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DO CINEMA EXPANDIDO AO ESPAÇO AUMENTADO NA PRODUÇÃO ARTÍSTICA UM CASO DE ESTUDO NO ESPAÇO URBANO

CINEMA EXPANDIDO

Pretendemos identificar momentos-chave da prática artística a partir da década de 1960, que relacionam a imagem em movimento com os espaços físicos, partindo da análise de autores e conceitos que defini- ram novas estratégias de projeção para o espaço expositivo. As experiências desenvolvidas pelo Cinema Expandido deram um contributo essencial, a par dos desenvolvimentos tecnológicos e conceptuais da vídeo instalação, para o desenvolvimento de novas formas de projeção e de integração do espectador num espaço expositivo imersivo.

Descobrimos uma relação forte entre essas décadas de experimentação e o período contemporâneo, uma vez que as técnicas e as ideias desenvolvidas, foram percursoras para os primeiros projetos em me- dia arte, e deram a origem aos conceitos de Realidade Mista e de Espaço Aumentado.

No contexto da performance audiovisual pretendemos analisar e testar as possibilidades técnicas pre- sentes e futuras de forma a contribuir para novos modelos de interação que promovam a participação do público, através de experiências cada vez mais imersivas.

Desta forma começamos por analisar os primeiros conceitos e técnicas desenvolvidas por teóricos e ar- tistas e que deram origem ao Cinema Expandido. Gene Youngblood no seu livro Cinema Expandido, explica como a integração de vídeo, do som e da performance vieram desenvolver uma nova forma de arte no contexto audiovisual. Youngblood descreve como o uso da luz e a espacialização dos dispositivos, se torna- ram nos principais meios para o desenvolvimento da experiência artística.

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expandida ... O cinema expandido não é, decididamente, um filme: como se tratasse de um processo de algo que se torna, a característica inerente ao ser humano de manifestar sua consciência fora de sua mente, diante dos seus olhos. Não é mais possível ser-se especializado numa disciplina específica e es- perar verdadeiramente conseguir expressar uma imagem clara de suas relações no ambiente.”1 (Youn-

gblood, 1970, 41)

Youngblood refere Roman Kroitor como um autor fundamental no uso destas técnicas, nomeadamente com a instalação Labyrinthe que desenvolveu para a Expo ´67 em Montreal, e em que apresenta um sis- tema de projeção inovador que consistia numa projeção a toda a altura do teatro e outra perpendicular a cobrir o chão. Assistimos assim a uma mudança em relação ao cinema convencional, no sentido em que Kroitor tira partido da relação entre arquitetura e a imagem, criando uma tensão no espetador devido à sua escala. Poderemos assim descrever uma nova experiência: mais física e mais imersiva.

Figura 1 - Roman Kroitor. Labyrinthe, 1967.

“As pessoas estão cansadas da estrutura padrão do enredo. A nova experiencia do cinema passa por uma relação próxima entre o filme e a arquitetura em que ele está alojado. Demos um passo nessa direção com Labyrinthe. Uma nova linguagem vai-se desenvolver. Existem maneiras pelas quais a formação das relações da imagens corta com as realidades superficiais, na procura algo mais profundo.”2 (Roman Kroi-

tor in Youngblood, 1970, 352)

Francis Thompson também explora estas novas técnicas através das projeções de grande formato e na forma como utiliza múltiplas imagens. Na sua obra o objectivo é que a audiência esteja o mais integrada

1 Tradução do original inglês: “When we say expanded cinema we actually mean expanded consciousness…Expanded cinema

isn’t a movie at all: like if it’s a process of becoming, man’s on-going historical drive to manifest his consciousness outside of his mind, in front of his eyes. One no longer can specialize in a single discipline and hope truthfully to express a clear picture of its relationships in the environment”.

2 “People are tired of the standard plot structure. New film experiences will result, in which there’ll be a tight relationship between

the movie and the architecture in which it’s housed. We took a step in that direction with Labyrinthe. A new language is going to develop. There are ways in which shaping the relationships of images cuts through the superficial realities and reaches for

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possível com o espaço expositivo, de forma a que o espaço seja de tal forma imersivo que as imagens sur- jam quer à nossa volta como em baixo de nós (Youngblood, 1970).

“As imagens devem surgir desta grande área, de forma a envolver por completo a nossa visão até ao infinito. Assim passamos de trabalhar num volume infinito em vez de uma superfície plana”3 (Thompson in

Youngblood, 1970, 358).

Portanto, a experiência artística passa a ter outro significado, através do uso do vídeo, que se democrati- zou entre os artistas, e das práticas de natureza híbrida como o uso de múltiplos ecrãs; o uso do espaço expositivo na sua totalidade, ou a participação e a integração do público. Podemos assim afirmar que o Cinema Expandido está realmente sujeito à expansão.

Identificamos assim várias características nas práticas atuais da performance audiovisual que dão conti- nuidade a uma tradição histórica das técnicas do Cinema Expandido (Mey, 2015 43).

Stan Vanderbeek, figura central do Cinema Expandido, cria em 1965 o manifesto Image Library, Newsreel of Dreams, Culture Intercom, em que explica como as múltiplas projeções em tempo real tornam o cinema numa arte performativa, identificando uma mudança de paradigma relativa à experiência audiovisual. Atra- vés da instalação Movie-Drome de 1963, que consiste na projeção constante de várias imagens numa cúpula, Vanderbeek procura criar um ambiente cinemático imersivo. Para isso refere que a melhor forma de percepcionar a obra seria deitado nas almofadas dispostas para esta instalação.

Figuras 2 e 3 - Stan Vanderbeek. Movie Drome,1963.

“O propósito e o efeito desse fluxo de imagens serve não só para uma compreensão lógica mas lidando também com o inconsciente por forma a alcançar o denominador emocional de todos os homens, a base não-verbal da vida humana”.4 (Vanderbeek, 1965)

Anne-Marie Duguet explica-nos como assistimos à libertação do dispositivo cinematográfico na sua forma mais clássica, para ser abrangido pelo mundo mais experimental das artes, acompanhando uma nova consciência social. O vídeo torna-se no meio de eleição entre os artistas devido à sua expressividade, pro- movendo a desterritorialização do cinema convencional, atribuindo novas formas à imagem (2002). Duguet explica ainda que estas novas técnicas expositivas expandem a nossa percepção da realidade e considera a presença do espetador fundamental, já que a interpretação da obra passa a ser subjetiva, considerando-os reciprocadores.5 Estas obras são também caracterizadas pela introdução do loop, crian-

do uma experiência nova de duração do evento, já que se trata de um tempo muito próprio, que convoca a interação do público (2002).

3 “Your images should come out of this great, completely- surrounding area and hit you in the eye or go off into infinity. So you’re

no longer working with a flat surface but rather an infinite volume”.

4 “The purpose and effect of such image flow, is both to deal with logical understanding and to penetrate to unconscious levels,

to reach for the emotional denominator of all men, the nonverbal basis of human life.”

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Assim, redefinindo os modos de projeção usuais, o Cinema Expandido pretende ser uma experiência mul- tissensorial, em que a performance audiovisual se torna cada vez mais imersiva e autónoma. Explora-se a dimensão física e especifica do lugar, relacionando as várias disciplinas como a performance, o vídeo, a arquitetura e as tecnologias cada vez mais híbridas.

“O cinema expandido é uma tentativa de dissolver as fronteiras entre as artes e aspira à unificação das práticas artísticas ou à utopia da assim chamada ‘arte total’.”6 (Parente e Carvalho, 2008)

Partindo destas ideias, podemos referir o conceito de “obra de arte total” que é abordado no contexto da Arte Digital. Texto, imagem, som e luz, são elementos centrais na estratégia de imersão do “espectador-u- tilizador”. O conceito tem uma ligação histórica com a concepção de “obra de arte total” desenvolvida por Richard Wagner, que entendia a ópera como uma conjugação de música, teatro, canto, dança, e artes plásticas. (Dixon, 2007)

Andy Warhol, em The Exploding Plastic Inevitable (1966), explora novas formas de apresentar performan- ces cada vez mais híbridas, combinando a música dos Velvet Underground com projeção de imagens so- bre os músicos e o público para criar um espetáculo audiovisual cada vez mais total. (Parente e Carvalho, 2008)

Figura 4 - Andy Warhol. The Exploding Plastic Inevitable, 1966.

Torna-se assim fundamental a presença do corpo do espetador no espaço da performance audiovisual, com o objetivo de criar uma experiência imersiva em que os sentidos visual e auditivo se complementam. Neste sentido podemos testemunhar as primeiras abordagens em relação à propriocepção em espaço expositivo, ou seja, quando o espectador toma consciência do espaço físico em seu redor. Podemos afir- mar ainda que esta relação entre o público e obra nos leva a questões fundamentais como a introdução do sentido háptico, ou seja, a importância do toque e de uma relação mais física relativamente aos dispo- sitivos, quer no contexto expositivo, como no nosso quotidiano.

O público faz agora parte do espaço expositivo, tornando a sua participação numa manifestação artística colectiva. Nesse espaço o espectador é convidado a agir e a alterar parte do trabalho artístico, enquanto se submete a uma experiência espacial.

Neste sentido, salientamos a importância dos movimentos de vanguarda de 1950s e 1960s, tais como Fluxus e a ideia de Happening desenvolvida por Allan Kaprow. Tal como Regina Cornwell explica em From

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the Analytical Engine to Lady Ada’s Art, Kaprow fala acerca da responsabilidade do espetador, eliminando a ideia de individualidade, colocando a audiência coletivamente no evento artístico. Numa altura em que novos meios de produção estão em forte expansão, pode-mos considerar os happenings como trabalhos “intermedia”, termo cunhado por Dick Higgins (também do movimento Fluxus), contextualizando este tipo de trabalho no momento sociocultural da altura, em que as barreiras entre disciplinas estão cada vez mais diluídas. Não se procura uma arte reduzida a um objeto, mas sim uma arte que passa pela experiência. Um evento situacional, que integra a arte e a vida, no mesmo momento. (Packer, Jordan, 2002, 27)

É igualmente pertinente referir o desenvolvimento do conceito site-specific neste contexto de experimen- tação e ter em conta as novas especificidades tecnológicas, em que a experiência artística se desvincula da ideia de espaço, passando a criar um diálogo entre a obra e o local. Propõe-se agora uma relação total com o espaço, com um tempo muito próprio. Rosalind Krauss em relação ao site-specific afirma:

“Seja qual for o meio utilizado...a possibilidade explorada nesta categoria é um processo de mapeamento das características axiomáticas da experiência arquitectónica - condições abstratas de abertura e fecha- das - sobre a realidade de um determinado espaço”.7

Poderemos identificar o uso destes conceitos a partir da obra de Jeffrey Shaw, tal como na sua primeira instalação, Emergence of Continuous Forms (1966), desenvolve uma série de ambientes no contexto do Cinema Expandido. Shaw expande o espaço expositivo através da projeção em múltiplos ecrãs semitrans- parentes, possibilitando à audiência alterar a sua forma através da interação física, já que os balões que compõem o ecrã podem ser enchidos, alterando a forma da imagem. Ele chamou a este novo tipo de experiências artísticas events.

Figura 5 - Jeffrey Shaw. Emergence of Continuous Forms, 1966.

Shaw refere: “Todas as minhas obras são um discurso, de uma forma ou de outra, com a imagem cinema- tográfica, e com a possibilidade de violar o limite do quadro cinematográfico - permitir que a imagem fique fisicamente para o espectador ou permitir que o espectador praticamente digite a imagem.”8 (in Duguet,

28, 29)

O processo de desmaterialização da arte sobretudo nas práticas participativas, inclui as transformações ocorridas no cinema que se materializam com o Cinema Expandido: a transformação da imagem. Que

7 “Whatever the medium employed...the possibility explored in this category is a process of mapping the axiomatic features of the

architectural experience – abstract conditions of openness and closure – onto the reality of a given space”.

8 “all my works are a discourse, in one way or another, with the cinematic image, and with the possibility to violate the boundary of

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tem agora características de superfície maleável e espaciais, estabelecendo assim novas relações com o espectador através da imagem.

Exemplo disso é outro trabalho desenvolvido por Shaw, Smokescreen (1969) em que aborda duas das questões fundamentais para este artigo: o espaço urbano como contexto da performance e a exploração de novas possibilidades de ecrãs como o fumo, que aqui se torna no principal elemento da performance. Este diálogo entre o espaço urbano (permanente) e o fumo (efémero), permite-nos estabelecer novas rela- ções com o contexto, elevando este tipo de experiência para uma relação entre a arte e a vida.

Figura 6 - Jeffrey Shaw. Smokescreen, 1969.

Podemos assim afirmar uma mudança de paradigma em relação ao cinema convencional, para um cine- ma de experimentação como foi o Cinema Expandido, aproximar-se de um universo mais artístico viria a ser fundamental para toda a experimentação a partir de 1960s. Nesta emancipação do cinema de uma vertente mais comercial, consideramos assim o Cinema como dispositivo, numa nova experiência em constante desenvolvimento no que se refere à reconfiguração da experiência cinematográfica, através do uso do espaço arquitectónico, e na utilização de vários ecrãs. Criam-se assim experiências muito seme- lhantes às artes performativas.

Neste sentido, Youngblood fala-nos das possibilidades futuras do Cinema Expandido, sendo uma delas o uso de imagens holográficas. Deixamos de usar apenas ecrãs convencionais, tornando o próprio espaço expositivo no próprio ecrã.

O cinema holográfico surge por volta de 1970s, desenvolvendo técnicas inovadoras, e conduzindo a novas experiências artísticas. Esta técnica explora a projeção 3D sem utilizar nenhuma superfície de projeção física, apenas a neblina (haze). Inicialmente são usadas formas geométricas simples devido à tecnologia existente na época, mas nos dias de hoje, podemos criar todo o tipo de imagens, sincronizá-las com o som, etc. Criamos assim na audiência um efeito de imersão através da integração do corpo na performance audiovisual.

“To reconstruct the image, another laser is directed at the hologram from the same position occupied originally by the reference beam. This beam emerges from the film shaped exactly in the form of the wave fronts reflected from the original object. A picture is formed that is identical with the object itself, in true three-dimensionality, requiring no lenses or polarizing glasses as in the stereoptic process used for so-cal- led 3-D movies”. (Youngblood, 1970, 403)

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Neste sentido, o uso da luz (através de projeção de imagens ou de laser) projetada sobre o fumo, cria uma dimensão holográfica. Como contributo essencial para estes desenvolvimentos teremos que salientar a obra desenvolvida por Anthony McCall, que se distanciou das técnicas clássicas do cinema, desenvolvendo o projeto Line Describing a Cone em 1973, que consiste no uso de luz projetada, em que explora as quali- dades escultóricas da luz no espaço tridimensional.

Figura 7 - Anthony McCall. Line Describing a Cone, 1973.

“Line Describing a Cone é o que eu chamo um filme de luz sólida. Trata-se do feixe de luz projetado em si, ao invés de tratar o feixe de luz como um mero portador de informações codificadas, que é descodificado quando atinge uma superfície plana”.9 (McCall, 42).

McCall descreve a experiência com a luz muito semelhante à relação física com a escultura: “The mem- branes of light are so palpable that spectators often test them by reaching out to touch them, even though there is only thin air. And yet, the planes of light are not an illusion: they are actually, I might say physically, present in three-dimensional space.” (McCall, 2014)

É também no final da década de 1960, que surgem os primeiros projetos que utilizam a tecnologia laser como meio principal em exposições e concertos, muito devido à colaboração entre artistas e cientistas, explorando as novas possibilidades visuais deste meio. Neste sentido analisamos algumas obras dos pri- meiros autores a utilizarem a tecnologia laser no contexto artístico, como Lowell Cross, Ivan Dryer e Rock- ne Krebs.

Lowell Cross, que em 1969 em parceria com o físico de lasers Carson D. Jeffries da Universidade da Cali- fórnia, explorou a tecnologia laser, apresentando uma instalação audiovisual em que utilizam vários lasers e que é apresentada no Mills College in Oakland, Califórnia. (Daukantas, 2010)

Na mesma altura, tornam-se fundamentais contributos como o de Elsa Garmire, já que também explora o potencial artístico dos lasers através do desenvolvimento de padrões mais abstratos, como também através da reflexão do laser em superfícies como o vidro ou o plástico. Garmire, estabelece assim a rela- ção entre arte e ciência, já que convida artistas para colaborarem no desenvolvimento de novos projetos. A colaboração entre Garmire e Ivan Dryer foram essenciais para o desenvolvimento desta técnica, já que estes viram no laser um potencial artístico que até agora não tinha sido explorado. As características que mais captaram a sua atenção estão relacionadas com a definição e com as cores intensas da própria

9 “Line Describing a Cone” is what I term a solid light film. It deals with the projected light beam itself, rather than treating the

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imagem. (Patricia Daukantas, 2010)

Em 1973, Ivan Dryer desenvolve o espetáculo audiovisual intitulado de Laserium e durante a década de 1970, apresenta-o em 46 cidades dos cinco continentes, fazendo do laser uma tecnologia bastante popu- lar, quer no contexto artístico como em eventos de carácter mais comercial.

Figura 8 - Laserium, 1973 – 2017.

Rockne Krebs, foi outro dos pioneiros no uso do laser. Nos primeiros projetos desenvolvidos durante a década de 1960, Krebs através de experiências em ambientes controlados e privados como galerias, estabelece no seu trabalho, uma relação com a escultura, através da luz (Chilvers, 1999). Na sua primeira exposição, Sculpture Minus Object, de 1968, na galeria de arte moderna de Washington, Krebs refere-se a este trabalho como uma exploração espacial em relação ao corpo que percorre a galeria, fazendo uso da luz como meio que define e explora a relação com o espaço.

Assim através do reflexo da luz em espelhos nos seis planos da sala, o autor inverte a experiencia da es- cultura mais clássica, fazendo com que o espectador possa percorrer o interior da instalação. Assim, as- sistimos cada vez mais a uma aproximação do que hoje chamamos de Espaço Aumentado”, relacionando a projeção da luz com a arquitetura, proporcionando à audiência uma experiencia mais imersiva.

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