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Distinção entre impacto, dano, poluição e degradação

4 AVALIAÇÃO DE IMPACTOS AMBIENTAIS, ESTUDO DE IMPACTO

4.1 Distinção entre impacto, dano, poluição e degradação

Antes de adentrar especificamente no estudo da AIA e sua relação com o EIA/RIMA e EIV, pertinente esclarecer o que vem a ser impacto, bem como trazer uma distinção deste em relação aos termos seguintes: dano, poluição e degradação ambiental. A diferenciação proposta é de fundamental importância para que as normas ambientais e seus princípios orientadores sejam aplicados de forma mais técnica. Esse é um dos passos basilares na árdua tarefa de efetivação das normas e princípios jurídicos.

A doutrina, em geral, conceitua impacto como “a relação entre sociedade e natureza que se transforma diferencial e dinamicamente”305 ou “como parte de uma relação de causa e efeito. Impacto pode também ser entendido como mudança induzida pelo homem no ambiente natural”306. Em outras palavras, é a alteração de qualquer das condições normais do meio ambiente em decorrência ação humana307. Do ponto de vista analítico, “o impacto ambiental pode ser considerado como a diferença entre as condições ambientais que existiram com a implantação de um projeto proposto e as condições ambientais que existiriam sem essa ação” 308.

Alguns documentos internacionais, na mesma linha da doutrina apontada, definem impacto. A Convenção sobre Avaliação de Impacto Ambiental Transfronteiriço, realizada em Espoo, na Finlândia, em 1991, em seu artigo 1º, inciso VII, entende por impacto “qualquer efeito de uma atividade proposta sobre o meio ambiente, notadamente a saúde e a segurança, a flora, a fauna, o solo, o ar, a água, o clima, a paisagem e os monumentos históricos ou outras construções ou interações entre esses fatores”.

Os impactos classificam-se em poluição, dano ou degradação. É o gênero dos quais a poluição, o dano e a degradação são espécies. Estes termos muitas vezes são utilizados de

305 Maria Célia Nunes Coelho, 2001, p. 25.

306 DICIONÁRIO DE ECOLOGIA E CIÊNCIAS AMBIENTAIS, 2001, s.v. impacto. 307 Nesse sentido, Breno Grisi Machado, 2000, p. 102.

maneira aleatória, sem a preocupação com o significado específico de cada um, seja do ponto de vista legal, técnico ou doutrinário.

A Lei de Política Nacional de Meio Ambiente, em seu artigo 3º, inciso III, define degradação da qualidade ambiental como “a alteração adversa das características do meio ambiente”. Note-se que a lei não exige materialização de prejuízo (dano, lesão), quer ao homem, quer ao meio para caracterizar a degradação ambiental. Importante fixar dito conceito posto que o senso comum identifica degradação com prejuízo. A sinonímia correta dá-se entre as expressões degradação ambiental e impacto negativo, já que o dano não é elemento presente em nenhuma das definições.

O conceito de poluição normalmente é associado com a ocorrência de resultado prejudicial ao homem ou ao meio, proveniente este dano da ação humana. Cabe trazer uma definição técnica, qual seja:

poluição: efeito acarretado pelo procedimento humano de lançar na Natureza resíduos, dejetos ou qualquer outro material que altere as condições naturais do ambiente, contaminando ou deteriorando nossa fonte natural de recursos, do ar, terra ou água, sendo prejudicial ao próprio homem ou a qualquer ser vivo desejável309.

A doutrina jurídica nacional define a poluição como a alteração das propriedades naturais, por meio da introdução de elementos exógenos, que levam o meio ambiente a um nível tal de desequilíbrio que afeta de uma forma prejudicial fauna, flora, condições estéticas e sanitárias, segurança e o próprio homem310. Além disso, torna “o ambiente inadequado para uma utilização específica e o desnatura, retirando as suas características básicas”311. Daí ser qualificada como a forma mais grave de degradação da qualidade ambiental312.

Existe posicionamento doutrinário no sentido de que a poluição abrange os danos provenientes de ação humana ou natural, abaixo transcrito:

poluição. Mudança indesejável no ambiente, geralmente a introdução de concentrações exageradamente altas de substâncias prejudiciais ou

309 Breno Grisi Machado, 2000, p. 142.

310 Nicolao Dino de Castro e Costa Neto et al., 2001, p. 282. No mesmo sentido, Hely Lopes Meirelles, 1990, p.

64.

311 Nicolau Dino de Castro e Costa Neto et al., op. cit., p. 282. 312 José Afonso da Silva, 2007, p. 29.

perigosas, calor ou ruído. A poluição refere-se geralmente aos resultados da atividade humana, mas as erupções vulcânicas e a contaminação de um corpo de água por animais mortos ou por excrementos de animais também são poluição313

Contudo, em coerência com o conceito de impacto ambiental assumido no início deste tópico, somente se considera poluição o prejuízo decorrente de ação humana. É esse o entendimento majoritário.

Importante anotar que o prejuízo causado ao homem ou ao meio, em conseqüência da poluição, pode ocorrer direta ou indiretamente, conforme esclarece o conceito publicado no relatório denominado “Restaurando a qualidade do nosso ambiente” (Restoring the quality of our environment), que resultou do Painel sobre Ambiente da Casa Branca Americana, em 1965, que segue:

Poluição ambiental é uma alteração desfavorável dos nossos arredores, totalmente ou largamente como um produto das ações humanas, por meio de efeitos diretos ou indiretos de modificação nos padrões de energia, níveis de radiação, constituição física e química e abundâncias de organismos. Essa mudanças podem afetar ao homem diretamente, ou por meio dos seus suprimentos de água e de produtos agrícolas e biológicos, suas posses ou objetos físicos, ou suas oportunidades para recreação ou apreciação da natureza (tradução livre)314.

A Lei de Política Nacional de Meio Ambiente define poluição, em seu artigo 3º, inciso III, sob os seguintes termos:

Art. 3º – Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I – omissis

II – omissis

III – poluição, a degradação da qualidade ambiental que direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota;

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

313 Henry W. Art, 1998, s.v. poluição.

314 “Environmental pollution is the unfavorable alteration of our surroundings, wholly or largely as a by-product

of man´s actions, through direct or indirect effects of changes is energy patterns, radiation levels, chemical and physical constitution and abundances of organisms. These changes may affect man directly, or through his supplies of water and of agricultural and other biological products, his physical objects or possessions, or his opportunities for recreation and appreciation of nature”.

e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.

No inciso precedente (inciso II), o mesmo diploma legal define como degradação da qualidade ambiental “a alteração adversa das características do meio ambiente”. A leitura conjunta dos incisos II e III do artigo 3º, da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente deixa transparecer o objetivo legal em distinguir os termos degradação e poluição, na medida em que traz, a título de exemplo, algumas formas de poluição ambiental. Entretanto, identifica-se no inciso III, imprecisão técnica nas alíneas b, c, e d. O texto destes dispositivos leva a entender que a mera “criação de condições adversas” ou desfavoráveis ao meio podem ser consideradas poluição. A correta leitura do artigo remete à utilização de termos similares ao empregado na alínea a – “prejuízo”.

Portanto, as alíneas b, c, e d, onde está grafado, respectivamente, “condições adversas”, “afetem desfavoravelmente” e “afetem” devem ser lidas como causem prejuízo ou lesão às atividades sociais e econômicas, à biota e às condições estéticas e sanitárias do meio. No que se refere à alínea e, ela foi erroneamente inserida no inciso III, tendo em vista que nem sempre o lançamento de “matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos” geram danos ao meio, ou seja, qualificam-se como poluição.

Assim, seja pela lei, seja pela doutrina expostas, poluição e degradação ambiental não se confundem. Não obstante são conceitos indissociáveis, tendo em vista que a LPNMA expressamente aponta que a poluição resulta da degradação315. Em suma, é correto afirmar que poluição é espécie do gênero degradação ambiental316.

Esclarecidos os conceitos de impacto, poluição e degradação ambiental, passa-se à análise do que vem a ser dano ambiental. Via de regra, dano refere-se à lesão de um direito, é dizer, a um ato ilícito. Quanto ao dano ambiental, não existe aparentemente grande preocupação doutrinária em estudar as peculiaridades que envolvem o seu conteúdo, e não se identificou definição legal que utilizasse especificamente o termo. Diante disso, optou-se aqui por adotar a proposta de conceituação trazida por José Rubens Morato Leite317, quem vincula dano ambiental a lesão ao meio ambiente; seja meio na sua acepção estrita (dano ecológico)

315 José Rubens Morato Leite, 2003, p. 101.

316 Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida, 2001, p. 243. 317Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida, op. cit., p. 95, 97-98.

ou em sentido mais amplo que abrange todos os elementos ambientais, até mesmo o cultural e as lesões causadas ao indivíduo (dano ambiental reflexo ou ricochete, referente ao micro bem ambiental). Explica o autor que macrobem ambiental é o meio ambiente considerado como um todo e, por isso, bem de uso comum. Microbem ambiental são os elementos individualizados do meio, como rios, árvores, florestas, que podem ser de propriedade particular318.

A doutrina e legislação apontadas sobre o conceito de poluição apontam como seu elemento essencial a materialização de um dano. Conclui-se, então, que poluição e dano podem ser considerados termos equivalentes.

Da proposta conceitual para a expressão dano ambiental trazida por José Rubens Morato Leite, apreende-se que nem sempre o dano ambiental é oriundo de ato ilícito. Por exemplo, lançar matéria em desacordo com os padrões ambientais não vai necessariamente causar uma lesão ao meio ambiente. É possível que a capacidade de suporte do meio seja superior ao referencial tomado pela lei com o propósito de fixar determinado padrão. Na lição do jurista Paulo Affonso Leme Machado, “Nem sempre os parâmetros oficiais são ajustáveis à realidade sanitária e ambiental”319. Ademais, “as normas administrativas servem de parâmetro para o agente, e não para exclusão de responsabilidade”320. Dessa maneira, para efeitos de responsabilização do agente causador do dano ambiental, serão considerados os atos que obedeceram às normas legais e foram devidamente autorizados pelo órgão ambiental competente. É o reconhecimento da responsabilização por ato lícito, para a qual o importante para caracterizar o dano é a lesão causada e não o cumprimento ou descumprimento de norma legal.

O agente que incorrer em dano por ato lícito é passível de responsabilização nos âmbitos civil e penal. A responsabilidade civil é objetiva por força do artigo 14, §1º da Lei de Política Nacional de Meio Ambiente, com a seguinte redação: “Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade […]”; e artigo 225, §3º da Constituição Federal de 1988, segundo o qual “As

318 José Rubens Morato Leite, 2003, p. 81-85. 319 Paulo Affonso Leme Machado, 1999, p. 251. 320 José Rubens Morato Leite, op. cit., p. 192.

condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. Contudo, não haverá responsabilização por sanção administrativa ambiental, uma vez que o ato estava autorizado pelo órgão competente.

Tendo em vista a constante interação do homem com a natureza, indispensável para próprio desenvolvimento daquele, não seria coerente proibir geral e irrestritamente qualquer forma de poluição ou dano ao meio ambiente. Assim, a poluição ou o dano, a depender dos seus níveis, mecanismos de controle, natureza e extensão, pode ser julgado tolerável pela sociedade, em vista do benefício que a atividade geradora daquela poluição traz. Inobstante, sempre deve ser em caráter de excepcionalidade e na ausência de uma alternativa à atividade causadora do dano.

A questão principal gira em torno de fixar o nível de tolerabilidade aceito pela sociedade referente a determinado dano ou poluição. A tolerabilidade do dano está relacionada com a necessidade em se estabelecer relação de equilíbrio entre utilização e proteção do ambiente, e não, ao contrário do que se pode pensar, em uma legalização dos danos ambientais321.

A medida da tolerabilidade da poluição ou do dano ambiental varia de acordo com o caso concreto. O procedimento comumente utilizado para essa verificação é o licenciamento ambiental ou o licenciamento urbanístico, a ser realizado previamente pelo órgão ambiental ou urbanístico competente, que tem como principal ferramenta a Avaliação de Impactos Ambientais322. O órgão competente deve verificar, em cada caso, se a capacidade de uso do meio ou a função ecológica protegida pela lei suporta aquele tipo de dano ou poluição, e não apenas os padrões de emissão fixados em normas ambientais. A partir daí, deve estabelecer medidas compensatórias dos danos, e medidas mitigadoras dos impactos negativos (degradação).

321 Álvaro Valery Mirra, 1997, p. 20 apud José Rubens Morato Leite, 2003, p. 189.

322 Considera-se neste trabalho, como será explanado no tópico 4.2, o EIV como uma espécie de Avaliação de

Impacto Ambiental. A AIA também poderá ser utilizada para verificar os impactos de atividades e empreendimentos em outros procedimentos que não o licenciamento ambiental, conforme explanado no tópico seguinte.

A Avaliação de Impactos Ambientais, analisada a seguir, tem como objeto efeitos ainda não ocorridos. Nas hipóteses em que se desenvolvem atividades, empreendimentos, obras ou serviços sem prévia autorização do órgão competente, independentemente de dano efetivo causado ao meio, cabe responsabilização administrativa, por força do artigo 44 do Decreto Federal nº 3.179/1999. Configurado dano, poderá também haver responsabilização penal (Lei Federal nº 9.605/1998) e civil.

As Avaliações de Impactos Ambientais, das quais uma espécie é o EIV, são corolários dos princípios da precaução e da prevenção. Talvez sejam o instrumento por excelência de tais princípios, razão pela qual serão brevemente explanados no tópico seguinte.