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Distinção entre os princípios da precaução e da prevenção

4 AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS, ESTUDO DE IMPACTO

4.2 Distinção entre os princípios da precaução e da prevenção

Parte respeitável da doutrina pátria não diferencia prevenção e precaução. Um dos representantes dessa corrente de pensamento é o Professor Celso Antônio Pacheco Fiorillo, que denomina prevenção o que a doutrina dominante chama de precaução323. O conteúdo está condizente com o tratamento dado pelos demais autores referidos abaixo para o princípio da precaução, com a ressalva de que o Professor Fiorillo trata apenas de um dos princípios. Contudo, percebe-se mais completa a doutrina que trata de ambos os princípios, com conceitos distintos, apesar de inter-relacionados. Abaixo estão referidos seus principais representantes.

O princípio da precaução origina-se, como a maioria – se não todos os princípios do Direito Ambiental –, no Direito Internacional. A primeira idéia de precaução aparece na Convenção de Intervenção de 1969, a qual advertiu para a importância em não atrelar ações preventivas a danos conhecidos, pois a omissão poderia gerar danos muito mais sérios que a mera ação preventiva. As discussões internacionais sobre precaução evoluíram lentamente. Apenas em 1984, o princípio é novamente mencionado, na Convenção Internacional do Mar do Norte. O texto dessa Convenção determina que o ambiente marinho seja protegido independente de prova sobre possíveis danos, visto que muitos deles não são passíveis de reparação324. Contemporânea à Convenção Internacional do Mar do Norte, tem-se a Carta Mundial para a Natureza, segundo a qual riscos significativos e de impactos negativos

323 Celso Antonio Pacheco Fiorillo, 2008, p. 47. 324 Philippe Sands, 2004, p. 31.

desconhecidos devem ser motivo suficiente para sobrestar o funcionamento de atividade a estes relacionadas325.

Entre os demais documentos internacionais que se referem à precaução, merece destaque especial a Declaração Ministerial de Bergen sobre Desenvolvimento Sustentável da Região da Comunidade Européia (1990) porque pela a primeira vez dotou-se aplicação geral para o princípio da precaução, nos seguintes termos326:

A fim de obter o desenvolvimento sustentável, as políticas devem ser baseadas no princípio da precaução. Medidas ambientais devem antecipar, impedir e atacar as causas de degradação ambiental. Onde existirem ameaças de danos sérios ou irreversíveis, a falta de total certeza científica não deve ser usada como razão para retardar a tomada de medidas que visam a impedir a degradação ambiental.

Claramente inspirado na Declaração de Bergen, a Declaração do Rio de 1992 (resultado da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, em junho de 1992), em seu princípio 15, ampliou o alcance do conteúdo da precaução. A Declaração de Bergen restringia-se à Comunidade Européia, ao passo que a Declaração do Rio incluiu 179 países signatários327. A redação do princípio 15 segue abaixo:

De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental328

Em suma, o princípio afirma que, na falta de certeza científica – quando esta não é suficiente ou conclusiva – sobre os efeitos causados uma atividade, cabe ao empreendedor provar que a atividade ou empreendimento pretendido é passível de ser realizado sem conseqüências desastrosas para o meio329, ou seja, deve provar que é possível controlar os riscos decorrentes da atividade.

325 Rüdiger Wolfrum, 2004, p. 14.

326 Nesse sentido, Philippe Sands, 2004, p. 33. 327 Dados sobre a Eco-92 por Laura Lopes, 2006.

328 Antônio Augusto Cançado Trindade, 1995, p. 311-312. 329 Édis Milaré, 2007, p. 767.

É possível elencar, a título de exemplo, circunstâncias nas quais pode haver dúvidas sobre o risco de uma atividade:

− não há como se verificar previamente os danos decorrentes dela, visto que não há provas de que não irão ocorrer, mas pela sua natureza receia-se que possa vir a se concretizar. Ex.: soja transgênica;

− certa atividade causou danos ao meio ambiente, porém não se sabe a origem desses danos;

− determinada atividade causou danos ao meio ambiente, e se sabe da probabilidade da origem do dano, mas não se tem prova científica do nexo causal entre a origem do dano e dano em si.

O princípio não proíbe que a atividade, empreendimento ou projeto seja desenvolvido ou implantado, mesmo diante da incerteza. Seu objetivo se traduz na tentativa de obter “durabilidade da sadia qualidade de vida das gerações humanas e à continuidade da natureza existente no planeta”330. Assim que existem limites a sua aplicação quais sejam:

− o risco deve ser verossímil ou plausível. Exemplos: há uma grande probabilidade que a exposição prolongada à radiação eletromagnética resultante da utilização de celulares tenha conseqüências na saúde? não seria plausível imaginar que a ingestão de organismos geneticamente modificados ou transgênicos possa influir na mutação genética do indivíduo que o consome? não seria verossímil que a liberação de gases, como o dióxido de carbono ou metano, para a atmosfera possa provocar o aquecimento do planeta e o degelo das calotas polares?

− a medida adotada deve ser proporcional ao risco provável;

− a medida deve ser coerente: âmbito e natureza compatíveis com medidas tomadas em situações similares;

− a medida deve ter caráter precário: periodicamente revista à luz do progresso científico.

Existem alguns mecanismos legais destinados a fazer cumprir o princípio da precaução, entre as quais: embargo, notificação, monitoramento da atividade, negação ou

concessão de licença ambiental, informação ao público, etc. Essas medidas estão previstas na Lei Federal nº 9.605/98 e no respectivo Decreto nº 3.179/99, e em diversas legislações estaduais e municipais que regulam crimes e infrações administrativas ambientais.

A Constituição Federal de 1988, apesar de não haver reconhecido expressamente o princípio da precaução, adotou-o implicitamente, no artigo 225, caput, ao determinar que é dever do Poder Público e da coletividade defender e preservar o meio ambiente para as gerações atuais e futuras. Igualmente o reconhece ao instituir como deveres do Poder Público o controle da “produção, comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”; e exigir estudo de impacto ambiental para empreendimentos ou atividades de significativo impacto (artigo 225, §1º, V e VI, respectivamente).

Antes mesmo, na Constituição de 1988, encontra-se reconhecimento implícito da precaução na Lei de Política Nacional de Meio Ambiente, quando esta, em seu artigo 9º, III, cria a avaliação dos impactos ambientais como instrumento da Política Nacional de Meio Ambiente; e, em seu artigo 4º, I e IV, estabelece331 que a Política Nacional visará:

I – à compatibilização do desenvolvimento econômico social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico e à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional;

II – ... III – ... IV – ... V – ...

VI – à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida.

Por seu turno, o princípio da prevenção corresponde ao ditado popular “é melhor prevenir que remediar”332 refere-se a danos ambientais conhecidos. Danos conhecidos são aqueles que se consideram certos – situação qualificada pela existência de elementos capazes de comprovar que uma atividade é, de fato, perigosa333. Na lição de Paulo de Bessa Antunes, são aqueles em relação aos quais é viável “estabelecer um conjunto de nexos de causalidade

331 Paulo Affonso Leme Machado, 2008, p. 65. 332 José Rubens Morato Leite, 2003, p. 50. 333 Édis Milaré, 2007, p. 766.

que seja suficiente para identificação dos impactos futuros mais prováveis”334. Com relação a esses danos, a ação é direcionada com vistas a evitar que eles ocorram ou, se inevitáveis e aceitáveis, que sejam minimizados. Isso é agir preventivamente. Diz-se minimizar porque prevenir danos não implica na sua eliminação por completo. Alguns danos são inevitáveis para o desenvolvimento de certas atividades ou implatação de empreendimentos. Por exemplo, não há meios de se construir um prédio sem atividade de movimentação de terra. Avaliam-se os impactos negativos em contraposição aos positivos, por meio de uma avaliação de impacto ambiental, para decidir-se se o empreendimento é viável335.

Por que é melhor prevenir e não simplesmente reparar o dano depois? Algumas razões podem ser elencadas:

− uma vez ocorrido o dano ambiental fica impossibilitada a reconstituição total do ambiente, ou seja, o retorno ao estado anterior;

− ainda que exista alguma hipótese em que se identifique a viabilidade da total restauração do ambiente natural antes do dano, essa seria tão custosa que não seria razoável, nem proporcional a sua exigência;

− medidas de despoluição, mesmo que não se destinem à restauração integral do ambiente ao estado anterior, são, em regra, muito mais onerosas que as medidas preventivas.

Os instrumentos do princípio da prevenção são similares aos do princípio da precaução: avaliações de impacto ambiental, auditorias ambientais, licenças ambientais, fixação de níveis legais máximos de emissão de poluentes. A aplicação correta desses instrumentos engloba os danos ambientais certos e os incertos.

Por fim, a principal diferença entre o princípio da precaução e o princípio da prevenção é que o primeiro refere-se a danos ambientais desconhecidos, ao passo que este busca avaliar os danos ambientais certos e conhecidos.

334 Paulo de Bessa Antunes, 2008, p. 45. 335 Paulo de Bessa Antunes, 2008, p. 45.