• Nenhum resultado encontrado

CINEMA INDIANO NO MUNDO: INFLUÊNCIAS, CRÍTICA E PÚBLICO

No documento Cinema híndi: cultura hindu e recepção (páginas 81-85)

2 O CINEMA INDIANO

2.3 CINEMA INDIANO NO MUNDO: INFLUÊNCIAS, CRÍTICA E PÚBLICO

Embora muitos filmes de Bollywood copiem desde encartes até roteiros inteiros de Hollywood, por vezes beirando o plágio, a estrutura narrativa do cinema popular indiano permanece notadamente distinta da do cinema ocidental. No cinema popular indiano, o espetáculo e a emoção geralmente têm privilégio sobre a narrativa, cujo enredo, geralmente simples, serve como pano de fundo para os dois primeiros elementos. Em um filme popular indiano típico, o roteiro funciona como um amálgama sobre o qual são misturados temperos de romance, musical, drama, comédia, ação, suspense etc., para formar a mistura masala. Os cineastas buscam fazer tal mistura na medida adequada para agradar ao público – com foco em proporcionar a ele um espetáculo com variadas e intensas emoções, e não no encadeamento e desenvolvimento dos elementos narrativos do enredo.

Como fica claro ao longo deste trabalho, essa estrutura do cinema popular indiano está alinhada com as demandas culturais do público indiano médio. Nesse contexto, o público índico com raízes culturais indianas frequentemente considera os filmes hollywoodianos monótonos, tediosos e desprovidos da capacidade de emocionar. Por conseguinte, os filmes estadunidenses exibidos na Índia são bem menos expressivos em termos de audiência que os filmes nacionais – as salas que exibem filmes hollywoodianos na Índia são frequentadas mais pelas classes médias educadas e pela parte mais ocidentalizada da população (SRINIVAS, 2002, p. 163).

Se, por um lado, a inserção de elementos ocidentais no cinema indiano ocorre com restrições, por outro, o próprio cinema índico encontra dificuldades para se internacionalizar. O cinema ocidental se beneficiou de séculos de colonização e neocolonização da América, da África e da Ásia, pois, por causa disso, encontrou no mundo uma cultura ocidentalizada, receptiva às suas obras. Ao mesmo tempo, se beneficia do fato de o inglês ser um idioma altamente disseminado no mundo. A Índia, ao contrário, estava do lado dos colonizados e o projeto de internacionalização

de seu cinema popular é relativamente recente. Além disso, o híndi, principal idioma no qual são feitos os filmes de Bollywood, é um idioma muito pouco compreendido no mundo inteiro e, na própria Índia, é falado por menos de metade da população, 41,03% do total (INDIAN..., 2017). Acrescenta-se a essa realidade o fato de que a Índia é um país com vários idiomas e que as indústrias de cinema nacionais produzem filmes cada qual principalmente no idioma da região onde estão sediadas. Por fim, comenta-se que alguns elementos recorrentes nos filmes indianos, como o machismo, contrastam com noções amplamente aceitas no mundo ocidental e ocidentalizado sobre o modo como os indivíduos em sociedade devem ser vistos e tratados e sobre o lugar que grupos de pessoas devem ocupar na sociedade.

Como afirma Perez Júnior (2013), o cinema indiano tem sido visto como uma novidade, devido aos esforços de internacionalização de Bollywood na primeira metade do século XX. Esse fato, considerando-se que o cinema indiano é um dos mais antigos do mundo, evidencia a barreira espessa que o separa das audiências ocidental e ocidentalizada. Mesmo com tal barreira, como afirma Bose (2007), atualmente, cineastas do cinema híndi contam com estreias internacionais e com lançamentos simultâneos de seus filmes no mundo todo. As causas dessa barreira, sejam aspectos culturais, seja falta de investimento sistematizado da indústria híndi em exportar seus produtos, foge do escopo deste trabalho.

Em termos de reconhecimento internacional pela crítica, o “cinema de arte” tem mais êxito que o cinema popular indiano, caso do cinema híndi. Notadamente, filmes do polo cinematográfico bengali figuraram em vários festivais intencionais, como o Festival de Cannes. Já os filmes do cinema popular indiano são muito premiados em nível nacional, principalmente os do cinema híndi. Apesar disso, o cinema popular indiano é frequentemente desprezado ou ignorado completamente pela crítica ocidental de cinema. Infere-se que isso ocorre em parte porque essa crítica está apoiada em pressupostos teóricos voltados para o cinema ocidental, que desconsideram o contexto sociocultural de produção e recepção dos filmes indianos, como comentado.

Como comenta Bose (2007), as possibilidades de globalização do cinema indiano podem ser muito pouco promissoras, considerando-se a ridicularização que

críticos contundentes dirigem a ele: Bollywood é um mero “aspirante a Hollywood”, que detém apenas 2% do mercado global; os preços dos seus ingressos são os mais baixos do mundo; nenhum vencedor do Oscar pertence ao subcontinente indiano; seus filmes são exibidos no exterior por cinemas decadentes, frequentados por expatriados da Ásia; enquanto um filme híndi é lançado com 600 cópias em média, um Godfather (1972), de Francis Ford Coppola, é lançado com 14.000 cópias.

Essas críticas, contudo, são no máximo verdades apenas parciais. Em primeiro lugar, Bollywood não meramente aspira ser como Hollywood. Como dito, embora o cinema híndi tenha buscado com frequência diversas referências no cinema estadunidense, sua estrutura geral visa atender ao gosto cultural do público indiano. Assim, o cinema híndi não persegue totalmente o modelo estadunidense como uma meta, mas sim adapta referências do cinema dos Estados Unidos à sua própria realidade cultural. Em segundo lugar, o cinema indiano a cada ano eleva o valor de seus ingressos (BOSE, 2007). Além disso, esse cinema já não conta apenas com a bilheteria, mas com uma rede de relações que faz com outras indústrias, notadamente a fonográfica. Dessa forma, atualmente o retorno que essa rede proporciona supera o valor auferido antigamente nos cinemas por meio de canais de distribuição convencionais (BOSE, 2007).

Em terceiro lugar, o cinema híndi, embora nunca tenha ganhado um Oscar, já foi indicado ao prêmio três vezes (DHANANJAYAN, 2014, p. 17). Um dos filmes indicados foi Mother India (1957), de Mehboob Khan, que perdeu por apenas um voto (HUDA, 2004, p. 101). Além disso, sendo um país no qual o nacionalismo é acentuado, a Índia tem uma espécie de “oscar indiano”, o National Film Awards. Particularmente, o cinema paralelo indiano já recebeu prêmios internacionais prestigiados, como alguns do Festival de Cannes. Em quarto lugar, a respeito de alcance internacional, cabe destacar que o cinema indiano tem público considerável em populações não expatriadas da Ásia. É preciso considerar também que ele é bem menos divulgado que o cinema hollywoodiano, que possui uma indústria mais organizada e sistemática em termos de marketing e distribuição. Em quinto lugar, em comparação com Hollywood, é fato que os filmes do cinema popular indiano são

lançados cada qual em quantidade menor de cópias; contudo, esse cinema lança mais títulos que Hollywood.

Os críticos sempre prestaram atenção no cinema indiano, lembra Bose (2007), comentando a respeito de Mother India. Nos dias atuais, grandes estúdios de Hollywood estabelecem filiais em Mumbai (BOSE, 2007) e lançam seus filmes na Índia, procurando tirar proveito do boom do cinema indiano, que cresce monetariamente ano após ano – devido à sua aliança com outras mídias, como televisão, home video, internet e telefonia móvel, à proliferação de salas multiplex e ao aumento dos preços dos ingressos. Alguns filmes tiveram sucesso fenomenal (BOSE, 2007); outros resultaram em grandes fracassos, por seu desarranjo com o gosto das audiências indianas. Além de lançar filmes voltados para o público indiano, Hollywood filma vários de seus filmes na Índia. Por tudo isso, e também por causa da ânsia dos produtores de Bollywood de lançarem seus filmes internacionalmente, as diferenças entre o cinema ocidental de entretenimento e o cinema popular indiano tendem a diminuir com o passar do tempo. Mas essa redução tende a ocorrer lentamente, já que fatores culturais costumam ser muito resilientes a alterações e mudanças culturais resultam de um processo muito lento (IVANOVIC, 2008, p. 22; PETTERSSON; ESMER, 2008, p. 4).

Como afirma Bose (2007), a fórmula do cinema indiano, baseada nos épicos clássicos hindus Ramayana e Mahabharata, está mudando. O autor lembra que novos e talentosos cineastas, a maioria com fortes referências ocidentais, desafiam a velha norma e trazem inovações, com filmes que rompem a fórmula e dispensam a presença de astros, performances musicais, enredos previsíveis e outras convenções do cinema popular indiano, citando exemplos como o filme híndi Kabul express (“Expresso Kabul”, 2006), de Kabir Khan. Esse filme, é preciso comentar, fez sucesso modesto na Índia21, o que mostra a resistência cultural da audiência indiana a novos formatos. Após realizar Kabul express, Khan fez outros filmes encaixados nos padrões da indústria híndi que fizeram grande sucesso de público, tais como Ek tha tiger (“Havia um tigre”, 2012) e Bajrangi bhaijaan (“Irmão Bajrangi”,

21

Kabul express (2006) teve um orçamento de ₹120.000.000 e uma bilheteria indiana de ₹164.800.000 (KABUL..., S.D.).

2015). Bollywood ainda está fortemente assentado na fórmula tradicional, assim como o cinema popular indiano como um todo. As inovações artísticas (e não meramente técnicas) no cinema indiano surgem mais em polos cinematográficos tradicionalmente mais voltados para a arte e sem tantas pretensões comerciais, como é o caso do polo bengali.

No documento Cinema híndi: cultura hindu e recepção (páginas 81-85)