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PARQUE DAS NAÇÕES: UM ESPAÇO REGENERADO?

O PAPEL DO AZULEJO NA REGENERAÇÃO URBANA DA DOCA DOS OLIVAIS, EM LISBOA: DA EXPO ‘98 AO PARQUE DAS NAÇÕES

PARQUE DAS NAÇÕES: UM ESPAÇO REGENERADO?

Como foi referido anteriormente, um dos objectivos da Expo ‘98 - regenerar a zona da doca dos Olivais -, parece ter sido cumprido, pois dezanove anos mais tarde é possível constatar que este local se transfor- mou numa zona habitacional, constituída por um aprazível espaço de lazer, junto ao rio. Se dúvidas houves- se acerca desta qualificação, bastaria atender à reorganização administrativa das Juntas de Freguesia, ocorrida em 2013, no contexto da qual o actual Parque das Nações16 passou a ser considerado como

uma freguesia autónoma do concelho de Lisboa devido ao seu crescimento habitacional e à dinamização cultural que se mantém. Mas será que as intervenções de arte pública, realizadas no âmbito da Expo ‘98, contribuíram para a consolidação da regeneração deste espaço?

Nos últimos anos, a maioria destas obras tem sido objecto de grandes críticas devido ao seu grave estado de degradação, que afecta a própria qualidade de vida dos espaços. No caso específico do azulejo, e em particular das obras com revestimentos cerâmicos que previam o melhoramento urbano, conclui-se que algumas partilham a degradação acima referida, sendo talvez a intervenção de Pedro Cabrita Reis a que se encontra em pior estado de conservação (Figura 16). Poderá esta obra continuar a contribuir para a vivência do espaço?

Figura 16 - Parque das Nações, Viaduto da Avenida Marechal Gomes da Costa, Pedro Cabrita Reis, 1998 [foto: © Inês Leitão].

16 Designação conferida à antiga zona de intervenção da Expo ‘98, que circunscreve todas as áreas que estiveram sob a admi-

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Outro local onde foram frustradas as intenções do seu autor é o emblemático Pavilhão de Portugal, que ficou ao abandono e sem nenhuma funcionalidade após a Expo ’98. Como o próprio arquitecto afirmou “a solução mais lógica, (...) [seria] demoli-lo”, embora esteja classificado como um edifício de interesse públi- co, desde 2010: “(...) é um bem público, embora com muito pouco público” (JORNAL DE NOTÍCIAS, 2013). Todavia esta situação alterou-se, em Agosto de 2015, quando o Pavilhão de Portugal passou a integrar o património da Universidade de Lisboa (U Lisboa) com o objectivo de receber iniciativas no âmbito da “(...) educação, investigação científica e cultura (...)” (UNIVERSIDADE DE LISBOA, 2015). Está prevista uma nova intervenção neste espaço para o adequar às suas novas funções.

No mesmo sentido da manutenção posterior que muitas destas obras exigem, encontra-se o Jardim da Água, cujo profundo estado de degradação em que se encontra desde 2013 (Figura 17), foi finalmente alterado com a intervenção de recuperação (Figura 18).

Figura 17 - Parque das Nações, Jardins da Água, Jardim da Água,

Projecto das Sombras, Fernanda Fragateiro, 1998 [em 2013] [foto: © Inês Leitão].

Figura 18 - Parque das Nações, Jardins da Água, Jardim da Água, Projecto das Sombras, Fernanda Fragateiro, 1998 [em 2016] [foto: © Inês Leitão].

Por outro lado, o crescimento desta zona da capital conduziu, naturalmente, à edificação de novos equipa- mento, como é o caso do Edifício do Mar (2011), do arquitecto Pedro Campos Costa (Figura 19). Construí- do no âmbito das obras de ampliação do Oceanário de Lisboa, o edifício oculta parte do revestimento cerâ- mico criado por Ivan Chermayeff, incluindo o tubarão que se dirigia frontalmente ao observador, e que era já considerado um ícone do Oceanário, “prejudicando a interacção original que se pretendia, entre a obra e o seu usufruidor, [assim como,] o seu objectivo de «unificar o paredão»” (Figuras 20 e 21) (LEITÃO, 2016: 74). Nesta medida, o projecto de Pedro Campos Costa não só prejudica o trabalho de Ivan Chermayeff, como compromete também o de Fernanda Fragateiro, que se situa na periferia do Oceanário de Lisboa.

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Figura 19 - Parque das Nações, Oceanário de Lisboa, Edifício do Mar, Toni Cumella Vendrell, 2011 [foto: © Inês Leitão].

Figuras 20 e 21 - Parque das Nações, Oceanário de Lisboa, Edifício Administrativo, fachada oeste, Ivan Chermayeff, 1996-1998 [vista do Oceanário de Lisboa antes e após da construção do Edifício do Mar],

[fotos: © Inês Leitão].

Curiosamente, esta articulação entre o Jardim da Água e a fachada cerâmica do Edifício do Mar, da auto- ria de Toni Cumella Vendrell (n. 1951), também propicia um jogo de reflexos que permite uma interligação e diálogo entre ambas as obras (Figura 22) (LEITÃO, 2016: 77-78). Esta dupla relação de conflito e har- monia acontece devido às intenções do ceramista espanhol em criar um revestimento que integrasse o Edifício do Mar no espaço e não perturbasse o percurso dos transeuntes:

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Figura 22 - Parque das Nações, Jardins da Água, Jardim da Água, Projecto das Sombras, Fernanda Fragateiro, 1998 [vista do Jardim da Água após da construção do Edifício do Mar], [foto: © Inês Leitão].

“(…) [Toni Cumella Vendrell] não podia conceber uma fachada brilhante ou colorida para um espaço em frente de uma extensão de água, porque iria ofuscar o sítio e provocar desconforto aos fruidores daquele local. Na sequência da preocupação do ceramista em integrar a obra na paisagem, este atribui à superfí- cie do imóvel uma linguagem orgânica através da forma que as placas cerâmicas sugerem, escamas de peixes. A associação que o revestimento cerâmico propõe vai ao encontro da própria identidade daquele espaço, um oceanário, funcionando o revestimento como uma toponímia do sítio (…)” (LEITÃO, 2016: 77). A obra de Toni Cumella Vendrell é um bom exemplo de como um revestimento cerâmico pode contribuir para a requalificação de um determinado sítio. Apesar de se integrar numa intervenção de maiores di- mensões com implicações directas nas obras circundantes com as quais dialoga, a intenção do artista espanhol em criar uma intervenção que respeitasse a dinâmica e a vivência do local fizeram com que este edifício não se tornasse tão intrusivo no espaço.

Após a Expo ‘98, o azulejo continuou a acompanhar o crescimento desta área da cidade, ainda que com intervenções que parecem limitar-se a estar no espaço público, como é o caso do revestimento cerâmico de Jorge Martins (n. 1940) para o Edifício do ECRAN17 (2000) (Figura 23). Nesta fachada, o artista pre-

tendeu representar “um grande – écran – que unificava os lotes de habitação subjacentes”, evocando, numa área do revestimento, os azulejos enxaquetados e de ponta de diamante (Figuras 24 e 25).

No mesmo sentido, observa-se o trabalho de Errö (n. 1932) para o Complexo Art’s Business & Hotel Centre18 (2004), em que o artista islandês inscreveu, ao longo de um paredão, personagens de banda

desenhada e de filmes de animação infantil, sob uma linguagem pop arte, tão característica do seu tra- balho (Figura 26). Ou ainda a obra Canto das Sereias (2006-2007), de Leonel Moura (n. 1948),19 situada

na entrada dos Edifícios gémeos Mar Vermelho e Mar Mediterrâneo, que é constituída por figuras de sereias (inspiradas nos nus femininos da pintura ocidental) e complementada por excertos das Odisseia de Homero

17 E um projecto do arquitecto José Troufa Real (n. 1941). 18 Edifício da autoria do arquitecto Frederico Valsassin.

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(que relatam a dificuldade de Ulisses em resistir ao “canto das sereias” na sua viagem de regresso a Ítaca), relacionando a obra com um universo marinho associado a esta zona de Lisboa (Figura 27). Muito embora tenha resultado de um concurso público, esta obra evoca, em 2006, a memória deste espaço que é novo, recuperando a temática da Expo ‘98 e a vivência do evento que aí decorreu subordinado ao tema dos ocea- nos e a todo o imaginário que o mesmo envolve, de que é exemplo a história de Ulisses.

Figura 23 - Parque das Nações, Edifício ECRAN, Jorge Martins, 2000 [foto: © Inês Leitão].

Figuras 24 e 25 - Parque das Nações, Edifício ECRAN, Jorge Martins, 2010 [evoca o azulejos enxaquetados e ponta de diamante], [foto: © Inês Leitão].

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Figura 26 - Parque das Nações, Complexo Art's Business & Hotel Centre, Jorge Martins, 2004 [foto: © Inês Leitão].

Figura 27 - Parque das Nações, entrada dos Edifícios Mar Vermelho e Mar Mediterrâneo, Canto das Sereias, Leonel Moura, 2006-2007 [foto: © Inês Leitão].