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O PAPEL DO AZULEJO NA REGENERAÇÃO URBANA DA DOCA DOS OLIVAIS, EM LISBOA: DA EXPO ‘98 AO PARQUE DAS NAÇÕES

INÊS LEITÃO

Az – Rede de Investigação em Azulejo, ARTIS – Instituto de Históriada Arte, Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa

RESUMO

Nas últimas décadas, a arte tem vindo a trabalhar o espaço público no sentido da requalificação e regene- ração urbana e do compromisso social, sendo o azulejo, no contexto nacional, um dos protagonistas des- tes projectos de arte pública. O presente artigo centra-se na análise desta questão, procurando perceber de que forma o azulejo tem vindo a contribuir para a regeneração urbana em Portugal, utilizando como caso de estudo a Exposição Internacional de Lisboa (Expo ‘98), responsável pela regeneração da zona ribei- rinha Oriental da capital, bem como as intervenções posteriores que se registaram nesta zona da cidade, na sequência da Expo ‘98.

PALAVRAS-CHAVE

Azulejo; Arte Pública; Regeneração Urbana; Expo ‘98; Parque das Nações.

ABSTRACT

In the last decades, art has been working the public space towards urban requalification and regeneration, as well as social commitment being the azulejo one of the leaders concerning these public art projects. The Lisbon International Exhibition (Expo ‘98), responsible for the regeneration of the eastern riverside area of Lisbon, is an example of that. In this sense, the present paper focuses on this issue, trying to understand how the azulejo has been contributing for the urban regeneration in Portugal, using the Expo ‘98 as a case study, as well as the subsequent interventions in this area of the city.

KEYWORDS

Azulejo (tile); Public Art; Urban Regeneration; Expo ‘98; Parque das Nações.

INTRODUÇÃO1

Em Portugal, e certamente muito devido ao seu significado sócio-cultural - como herança patrimonial por- tuguesa -, o azulejo tem sido um dos protagonistas da arte pública e das intervenções em espaço público, sendo recorrente a sua aplicação em diversos equipamentos arquitectónicos, nomeadamente os que resultam das novas mobilidades urbanas (tais como, estações de transportes, estradas, viadutos, entre outros), ou em intervenções inseridas no âmbito dos grandes eventos culturais.

Todavia, e muito embora seja aplicado na esfera pública desde o século XIX, só a partir das décadas de 1960 e 1970 é que começou a ser pensado como elemento de arte pública, reinventando-se em “novas” aplicações e significados.2

1 Este artigo vem na sequência da minha dissertação de mestrado, A arte pública e a construção do lugar. A presença do azulejo

(1970-2013) (LEITÃO 2016).

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O presente artigo pretende reflectir sobre o modo como o azulejo tem vindo a ser um dos protagonistas da regeneração urbana em Portugal, utilizando como caso de estudo a Exposição Internacional de Lisboa (Expo ‘98), responsável pela regeneração da zona portuária e industrial da doca dos Olivais, e as interven- ções posteriores nesta zona da cidade de Lisboa. Espaço privilegiado de intervenção e planificação urbana de raiz, onde a azulejaria assumiu, novamente, o papel de um dos “principais intervenientes na estética do quotidiano citadino”, a Expo ‘98 permite não apenas discutir a importância do material cerâmico na actualidade como também perceber as diversas formas como este é entendido e usado pelos artistas, distinguindo dois tempos. Numa primeira fase, que corresponde ao evento propriamente dito, o azulejo foi protagonista de cinco das intervenções urbanas, inseridas no programa de arte urbana da Expo ‘98, e está presente nos edifícios de dois dos principais pavilhões da exposição (o Pavilhão de Portugal e o Pavilhão dos Oceanos, actual Oceanário de Lisboa). Um segundo momento, que cumpre os objectivos do evento, testemunha a construção e fixação de uma comunidade, assistindo-se à consolidação urbana des- ta área da cidade, transformada numa “nova centralidade metropolitana” (ROSADO, 2000:11), que cresce recebendo algumas propostas artísticas, onde perdura a presença do azulejo.

Para tal, optou-se por analisar separadamente cada um dos revestimentos cerâmicos realizados no âmbi- to deste evento, procurando esclarecer que intervenções contribuíram para a reestruturação do espaço, através de uma metodologia de identificação que privilegia a leitura da documentação existente, as me- mórias descritivas e o testemunho dos próprios artistas (em entrevistas, entre outros). Esta abordagem foi ainda complementada por um trabalho de campo que possibilitou analisar, de uma forma crítica, o comportamento do espaço em que as intervenções cerâmicas estão inseridas, esclarecendo se estas fomentam, ou não, a vivência dos locais, numa prática sustentada por Michel de Certeau.3

Por fim, pretende-se esclarecer qual é o actual estado do espaço que outrora acolheu a Exposição Interna- cional de Lisboa. Será que se tornou numa “nova centralidade metropolitana”? Continuará este a crescer e a recorrer ao azulejo?

Antes de avançar importa, todavia, esclarecer algumas questões relacionadas com o próprio conceito de arte pública. As intervenções artísticas em espaço público têm vindo a assumir, nas últimas décadas, um papel fundamental na regeneração urbana, humanizando a paisagem das cidades e, consequentemente, melhorando o quotidiano dos seus habitantes. Esta função, que a arte pública veio adquirindo ao longo da segunda metade do século XX, acrescentou uma dimensão social, urbana e política à sua definição tradi- cional, “de arte em espaço público”. Podemos destacar um conjunto de factores que estiveram na base desta alteração: a emancipação do observador, que se torna parte da intervenção artística e do próprio espaço; o surgimento de algumas práticas artísticas4 que começam a valorizar o espaço e os seus frui-

dores, pondo em causa os locais institucionais “da arte”, como museus e galerias; o debate em torno do conceito de espaço e, consequentemente, de lugar, que surge nos finais da década de 1960 e no contexto do qual alguns teóricos5 consideravam que “o espaço [era] socialmente produzido” através das vivências

quotidianas dos cidadãos (LEFEBVRE, 2008); e o próprio contexto político que se vivia à época.

pública muito próxima da sua definição “actual”, defendendo que os projectos públicos não se deveriam limitar a estar aplicados no espaço, mas a ser integrados neste, de modo a contribuir para a sua requalificação (LEITÃO, 2016: 13). Contudo, ainda faltava trabalhar a vivência do espaço, algo que só acontecerá nas décadas seguintes. A perspectiva progressista em relação a esta “nova” percepção da arte, no âmbito da produção azulejar, resulta certamente do debate internacional em torno deste conceito e de alguns acontecimentos nacionais, nomeadamente, a renovação da cerâmica de autor em Portugal, a afirmação do Movimento Moderno Internacional em Arquitectura (tendo como base as directrizes da Carta de Atenas (1933)), e o sur- gimento de equipamentos urbanos (como estações de transportes públicos, viadutos, entre outros) (ALMEIDA, 2009: 25-29; HENRIQUES, 2011: 27-28).

3 Este autor defende a experiência de caminhar como um processo de apropriação e leitura da cidade, que possibilita observar

as “experiências quotidianas nos espaços vividos” (CERTEAU, 2002: 97-102).

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Muito embora esta “nova” percepção da arte pública seja assumida, na contemporaneidade, pela maioria dos teóricos e artistas, não se pode considerar que haja uma única definição.

Na verdade, as diferentes abordagens, discursos e práticas de que a arte pública tem sido objecto torna este conceito complexo e pouco consensual. Se, por um lado, académicos como Malcolm Miles (1997), Antoni Remesar (2011) e Nicolas Whybrow (2011), defendem que a arte pública é um agente funda- mental para a requalificação e regeneração urbana através de intervenções que exploram a memória, a paisagem e os habitantes do sítio a ser trabalhado, por outro, existem autores como Suzanne Lacy (1996) que consideram que a comunidade tem que ter um papel participativo na construção da própria obra.6

Todavia, e apesar das diferenças, existe um entendimento comum entre os autores referidos, pois todos entendem esta prática como um meio de qualificação do espaço público, através de intervenções que es- tejam intimamente relacionadas com o local e os seus fruidores.

Deste modo, e considerando que este artigo pretende contribuir para a reflexão sobre a efectividade da arte pública como agente da regeneração urbana, no contexto da produção azulejar, optou-se por um entendimento da arte pública que se traduz pela seguinte definição: intervenções elaboradas para um de- terminado local público, em que os autores tenham trabalhado as suas características e dinâmicas com o fim de integrarem a obra na paisagem envolvente, tendo em conta as vivências dos seus utilizadores. Como propõe Vítor Correia:

“a arte pública desvela e revela um lugar, faz parte do quotidiano dos seus utentes, e simultaneamente produz como que uma suspensão desse mesmo quotidiano, transforma o espaço público em espaço real, povoado e diversificado, suprime um espaço inicialmente vazio para o tornar transformável e habitável. A presença da obra de arte no espaço público convida o espectador a imaginar como se pode dispor esse espaço, na situação que tem pela frente face a um local e a uma dada obra de arte, e como se podem mudar as distâncias vividas no espaço público” (CORREIA, 2013: 31).