protection before and after the 1988 Constitution, the legislation below. Then the instruments in focus and their characteristics, similarities, and differences will be analyzed, as well as how they fit into the context in point. A few historical references about the origins of cities, particularly in Brazil and Latin America, and eventually the old cities, will be reported, in order to foster the main proposed discussion.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 13

1 BREVE HISTÓRICO SOBRE A ORIGEM DAS CIDADES: DA CIDADE ANTIGA AO MUNDO CONTEMPORÂNEO ... 19

1.1 A cidade antiga ... 19

1.2A cidade medieval ... 25

1.3A cidade barroca ... 30

1.4 A cidade industrial ou comercial ... 33

1.5 O mundo contemporâneo e a cidade global ... 37

2 ORIGEM E CRESCIMENTO DAS CIDADES LATINO-AMERICANAS: DO PERÍODO COLONIAL AOS DIAS ATUAIS ... 43

3 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: UMA ANÁLISE CONCEITUAL ... 53

3.1 Considerações históricas, legais e doutrinárias ... 53

3.2 Desenvolvimento sustentável e dignidade da pessoa humana ... 61

3.3 Princípios, regras e postulados: distinção doutrinária ... 66

3.4 Cidades sustentáveis ... 80

3.5 Função social da cidade e da propriedade ... 85

4 AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS, ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL E ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA: UMA ANÁLISE COMPARATIVA... 91

4.1 Distinção entre impacto, dano, poluição e degradação ... 91

4.2 Distinção entre os princípios da precaução e da prevenção ... 97

(9)

4.4 Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) ...

108

4.4.1 Significativo impacto ambiental ... 111

4.4.2 Exigências legais ... 120

4.5 Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV) ... 121

4.5.1 Exigências não expressas no Estatuto da Cidade ... 123

4.5.2 Relações de vizinhança no Código Civil e o Estudo de Impacto de Vizinhança: semelhanças e diferenças ... 125

4.5.3. O EIV nas legislações municipais brasileiras ... 134

4.6 EIA verus EIV: o artigo 38 do Estatuto da Cidade à luz dos os postulados da proporcionalidade, razoabilidade e proibição do excesso ... 137

4.7 Estudos de caso: jurisprudência dos Tribunais de Justiça de São Paulo e Distrito Federal ... 143

CONCLUSÃO ... 149

BIBLIOGRAFIA ... 153

ANEXOS ... 167

ANEXO I – LEGISLAÇÕES MUNICIPAIS ... 167

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INTRODUÇÃO

A proteção aos direitos difusos e coletivos, quando tema em pauta, desponta para uma primeira discussão fundamental: a necessidade em evitar que tais direitos sejam maculados, i.e., agir antes que o dano se concretize. Tal necessidade se funda especialmente no fato de que a quantidade de pessoas envolvida na violação a esses direitos é indeterminável e no fato de que uma vez produzido o dano ao bem protegido, em regra, é impossível promover o retorno ao estado anterior de coisas.

Na presente pesquisa, será tratado o ramo do direito considerado difuso por excelência: meio ambiente, com enfoque especial no ambiente urbano. Mais especificamente, a proposta central é realizar um cotejo entre o Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental – EIA/RIMA (previsto no artigo 225, § 1º, inciso IV da Constituição Federal de 1988) e o Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV (previsto no artigo 36 da Lei Federal nº 10.257/2001), para empreendimentos e atividades que pretendem se instalar em área urbana, na perspectiva de construção de cidades sustentáveis. Ambos os institutos são de extrema importância para a efetiva proteção do meio ambiente. Pretende-se questionar o disposto no artigo 38 do Estatuto da Cidade, segundo o qual “A elaboração de EIV não substitui a elaboração e aprovação de estudo prévio de impacto ambiental (EIA), requeridas nos termos da legislação ambiental”.

Para melhor compreender a importância do tema proposto e como será desenvolvido, segue uma breve contextualização dos pontos mais relevantes a serem tratados.

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A legislação pátria também foi fortemente influenciada por esse movimento internacional. Dita influência pode ser observada na promulgação, em 1981, da Política Nacional de Meio Ambiente, por meio da Lei Federal nº 6.938, e a criação de um capítulo exclusivo sobre proteção do meio ambiente na Constituição Federal de 1988. A Lei de Política Nacional de Meio Ambiente (LPNMA) introduziu no ordenamento pátrio importantes dispositivos, entre os quais: o estabelecimento de diretrizes, objetivos e conceitos, em seus artigos 2º, 3º e 4º. Tem-se como diretriz a racionalização do uso do solo, subsolo, ar e água, a recuperação de áreas degradadas, o monitoramento da qualidade ambiental. Alguns dos objetivos são o desenvolvimento de recursos e tecnologias voltados para o uso racional dos recursos. O referido diploma legal estabeleceu alguns instrumentos importantes da Política Nacional do Meio Ambiente, como o zoneamento ambiental, o licenciamento ambiental e – o que será objeto de estudo do presente trabalho – a avaliação de impactos ambientais (art. 9º, III).

Em tese, a avaliação de impactos ambientais (AIA) é um poderoso instrumento no sentido de possibilitar a identificação dos impactos positivos e negativos sobre o meio ambiente gerados por atividades ou empreendimentos considerados potencialmente poluidores. O EIA/RIMA é a principal espécie da qual a AIA é gênero e, a partir da Constituição Federal de 1988 (artigo 225, §3º), ficou expressamente estabelecido que seria utilizado apenas para avaliar a possibilidade de realização de obra ou atividade considerada de significativo impacto ambiental.

A principal legislação referente ao EIA/RIMA é a Resolução CONAMA nº 001/1986, que deve ser interpretada em conjunto com o artigo 225, §1º, inciso IV da Constituição Federal de 1988. Nenhum destes diplomas colocou qualquer restrição quanto à localização ou natureza do empreendimento, de maneira que pode ser exigido para empreendimentos urbanos ou rurais, para atividades industriais, comerciais, entre outras. Apenas tem a restrição de se exigir o EIA/RIMA apenas ao que seja considerado de significativo impacto ambiental, o que é pertinente tendo em vista a sua complexidade e custos envolvidos. A questão sobre o conteúdo do significativo impacto ambiental e como preenchê-lo será tratada no desenvolvimento da presente pesquisa.

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15 cenário internacional, tendo em vista que o desenvolvimento desenfreado e predatório liderava o caminho para a insustentabilidade do Planeta. A extinção de espécies, a devastação de florestas, o crescimento desordenado das cidades, o acúmulo de lixo, as doenças, a sobrecarga de veículos nas vias urbanas, o desmoronamento de barreiras, a poluição visual e sonora, a destruição do patrimônio artístico-cultural e tantos outros problemas perceptíveis até ao olhar menos crítico sobre a realidade mundial, levaram a sociedade a pressionar pela efetividade de instrumentos de proteção.

Não obstante os rumos desordenados de crescimento das cidades brasileiras, pouco se falava em ordenação do uso e ocupação do solo urbano. Esperou-se que as cidades atingissem também um nível de insustentabilidade para se voltar a pensar em política urbana. É nesse contexto caótico que se desperta para a necessidade de se criar uma política específica para a ordenação do uso e ocupação do solo nas cidades brasileiras, na busca do cumprimento da sua função social, prevista no artigo 182 da Constituição Federal. A função social da propriedade é colocada como princípio constitucional. Na tentativa de regulamentar dito artigo e estabelecer uma política urbana nacional, em 2001, foi promulgado o Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257), o qual fixou diretrizes, objetivos e instrumentos nesse sentido.

Entre as inovações trazidas pelo Estatuto, destaca-se o Estudo de Impacto de Vizinhança – EIV, objeto central desta pesquisa. O EIV tem como objetivo principal viabilizar a realização de empreendimentos e atividades desenvolvidas nas cidades de uma maneira sustentável. Inspirou-se na Avaliação de Impactos Ambientais – AIA. Igualmente a esta, tem sua criação justificada na função social da propriedade e na busca por um meio ambiente ecologicamente equilibrado e sadia qualidade de vida (artigos 182 e 225 da Constituição Federal de 1988).

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pertencentes ao mesmo empreendedor, deve ser exigido tanto EIA/RIMA quanto EIV, se enquadrado nas hipóteses legais.

De fato, o EIV e o EIA/RIMA possuem traços característicos que os distinguem. Do contrário, não haveria sentido em se criar dois instrumentos legais se ambos fossem iguais e se prestassem à mesma finalidade. Por outro lado, esses institutos possuem pontos fundamentais em comum: ambos se destinam a verificar previamente os prováveis impactos de uma atividade ou empreendimento e ambos devem envolver a participação da sociedade. Partindo dessas idéias, o presente trabalho tentará justificar porque não acompanha a opinião doutrinária acima exposta.

Será trabalhada a hipótese de considerar o EIV como uma espécie de Avaliação de Impactos Ambientais, assim como é o EIA, pois a sua finalidade específica se encaixa na finalidade geral da AIA: prevenir impactos ambientais negativos e otimizar os impactos ambientais positivos. Ter-se-á como base argumentativa principalmente os postulados da proporcionalidade, razoabilidade e proibição do excesso

A nova visão proposta permite que se exija o EIV para empreendimentos localizados na cidade e que não sejam de significativo impacto ambiental, sendo dispensada a exigência do EIA, nesses casos. Por sua vez, quando o empreendimento ou atividade for considerada de significativo impacto ambiental e localizada em área urbana, será exigido apenas o EIA, podento, portanto, ser dispensado o EIV. Dessa maneira, acredita-se que a aplicação dos institutos será mais precisa, contribuindo para a sua efetividade e, conseqüentemente, possibilitará a construção de um caminho sólido para se chegar mais próximo de cidades sustentáveis.

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1 BREVE HISTÓRICO SOBRE A ORIGEM DAS CIDADES: DA CIDADE ANTIGA AO MUNDO CONTEMPORÂNEO

1.1 A cidade antiga

Esclareça-se, a princípio, que não se objetiva neste Capítulo apresentar um estudo aprofundado e detalhado sobre a evolução histórica, arquitetônica, social ou política das cidades. A finalidade é apenas oferecer um panorama geral acerca do surgimento e evolução das cidades ao longo dos séculos e sua influência no mundo atual, com o intuito de fomentar a compreensão mais clara do tema central desta pesquisa. Para tanto, buscou-se apresentar os pontos que se entenderam mais relevantes em cada momento histórico, sejam esses pontos de cunho social, político, econômico ou arquitetônico.

No desenvolvimento do presente capítulo não foi considerado especificamente um conceito de cidade, e sim a idéia de cidade como organismo em constante modificação, na linha de pensamento colocada pela Carta Urbana Européia (European Urban Charter)1, segundo a qual:

Cidades […] são entidades complexas. Diferem consideravelmente em termos de desenvolvimento urbano e tamanho. Sua identidade, apesar de possuir raízes na História, está em constante mudança. Ao longo do tempo, a maioria das cidades e metrópoles evoluíram à luz de novos requerimentos, ideais, estilos e padrões de vida e uma nova qualidade de vida.

Em alguns casos, cidades mudaram para melhor, quando seus administradores, políticos ou membros da sociedade civil amadureceram para essa importância ou trabalharam conjuntamente para esse objetivo; ou para pior onde este não foi o caso.

A origem das cidades pode ser atribuída a uma época histórica tão remota como a das primeiras formas de aglomeração humana, no período paleolítico. Os seus “marcos fixos e pontos sagrados de encontro” – árvores e bosques sagrados, pedras, entre outros – acabavam por reunir diversas pessoas que partilhavam uma crença ou prática de magia. Por outro lado, suas cavernas podem-se dizer representar ao homem um primeiro contato com a idéia de um

1 EUROPEAN URBAN CHARTER (Tradução nossa). “Cities, however, are complex entities. They differ considerably in terms of urban development and size. Their identity, although rooted in history, is constantly changing. Over time, most towns and cities have evolved in the light of new requirements, ideals, lifestyles, standards of living and a new quality of life.

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espaço fechado capaz de promover sensações de “receptividade espiritual e a exaltação emocional”. Mencionem-se ainda as necessidades práticas que levaram famílias e tribos a se unir para satisfazê-las. Esses seriam os primeiros passos para o surgimento de uma cidade2.

Os períodos históricos seguintes3 – mesolítico e neolítico – continuaram a influenciar o surgimento das cidades. Nas aldeias mesolíticas apareceram os primeiros animais de estimação e de guarda e dá-se o início de atividade agrícola. Os homens do neolítico passaram a criar rebanhos de boi, carneiro, cavalo e deram continuidade à revolução agrícola com o cultivo e domesticação de diversas espécies vegetais selvagens. Citem-se ainda como importantes fatores as diversas estruturas físicas aparecidas no período neolítico, como o canal, o fosso, o esgoto, o aqueduto, a vala de irrigação, entre outros. Indispensável transcrever algumas passagens da obra de Lewis Mumford, sobre a influência do mesolítico e neolítico nas cidades: “A domesticação, em todos os seus aspectos, implica duas largas mudanças: a permanência e continuidade de residência e o exercício do controle e previsão dos processos outrora sujeitos aos caprichos da natureza”.

As aldeias exerceram papel fundamental tanto para o surgimento das cidades antigas, como das cidades contemporâneas, pois conformavam “no solo ancestral no qual cada geração formava o humo para a próxima” toda a estrutura física e animais e plantações necessários para a estabilidade de pequenos agrupamentos de famílias e seus vizinhos; cada uma tinha seu próprio deus, oratório e cemitério. É nelas que aparecem as primeiras idéias de justiça, governo, moral e direito, representado pelo Conselho dos Anciães, que determinava, em geral, a aplicação de regras que já eram tradicionalmente aceitas na respectiva aldeia4.

As cidades surgem das aldeias a partir do momento em que a sociedade passa a “projetar a sua evolução”5, o que só foi possível após esse “longo período de desenvolvimento agrícola e doméstico”6 que permitiu a formação de excedente da produção local. Além disso, “todos esses novos hábitos e funções” desenvolvidos na vida em aldeias criaram a base fundamental “de permanência física e continuidade social”, indispensável para o surgimento

2 Lewis Mumford, 2004, p. 15. 3 Ibid., p. 17-20, 23, 25. 4 Ibid., p. 26-27.

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das comunidades urbanas7. Essa noção de cidade se aproxima da sugerida por Leonardo Benevolo8, segundo quem a cidade se forma “quando as indústrias e os serviços já não são executados pelas pessoas que cultivam a terra, mas por outras que não têm essa obrigação, e que são mantidas pelas primeiras com o excedente do produto total”.

O ápice desse desenvolvimento da sociedade se deu com o surgimento da cidade física, a partir do momento mais significativo da revolução agrícola, qual seja a “domesticação dos cereais e a introdução da cultura do arado e da irrigação”, no final do neolítico9. A partir de então, iniciou-se um processo de mudança profunda nas relações sociais e do homem com a natureza. Referida mudança é retratada na seguinte passagem:

Onde a cultura da enxada admitia a presença de aldeolas, a cultura do arado podia sustentar cidades e regiões inteiras. Onde o esforço local podia construir apenas vales e represas menores, as cooperações em larga escala podiam transformar todo o vale de um rio numa organização unificada de canais e obras de irrigação para a produção de alimentos e transporte – deslocando homens, suprimentos e matérias-primas por toda parte, conforme ditasse a necessidade […]. Na cidade, novos modos, rigorosos, eficientes, muitas vezes ásperos, […] tomaram o lugar dos antigos costumes e da rotina confortável e de ritmo fácil. O próprio trabalho foi destacado das outras atividades e canalizado para a “jornada” de incessante labuta, sob as ordens de um capataz […] Luta, domínio, comando, conquistas eram os novos temas: não a proteção e a prudência, a firmeza ou a resistência passiva das aldeias10.

No entanto, há quem afirme que as primeiras cidades existiram na antiguidade11, em especial com as civilizações gregas e romanas. Para esses teóricos, as cidades antigas marcam a passagem da pré-história para a história, na medida em que apresentam uma nova configuração para a sociedade humana12.

Se, entretanto, observa-se como a cidade antiga se formou e suas características principais não é todo descabido encontrar as raízes das cidades no período paleolítico. É possível identificar, entre as aldeias do paleolítico e as cidades antigas, muitos pontos em

7 Lewis Mumford, 2004, p. 20. 8 Leonardo Benevolo, 2007, p. 23.

9 Ibid., p. 28. O autor considera que essa revolução é resultado da união das culturas paleolítica e neolítica, pois não é possível afirmar que a cultura paleolítica tenha sido substituída em sua totalidade pela cultura que a sucedeu. (ibid., p. 29).

10 Lewis Mumford, 2004, p. 35-36.

11 Fustel de Coulanges, 2004, p. 166; Eduardo Garcia de Enterría, 1981, p. 23.

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comum, por exemplo o fato de que cada família tinha seu próprio deus. E nada impede em reconhecer-se que antes da cidade antiga formou-se uma “cidade neolítica”, pois, ao que parece, como se verá adiante, as reais diferenças existentes entre esta e a cidade antiga são duas: a segunda reunia um agrupamento maior de pessoas, o que envolvia formações sociais e políticas um tanto mais complexas e o momento histórico em que teve lugar. Nem por isso resta diminuída a importância da cidade surgida no final da cultura neolítica que modificou de maneira relevante as relações sociais, conforme dito. Até mesmo porque as aldeias não desapareceram repentinamente. Continuaram a existir por muitos séculos. Na realidade, ainda hoje existem.

A cidade antiga tem como característica fundamental a religião, com a crença do homem em divindades, a princípio individualizadas, para mais adiante crer-se em divindades comuns. Nasceu a cidade antiga do ventre da organização social da família que, até então, era a “única forma de sociedade existente”13, para os defensores dessa teoria. O símbolo principal da família era o Lar doméstico, cada uma possuía deuses próprios e o solo e seus mortos eram sagrados.

Entre as famílias era permitida união apenas para compartilhar algum eventual culto que lhes fosse comum. Com essas uniões foram se formando grupos, os quais se denominavam cúria ou fratria, na medida em que havia o reconhecimento de uma divindade superior às de cada família e que protegia cada um dos grupos que se formava. Conseqüentemente, as fratrias ou cúrias acabaram por se unir em grupos maiores, as denominadas tribos (ou aldeias), e a união dessas formou as cidades. Inobstante havia uma obrigatoriedade de respeitar a independência religiosa de cada grupo menor, de maneira que se afirma as cidades formarem uma confederação “de diversos grupos previamente constituídos que ela deixa subsistir”14. Define-se a cidade como “associação religiosa e política das famílias e das tribos”. Identifica-se uma noção de cidade diferente do conceito dado por Leonardo Benevolo no início do capítulo.

Apesar de a crença na divindade estar diretamente relacionada com o surgimento das cidades antigas, parece este ser derivado de um fenômeno menos religioso que político. O homem da antiguidade tinha plena consciência de que a cidade era a forma de organização

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social suprema15. Além disso, os moradores das cidades viviam sob regras sociais rigorosas, cuja criação era atribuída aos deuses. A vida social era repleta de rituais religiosos, mas quase sempre associados a alguma forma de organizar e hierarquizar a sociedade. Por exemplo, a autoridade suprema de cada grupo aqui mencionado também era dada pela religião que, no caso, correspondia a um sacerdote com poder supremo e autoridade inerente. Para a família, era o pai; para a cúria ou fratria, curião ou fratriarca; para a tribo e o Lar público (urbe/cidade) era o rei16. Os antigos diferenciavam urbe de cidade – urbe: “local de reunião, domicílio e, sobretudo, o santuário dessas associações; cidade: “associação religiosa e política das famílias e das tribos”17.

Outro exemplo era o cadastramento de cidadãos que tinha a finalidade única de determinar que posição (senador, cavaleiro ou mero cidadão, ou deixar de ser cidadão) o homem ocuparia na sociedade até a cerimônia seguinte. O cadastramento era considerado uma cerimônia de purificação. O magistrado (censor) que a presidia tinha um poder descomunal, pois ele era quem decidia essa posição a ser ocupada pelos membros da sociedade. Quem não se cadastrasse perdia o direito de cidadania e passava a ser tratado como estrangeiro. Como estrangeiro não participava dos cultos, não lhe era permitido entrar nos templos ou participar de qualquer outra atividade na cidade18.

Em suma, pode-se afirmar que a religião era utilizada como ferramenta de poder de dominação de alguns sobre a maioria. Não se pretende aqui negar ou afirmar um papel secundário para a força e a importância que a religião tinha para os povos antigos. Apenas apontar que aqueles poucos que estavam no poder, aproveitaram-se da fé cega que sempre guiou a vida na antiguidade.

O declínio da cidade antiga, representada pelo Império Romano, ao longo dos cinco séculos finais antes de Cristo, deu-se principalmente por dois fatores que se influenciaram mutuamente: uma revolução na crença sobre a qual se fundava a cidade e a formação do Império Romano. Com o tempo, os homens cultos foram desenvolvendo a idéia de divindades mais amplas que as dos Lares domésticos ou das cidades – as divindades eram de todos os homens e protegiam o universo; começaram a perceber que os inúmeros deuses diferentes

15 Eduardo Garcia de Enterría, 1981, p. 23.

16 Eduardo Garcia de Enterría, 1981, p. 226, 227, 230. 17 Ibid, p. 174.

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tinham muitas coisas em comum e podiam ser um mesmo deus; criaram-se novas lendas, novas poesias com base na arte e na imaginação livre; e os ritos tradicionais, apesar de ainda praticados, eram vazios de sentido. O surgimento da filosofia também contribuiu muito para a quebra dos valores tradicionais das cidades antigas19.

Por outro lado, Roma vinha, concomitantemente, expandindo o seu domínio sobre outras cidades na busca de formar o seu império, o que foi feito ora por meio de guerras, ora por meio de união (de culto ou casamento) com os diversos outros povos que faziam parte da Roma Antiga. Para os povos antigos apenas se permitia o casamento entre pessoas que pertencessem a cidades distintas, se entre essas cidades houvesse algum culto comum. Roma apresenta-se como uma exceção, pois guardava cultos comuns com os diferentes povos que a habitavam, e assim era permitido o casamento. Interessante notar que não permitia esse tipo de aliança das demais cidades entre si, apenas com Roma20, o que parece ser uma forma de manter o seu domínio sobre os demais.

No seu processo de expansão, Roma não se preocupou em estabelecer um governo central que pudesse exercer o controle sobre as novas províncias. Além disso, sustentava-se em um “regime parasitário de vida”, inclusive em sua economia, sempre e progressivamente dependente do trabalho dos campos e fábricas21. Característica esta que foi herdada pelos burgueses da cidade medieval, como será visto no item 1.2 do presente capítulo.

Na realidade, os romanos destruíam o regime antigo das cidades, que se fundavam nas suas próprias religiões, e não o substituíam por nenhuma outra forma de governo. Quem não era cidadão romano, não era nada: não tinha religião, não podia ser proprietário de terra, não podia se casar ou herdar, nem mesmo tinha pátrio poder sobre seus filhos. Quando subjugava um povo, Roma enviava um cidadão (governador) para o local. O governador era responsável por fixar as regras e ministrar a justiça da sua província, baseado unicamente na sua vontade. Esse governador mudava a cada ano, ou seja, a cada ano eram criadas regras novas. A multiplicidade de regras aparece ainda mais grave quando se tem em mente que cada província tinha um governador distinto22.

19 Fustel de Coulanges, 2004, p. 443-445 20 Ibid., p. 455-456.

21 Lewis Mumford, 2004, p. 263-264.

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Assim, tinha-se diversas regras distintas, que mudavam anualmente, para cada uma das províncias que Roma conquistava. Não se estimulava o autogoverno, a auto-suficiência, nem a formação democrática das cidades, menos ainda a cooperação entre aqueles que faziam parte do Império; tampouco entre os que conheciam os valores da justiça, da igualdade e da educação23. Dessa maneira, “à falta de leis e princípios, os únicos sustentáculos da sociedade eram a força, o arbítrio e a convenção”.24

E foram essas as grandes falhas de um Império que, apesar delas, durou cerca de dois mil anos: não se formou sobre estruturas sólidas (cooperação, educação, democracia, justiça, igualdade) para se sustentar diante do seu crescimento desenfreado e inescrupuloso. Essa lição negativa que Roma ofereceu ao homem há tantos séculos parece que não foi aprendida, como será visto ao se analisar a cidade atual, que sustenta esses valores fundamentais apenas no papel.

Com as invasões bárbaras do século V25, o Império Romano começa a decair; por conseguinte, a população começa a se evadir para o campo e a vida nas cidades ora declina, ora se interrompe26. A organização social e política que tem lugar é o feudalismo, que deu origem às cidades medievais27, tema que será tratado no tópico seguinte.

1.2 A cidade medieval

A formação da vida rural, predominante no advento da era medieval, é justamente a base sobre a qual se constitui o feudalismo. O feudalismo, surgido durante o século IX, é o efeito indireto do renascimento da civilização rural28. Com a queda do Império Romano e a decorrente crise política e econômica, os antigos habitantes das cidades passaram a buscar a vida no campo, na tentativa de garantir o sustento29. Assim, no início da Idade Média, a cidade deixou de funcionar como centro administrativo, as atividades de produção e comércio foram reduzidas drasticamente e restaram apenas as ruínas das cidades30. A terra era símbolo de poder. Dessa forma, quem não fosse proprietário, em regra, era servo. Durante esse

23 Lewis Mumford, 2004, p. 263-264. 24 Fustel de Coulanges, 2004, p. 471. 25 Henri Pirenne, 1982, p. 7.

26 Leonardo Benevolo, 2007, p. 252-253, 256. 27 Eduardo García de Enterría, 1981, p. 23-24. 28 Henri Pirenne, op. cit., p. 13.

29 Leonardo Benevolo, op. cit., p. 252.

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período, até aproximadamente o século XI, o domínio da Igreja era absoluto, seja do ponto de vista econômico ou moral31, da mesma forma que o era na cidade antiga.

Depois do ano 1000 é que as cidades voltaram a se desenvolver, com o incremento da produção agrícola, da indústria e do comércio32, este último auxiliado pelas cruzadas33. As cidades começaram a ser povoadas por artesãos e mercadores que não tinham relação com a terra ou que não conseguiam sustento com a vida no campo34, e não se identificam com o discurso eclesiástico de condenação de lucro, da riqueza e poderes da vida terrena35. As atividades de indústria e comércio passam a se firmar como “profissões independentes”. Antes, ditas atividades eram apenas secundárias, conforme dito acima, e mantidas pelos latifundiários36.

Nas cidades medievais não se observava uma padronização de estilos e formas arquitetônicas, bem como se identificava uma variedade de instituições37. De qualquer maneira, é possível afirmar que a muralha era o que determinava os limites da cidade física e que eram erigidas como forma de proteção38. No entanto, não serviam de obstáculo para a expansão dos seus limites, que nunca era muito extensa. Em geral, as cidades medievais se expandiam até oitocentos metros contados do centro da cidade. Esse crescimento um tanto restrito se dava pelas condições sociais e físicas (dificuldade no transporte, difícil acesso a água e alimentos, as próprias ordenações municipais que restringiam a fixação de forasteiros). Dessa maneira, a maioria das cidades era pequena39.

Formou-se e consolidou-se nessa época uma classe social denominada burguesia que criou e organizou instituições e economia nas cidades em torno dos seus próprios interesses40. A burguesia tinha como valores fundamentais “a liberdade pessoal, a autonomia judiciária, a

31 Henri Pirenne, 1982, p. 18.

32 Leonardo Benevolo, 2007, p. 251. Lewis Mumford afirma que as cidades “se multiplicaram e cresceram, do século X ao século XV”, 2004, p. 339.

33 Henri Pirenne, op. cit., p. 33-35. Em sentido similar, Lewis Mumford, op. cit., p. 326. 34 Leonardo Benevolo, op. cit., p. 259.

35 Henri Pirenne, op. cit., p. 56. Lewis Mumford, op. cit., p. 346. 36 Ibid., p. 50.

37Lewis Mumford, op. cit., p. 327. Sobre ausência de padrões formais na cidade medieval, v. Leonardo Benevolo, op. cit., p. 269.

38 Nesse sentido, Leonardo Benevolo, op. cit., p. 270. Henri Pirenne destaca o aspecto de proteção das muralhas e também o fato de serem a primeira e mais dispendiosa obra pública da Idade Média, 1982, p. 59.

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autonomia administrativa”.41 Ironicamente, na medida em que a cidade ia se fortalecendo em relação ao campo, essa classe social passou a explorar de forma opressiva os habitantes das fazendas e aldeias, o que terminou por se mostrar como um ponto frágil das cidades medievais.42 Inicialmente, os burgueses surgiram como uma associação privada, para logo se estabelecerem como um poder público, em oposição à Igreja e aos feudos43.

Ao longo dos séculos, a influência da cidade sobre o campo não tardou a chegar. Os produtos dos campos, antes destinados apenas aos senhores feudais, passaram a ser exigidos, cada vez mais, pela nova sociedade burguesa emergente. Os burgueses eram tidos como classe estéril no sentido de que não produzia nada relacionado com a sobrevivência, de forma que se valiam do excedente que passava a ser produzido pelos camponeses em seu favor. Na medida em que as cidades iam se fortalecendo, os senhores feudais, formadores da aristocracia, perdiam força44.

O latifúndio, sobre o qual se estruturou o feudalismo, tinha por base uma estrutura econômica fechada, tendo em vista que, segundo afirmado no início deste tópico, o comércio estava em decadência quando do surgimento de feudalismo. Os proprietários de terra produziam e consumiam seus próprios produtos. Quando o comércio ressurgiu e os camponeses passaram a produzir para abastecer o comércio nas cidades, naturalmente o sistema econômico feudalista não pôde se sustentar. Até mesmo porque os censos (tipo de imposto) cobrados eram fixos em vista do costume. Acrescente-se o fato de que os aristocratas, que não obtinham renda extra e buscavam um estilo de vida cada vez mais luxuoso, passaram a contrair dívidas, até que o destino da maioria deles foi mesmo a falência45.

A queda da cidade medieval se deu, principalmente, com a perda da força da Igreja e com o surgimento e fortalecimento do comércio realizado por alguns poucos privilegiados que o monopolizavam. A Igreja perdeu sua força porque ao longo dos anos passou a ostentar um estilo de vida absolutamente paradoxal ao que pregava: as igrejas com seus tetos de alturas gigantescas, todo o ouro que recobria grande parte de suas estruturas. E os negócios,

41 Leonardo Benevolo, 2007, p. 259. Sobre liberdade pessoal e autonomias judiciária e administrativa, ver: Henri Pirenne, 1982, p. 56-58.

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que antes tinham relação estreita com a religião, passam a se desligar dessa – “A religião cedeu lugar ao comércio; a ‘fé’, ao ‘crédito’.”46

O isolamento da vida nas cidades, cada vez mais crescente no período medieval, teve papel significativo, e talvez predominante, para o fim da cidade dessa era. As muralhas e a própria lógica de funcionamento das cidades, que tinha por base apenas os interesses daqueles que desfrutavam da vida urbana47, impediram que estas se expandissem de forma a exercer influência política sobre o reino além-muros. Havia inúmeras restrições para quem, por exemplo, quisesse se tornar um burguês e, conseqüentemente, participar da vida urbana, entre as quais altíssimas taxas, “legitimidade do nascimento, certificado de origem, atestado de boa conduta”.48 Proibia-se também vender na cidade o que não fosse nela produzido49. A estrutura econômica que ia se desenvolvendo fora dos muros da cidade não estava sob seu controle. A influência era apenas do capitalismo, que apareceu no final da Idade Média50.

A causa desse ostracismo das cidades medievais provavelmente se deve ao fato de que o exercício do monopólio sobre outras populações “implicaria o hábito de harmonizar seus próprios interesses com os do campo e, com o tempo, de provocar uma organização federada de regiões em torno de cidades”. Se antes as cidades monopolizavam o comércio, passa-se a falar agora em monopólios do comércio em si considerado. É dizer, alguns poucos privilegiados dominavam o comércio, independente de onde estivessem. Para estes não havia limites geográficos para o desenvolvimento das suas atividades51.

Uma das formas de fortalecimento desse protecionismo urbano deu-se com as chamadas corporações de ofício, como um meio para regulamentar e controlar as atividades industriais (a têxtil era a predominante). Cada profissão existente estava ligada a uma corporação respectiva, a qual exercia o monopólio sobre a profissão. Tendo em vista que a burguesia buscava proteger o seu mercado interno, havia um controle intenso exercido pelo poder municipal sobre as corporações. Para se ter uma idéia do rigor das regulamentações

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municipais, estas estabeleciam preços, proibiam propaganda, fixavam o valor dos salários e até mesmo a quantidade de funcionários permitidos nas oficinas52.

Com o regime cada vez mais opressivo da burguesia, as corporações passaram a exigir, a partir do século XIII até o século XV, autonomia administrativa, intervenção do poder municipal, entre outras coisas. Iniciaram-se, conseqüentemente, movimentos revolucionários em oposição ao domínio da oligarquia medieval, muitos dos quais desdobraram-se em conflitos armados. Contudo, não se tratava de movimentos democráticos, em busca de igualdade de condições para todos53. Na verdade, as corporações limitavam-se a defender os interesses da própria corporação em nome de uma parte do poder e de privilégios. Nas cidades onde o príncipe não tinha força para defendê-la ou dominar a revolução, ocorriam comumente dois resultados: por vezes as corporações participavam do poder municipal; em outros casos, o governo municipal era derrubado54. Essas revoluções são mais um fator de grande peso para o fim das cidades medievais.

O surgimento dos movimentos revolucionários das corporações de ofício, e a mudança na economia urbana destes decorrente, criou terreno fértil para a formação de uma nova classe: a dos capitalistas55.

Em meados do século XIV, o governo já não possui “estabilidade política e os meios financeiros não são suficientes para realizar programas longos e comprometidos” para sustentar a ampliação das cidades56. Assim, as cidades se vêem em um período de estagnação do seu crescimento, bem como a criação de novas urbes, ao passo que no restante de mundo encontra-se terreno fértil para a expansão urbana e comercial. As atividades industriais também sofreram declínio considerável.57

As cidades coloniais da América Latina, primeiramente pela colonização da Espanha e posteriormente por Portugal, são a grande marca do século XVI, em termos de surgimento de cidades58, tema que será estudado no Capítulo 3. A expansão pelas Américas decorreu da

52 Henri Pirenne,1982,p. 182-185. 53 Ibid., loc. cit.

54 Henri Pirenne, op. cit., p. 184, 200-202. 55 Ibid., p. 213.

56 Leonardo Benevolo, 2007,p. 425. 57 Ibid., p. 469.

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saturação da atividade de expansão urbana na Europa, a partir do século XIV, a qual foi influenciada por alguns fatores. Entre eles, é possível referenciar o declínio da atividade econômica, que pode ser comprovado pelo fim da expansão do comércio externo. Provavelmente esse declínio foi igualmente influenciado pela redução repentina e drástica da população, em meados do século XIV, devido ao flagelo da fome e das epidemias, entre as quais a Peste Negra foi a mais cruel de que se tem notícia59.

Considera-se o século XVI como um marco histórico-temporal para o fim da cidade medieval, embora ainda se percebam suas influências três séculos após. O fim de uma cultura não ocorre pontualmente. Na realidade, ainda hoje se encontram traços da cultura medieval, como a Igreja de Roma que segue a dogmática de Tomás de Aquino. Também na arquitetura de vários lugares na Europa é possível se identificar remanescentes da cultura medieval, a exemplo das igrejas em estilo gótico. Até mesmo as leis que regiam o mercado na era medieval mantiveram sua força até o século XVIII60.

Os fatores e características apontados nesse tópico sobre a cidade medieval não ocorreram de forma homogênea e simultânea em toda Europa. O fato é que tiveram sua parcela de contribuição no fomento das bases para o regime econômico característico do período histórico que o sucedeu, qual seja o capitalismo mercantilista, como será brevemente analisado a seguir.

1.3 Cidade barroca

O lento declínio da forma de vida medieval gradativamente dá espaço ao surgimento de novos paradigmas: na economia, o capitalismo mercantilista; a oligarquia dá lugar ao Estado nacional; a Igreja definitivamente separa-se do comércio e da política; o monarca absoluto é sucedido pelo “soberano temporal”, também absoluto. E aí começa a ter forma um novo modelo de cidade: a barroca61. Esse poder do rei não estava relacionado a nenhuma cidade específica, mas ao território como um todo, o que favoreceu a idéia de Estado nacional, em lugar da idéia antiga de cidade-Estado, cada uma independente das outras62.

59 Henri Pirenne, 1992, p. 191-194. Conforme o autor, a noção de Estado Nacional surgiu nesse período. 60 Lewis Mumford, 2004, p. 375-376.

61 Ibid., p. 376-378.

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Se as cidades medievais tinham como características principais a descentralização do poder e das populações, na cidade barroca se formou o seu oposto: a vida passa a se concentrar nas capitais que tornam-se centros dos poderes político e econômico, os quais se desenvolviam em velocidade muito superior às cidades de províncias e, muitas vezes, às custas destas. A centralização das cidades surge como um mecanismo para que o poder absoluto do rei seja mais facilmente exercido, uma vez que assim é mais fácil controlar seus súditos63.

A cidade passa a ser, dessa forma, “a capital política do Estado barroco”. Nas cidades barrocas, o exército torna-se atividade profissional e as atividades burocráticas organizam-se64, pois são o sustentáculo do estilo de vida barroco65. O capitalismo mercantilista, por sua vez, militarizou-se; é dizer, apoiou-se “nas armas do Estado” para expandir a exploração colonial66. Ditos fatores serviram como ferramenta para o fortalecimento do poder do monarca, que no período era medieval exercido de forma extremamente elementar por ausência de mecanismos que viabilizassem o exercício do poder de forma mais ampla67. Consideram-se o exército e a burocracia como os dois principais pilares sobre os quais se sustentou a cidade barroca68.

Se o capitalismo se militarizou, o governo passou a funcionar com a lógica capitalista. Capitalistas e príncipes estavam em perfeita harmonia na medida em que ambos desejavam o crescimento das cidades. Cidades maiores implicavam em maior recolhimento de impostos e mercado constante que eram as fontes de renda de príncipes e capitalistas. “As cidades cresciam: os aluguéis subiam; os consumidores multiplicavam-se; os impostos aumentavam. Nenhum desses resultados foi obra do acaso” 69.

A idéia de movimento, da constante necessidade de se chegar a algum lugar – a qual se projeta na avenida, que por sua vez é o “principal símbolo” da cidade barroca – e a idéia de que o poder se reflete no ter mais e o melhor (o luxo, a moda), e por que não dizer o consumismo, guardam suas raízes na cidade barroca. A corte real dava o tom do tipo de vida

63 Leonardo Benevolo, 2007, p. 503. Lewis Mumford, 2004, p. 387. 64 Fernando Chueca Goitia, 1982, p. 129.

65 Lewis Mumford, op. cit., p. 405 66 Ibid., p. 395.

67 Fernando Chueca Goitia, op. cit., p. 129. 68 Lewis Mumford, op. cit., p.395.

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que todos almejavam. “O costume social da época barroca era a moda, que muda cada ano; e, no mundo da moda, um novo pecado foi inventado – o de não estar em dia com ela”. O jornal era o meio de divulgação70, apesar de que, no primeiro quartel do século XVIII, existiam pouquíssimos exemplares. A maior parte das notícias se difundia por mercadores, peregrinos, artesãos itinerantes, entre outros71. Atualmente, inúmeras revistas principalmente são a vitrine do estilo de vida “ideal”, que se tem como perfeito e desejado por todos. “Ser ‘visto’, ser ‘reconhecido’, ser ‘aceito’” integravam o costume social da época, “eram os supremos deveres sociais” 72. Ainda hoje os costumes sociais são regrados por esses valores.

O luxo não se limitava às vestimentas. A culinária e a diversão foram impregnadas por esse valor. Em suma, “a demanda de fundos ilimitados contagiou todas as camadas da sociedade e foi a chave da política econômica do Estado absolutista”73. Um olhar superficial sobre a sociedade desde então permite afirmar com segurança absoluta que os valores surgidos no período barroco vieram se fortalecendo até os dias atuais. O paradigma da sociedade atual (contemporânea), inobstante a evolução e o reconhecimento de direitos humanos fundamentais, como a igualdade, os direitos sociais, a importância da inclusão social e da dignidade da pessoa humana, permanece no ter, no chegar em algum lugar, no conquistar, na relação dependência-domínio da maioria pela minoria privilegiada.

A concentração da vida econômica e política nas cidades deu também início, após o século XVI, ao aumento de população nas cidades que contavam com “uma corte real: a fonte do poder econômico”. Algumas cidades começaram a crescer de forma não vista antes. Londres, por exemplo, possuía aproximadamente duzentos e cinqüenta mil habitantes; Lisboa, Palermo e Roma, por volta dos cem mil. E esse processo de concentração da população nas capitais não parou. Londres chegou aos oitocentos mil habitantes no século XVIII74, e Paris, nos fins desse mesmo século, contava com cerca de seiscentos mil habitantes75.

Muito embora a vida política e econômica estivesse concentrada nas grandes capitais urbanas, além do crescimento populacional notável referido no parágrafo anterior, não é possível afirmar que o mundo era predominantemente urbano. A palavra urbano aqui abarca

70 Lewis Mumford, 2004, p. 397, 400. 71 Eric Hobsbawn, 2007, p. 27. 72 Lewis Mumford, op. cit., p. 409. 73 Ibid., p. 405.

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as grandes capitais, como Londres e Paris, bem como as pequenas cidades provincianas, que concentravam a maior parte dos habitantes urbanos. Na realidade, no final do século XVIII, a maior parte do mundo era composta pela população rural. Para ser ter uma idéia, aproximadamente 90% (noventa por cento) da população de países como a Rússia, onde a cidade pouco se desenvolveu, era rural76.

Como na cidade medieval, na cidade barroca é o campo que permite sustentar o comércio e a vida luxuosa da corte real. De um lado estavam “os que cultivavam a terra”; do outro lado, “os que a possuíam” 77.

A cidade barroca vai aos poucos se transformando na cidade chamada por Mumford de “comercial”78. O desenrolar dos acontecimentos durante esse período (barroco) e que culminaram em 1789, data atribuída à Revolução Industrial, transformaram a cidade barroca na cidade comercial ou industrial, que será explanada no tópico seguinte.

1.4 A Cidade industrial ou comercial

Para uma melhor compreensão das alterações que permitem qualificar uma nova tipologia de cidade – a industrial79 ou comercial80 –, é indispensável compreender a importância do momento histórico que se convencionou denominar Revolução Industrial. A Revolução Industrial se transformou na base principal da formação da economia mundial no século XIX81.

Fundamental esclarecer que a denominada Revolução Industrial não é uma data histórica em que um acontecimento isolado alterou profundamente as relações sociais, econômicas, culturais na sociedade humana. Trata-se de um longo processo de transformação, resultado da expansão econômica próspera que se dava em toda Europa, durante todo o século XVIII. Vagarosamente, de 1780 até 1815, “a mecanização das ocupações até então manuais ou parcialmente mecanizadas” foram totalmente mecanizadas. É a esse fenômeno que, apenas no século XIX, convencionou-se denominar Revolução Industrial.

76 Eric Hobsbawn, 2007, p. 28. 77 Ibid., p. 31.

78 Mumford, 2004, p. 446.

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A Revolução Industrial acabou acontecendo primeiro na Grã-Bretanha porque lá encontrou um ambiente extremamente favorável: desde há muito o governo havia adotado o lucro privado e o desenvolvimento econômico como norte principal; a agricultura desempenhava funções fundamentais para se chegar a uma era industrializada; o comércio com as colônias, que forneciam matéria prima para a indústria do algodão, permitiu que esta se expandisse82. “Os teares manuais foram morrendo lentamente”, a indústria foi se expandindo com base em um denominado sistema doméstico, “no qual os trabalhadores […] trabalhavam a matéria prima em suas próprias casas, com ferramentas próprias ou alugadas, recebendo-a e entregando-a de volta aos mercadores que estavam a caminho de se tornarem patrões. Essa foi uma primeira fase da Revolução Industrial. A próxima fase foi a do desenvolvimento de indústrias capazes de produzir bens de capital, como ferro e aço, que são utilizados no processo produtivo83.

Esse longo movimento, que alterou drasticamente as relações políticas e econômicas na sociedade, foi bem resumido por Hobsbawn na seguinte passagem: “criação de um ‘sistema fabril’ mecanizado que por sua vez produz em quantidades tão grandes e a um custo tão rapidamente decrescente a ponto de não mais depender da demanda existente, mas de criar seu próprio mercado” 84.

Nada disso teria sido possível sem a ideologia do capitalismo, que surgiu inicialmente na forma mercantilista, na cidade barroca. A partir do século XVII, o capitalismo dá uma nova força à expansão urbana, uma vez que os mercadores, financistas e senhores de terra precisavam vender, recolher impostos. Conforme posto no tópico anterior, cidades maiores significavam maiores lucros.

O capitalismo foi responsável por inserir nas cidades o lucro e a produção de artigos de consumo como valores fundamentais, e mecanismos como crédito, lucro especulativo e risco calculado. O capitalismo veio se fortalecendo de tal forma que se consolidou como doutrina, no século XVIII, a qual se baseava em “hábitos de abstenção, abnegação, ordem sistemática, a prática de adiar prazeres em troca de recompensas futuras muito maiores, tudo

82 Eric Hobsbawn, 2007, p. 54, 58. 83 Ibid., p. 69, 70.

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isso foi transferido da religião para os negócios, onde produziam imensos ganhos visíveis”85 e na exploração da mão-de-obra de trabalhadores assalariados que recebem apenas o suficiente para sobreviver, pois era o que permitia acumular o capital que financiava a indústria e sustentava a vida luxuosa dos que detinham os meios de produção86. Em suma, o capitalismo pode ser definido como “um sistema de produção de mercadorias, centrado sobre a relação entre a propriedade privada do capital e o trabalho assalariado sem posse de propriedade”, relação esta que forma “o eixo principal de um sistema de classes” 87.

A Revolução Industrial, ou os primeiros passos para a industrialização, tornou a vida nas cidades mais interessante. Assim, as pessoas partem em busca do sonho de uma vida melhor, livre da pobreza – melhores empregos, melhores condições de moradia, melhores salários88 e, conseqüentemente, dão lugar a uma urbanização absolutamente caótica89. Tem-se como indício a explosão populacional nos países em condição econômica favorecida – ainda que a maior parte do mundo, até 1840, fosse predominantemente agrária, e não industrial, como a Inglaterra. Nessa década, os Estados Unidos e parte considerável da Europa Ocidental e Central começam a dar sinais de industrializar-se. Daí se tornarem atraentes para imigrantes. Para se ter uma idéia, entre 1790 e 1850, a população americana passou “de 4 para 23 milhões de habitantes”. O Reino Unido teve sua população triplicada em um período de cem anos (1750 a 1850). As populações da Ásia e da África não apresentaram aumento significativo90. E aqui se dá início à sociedade urbanizada, uma das muitas características do mundo contemporâneo, como se verá no tópico seguinte.

Existe entendimento contrário no sentido de que, apesar da inegável influência da Revolução Industrial na transformação da sociedade, a “emergência de fábricas, operários e máquinas a vapor” exerceu menor influência em termos de produzir uma mudança estrutural na sociedade, que a fusão entre tecnologia e ciência do final do século XIX91. Acontece que a união entre ciência e tecnologia possibilitou e ainda possibilita invenções, inovações e descobertas extraordinárias em diversas áreas de conhecimento, entre as quais medicina, comunicações, e que realmente são capazes de promover mudanças estruturais na sociedade,

85 Lewis Mumford, 2004, p. 445-449. 86 Eric Hobsbawn, 2007, p. 65. 87 Anthony Giddens, 1991, p. 61. 88 European Urban Charter, 2008. 89 Eric Hobsbawn, op. cit., p. 241. 90 Ibid., p. 235-238.

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ou seja, uma verdadeira revolução. Entre algumas dessas inovações tem-se o raio-X, descoberto no final do século XIX92, a invenção do telefone, patenteado em 1876 por Alexander Graham Bell, e a indústria da guerra, que possibilitou ao século XX ser denominado o “século da guerra” 93.

Ao que parece, a Revolução Industrial foi o ponto de partida para outra revolução, igualmente marcante para o futuro da humanidade, a citada revolução tecnológico-científica. Ambos são fenômenos que marcaram profundamente e irreversivelmente a sociedade humana: positiva e negativamente. O lado positivo foi colocado acima (importantes eventos); do lado negativo, ambos trouxeram miséria, desemprego e insatisfação à grande maioria94. Naturalmente, as fontes de poluição, seja do ar, da água, aumentaram drasticamente. Por conseguinte, modificou-se de forma radical a relação do homem com a natureza95, na medida em que a ciência, a tecnologia e a industrialização, “aumentaram nossa capacidade de ação de uma forma sem precedentes e, com isso, fizeram expandir a dimensão espácio-temporal dos nossos actos” 96.

Aqui se tem as raízes para o aumento na insegurança característica do mundo contemporâneo, tema que será estudado no tópico seguinte. Acreditava-se, no século XVIII, no domínio do homem sobre a natureza97. Tal crença intensificou-se com a Revolução Industrial e sua ideologia de produção e consumo em massa, e ainda mais com o mencionado casamento entre ciência e tecnologia do final do século XIX. O paradigma consolidado no final do século XIX é a crença inquestionável na ciência moderna como a solução para todos os males do mundo98.

A idéia de domínio sobre a natureza e os problemas dela decorrentes começaram a adquirir caráter global na medida em que os países ditos subdesenvolvidos ou de terceiro mundo começaram a se industrializar. A globalização de idéias e problemas é o ponto-chave do mundo contemporâneo, o qual será analisado a seguir.

92 RXNET, 2008.

93 Anthony Giddens, 1991,p. 18-19.

94 Refere-se às características negativas da Revolução Industrial Eric Hobsbawn, 2007, p. 64.

95 Entende que a Revolução Industrial alterou drasticamente a relação homem-natureza (ALMEIDA,1978,p. 35). 96 Boaventura de Sousa Santos, 2006, p. 58.

97 Eric Hobsbawn, op. cit., p. 41.

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1.5 O mundo contemporâneo e a cidade global

Como visto até agora, a economia dá o norte principal para o desenvolvimento e declínio das cidades. Essa afirmação se torna mais verdadeira quando se tem em mente o mundo contemporâneo. As transformações ocorridas nas sociedades humanas desde a Revolução Industrial adquirem, no mundo contemporâneo, um caráter global (século XX)99.

Giddens aponta três características desse período, o qual ele denomina “modernidade”, mas que aqui se elegeu denominar mundo contemporâneo. São elas: a) o “ritmo de mudança” adquire uma velocidade extrema; b) em todos os lugares do Planeta os efeitos das mudanças são sentidos; c) “a natureza intrínseca das instituições modernas”, como a dependência de fontes de energia “inanimadas”100. Giddens refere-se ainda ao Estado-nação. Contudo, esse vem sendo aos poucos substituído pelo que se denomina cidade global, com maior intensidade na seara econômica e ganhando mais espaço na cultura e na política101. Atualmente, o mercado mundial dita as políticas econômicas internas a serem adotadas pelos países do mundo.

O termo cidades globais foi criado para designar cidades como Londres, Tóquio, Paris e São Paulo102, caracterizadas por se haverem transformado no centro da economia do mundo, ou seja, “lugares-chaves e praças de mercado fundamentais para as indústrias […]; campos para a produção de inovações nas indústrias”, com amplíssima quantidade de recursos e indústrias de ponta103. Isso demonstra, ademais, que o capitalismo passa por mais uma transformação no sentido de que a economia não mais se limita ao Estado nacional104.

Não está aqui se querendo afirmar que o Estado-nação será definitivamente superado em um horizonte temporal de dez ou vinte anos, ou que será, de fato, superado. Inobstante, é possível vislumbrar uma redução cada vez maior na soberania estatal, iniciada pela quebra das barreiras econômicas, de forma que o Estado-nação vai perdendo seu papel de centro de

99 Anthony Giddens, 1991, p. 13. 100 Ibid., p. 11, 15, 16.

101 Krishan Kumar, 2006, p. 23, 24.

102 Saskia Sassen, 1993, p. 188. Ao caracterizar as cidades globais, a autora não faz referência expressa à cidade de São Paulo. Mas, não há dúvidas de que se enquadra na descrição proposta por ela.

103 Ibid., p. 188.

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controle das atividades econômicas105. Tem-se como exemplo a criação de mercados comuns como o Mercosul, ou uma moeda única de circulação em diversos países europeus, qual seja o Euro. “O próprio Estado foi redesenhado em formas que minam sua capacidade de funcionar como depósito seguro de valores tais como democracia e justiça distributiva” (tradução livre). Ademais, existem questões globais, em especial no que se refere a problemas ambientais (aquecimento global, entre outros), que, por sua própria natureza, não podem se resolver no âmbito dos Estados nacionais106. É bastante razoável, dessa maneira, presumir que tanto mais se globaliza a economia, mais se convergem as funções centrais na cidade global107.

Dentro do ritmo acelerado e universalizado das mudanças, referenciado por Giddens, pode-se incluir o papel destacado que a tecnologia da informação exerce com a transformação em realidade da “comunicação instantânea”, a qual reduz drasticamente as distâncias de tempo e espaço. Cria, por outro lado, “uma interconectividade e nível de dependência em relação a uma realidade manufaturada” sem paralelo na história do homem108.

O ritmo da urbanização, igualmente às demais mudanças, acelera-se. Antes da Revolução Industrial, inobstante as cidades exercerem um papel importantíssimo, como visto nos tópicos anteriores, não se podia falar em sociedade urbanizada. Nesse período, a população agrária européia, e do restante do mundo, prevalecia sobre a urbana. Sociedade urbanizada é aqui entendida como aquela em que a vida urbana predomina; é dizer, a maioria das pessoas concentra-se nas cidades109. Assim que o termo urbanização (ou crescimento urbano, em oposição ao crescimento demográfico ou populacional) não deve ser compreendido como o fenômeno de formação de cidades ou mero aparecimento da vida urbana. Tampouco como simples “crescimento demográfico que se traduziu na súbita formação de grandes cidades”110. E sim, todo esse processo de formação da sociedade urbanizada que está sendo descrito no presente tópico.

Na realidade, pode-se afirmar que o advento do processo de urbanização da sociedade se deu no século XIX, com a Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra e

105 Robert Howse, 2008, p. 1530.

106 Ibid., p. 1531. “the state itself has been reshaped in ways that undermine its capacity to function as a secure repository of values such as democracy and distributive justice”.

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gradativamente espalhada pelo restante do mundo, pois a busca pela vida nas cidades se intensificou, como dito no tópico anterior. A sociedade mundialmente considerada passou a se julgar urbanizada de fato, em meados do século XX, quando a grande maioria – se não todos – dos países industrializados passaram a ser predominantemente urbanos. Anote-se que, por volta de 1900, apenas o Reino Unido guardava essa condição111.

A vida nas cidades veio se concentrando de forma tão intensa que novas tipologias começaram a surgir, na medida em que o termo cidade, geralmente utilizado em oposição à vida rural, não é mais suficiente para abarcar essas novas situações. Começa-se a falar em metrópole, para designar os “grandes centros urbanos”; megalópoles, para identificar a “região urbanizada contendo diversas áreas metropolitanas”; conurbações, para designar o movimento de cidades vizinhas em expansão que terminam por se juntar em um todo único112.

O crescimento das cidades está se tornando cada vez mais insustentável e, à revelia deste, continua. Prova dessa insustentabilidade é a busca crescente dos europeus pelos subúrbios113, onde há mais qualidade de vida. Antes os subúrbios eram um refúgio de final de semana, para descansar e relaxar. Desde o início dos anos noventa, observa-se na Europa um processo denominado “migração reversa” e permanente no sentido cidade-subúrbio, à procura de um ambiente menos poluído, empregos menos exaustivos e vizinhanças mais “amenas”114. No que se refere à América Latina, especificamente às cidades brasileiras, a questão será retomada no Capítulo seguinte.

Todas essas características representam a quebra do mundo contemporâneo com os valores tradicionais das sociedades que o antecederam, de uma forma nunca antes vista115, em movimento contínuo ao iniciado em decorrência da Revolução Industrial, em proporções antes nunca experimentadas pelo homem. Muito embora, é importante anotar que os valores tradicionais não desaparecem simplesmente. Em nenhum momento de transição histórica da humanidade o paradigma substituído deixa completamente de existir, continua a fazer parte

111 Kingsley Davis, 1977, p.14.

112 Hans Blumenfeld, 1977, p. 52, 53, 55.

113 Observe-se que a conotação de subúrbio na Europa é bem distinta da brasileira. No Brasil, o subúrbio fica reservado para a população mais carente. Na Europa, ocorre justamente o contrário: vive no subúrbio quem tem melhores condições de vida. Assim também nos Estados Unidos. O chamado american dream inclui uma casa no subúrbio com amplo jardins e ausência de grades e muros.

Referências

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