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Catálogo das obras arquitetônicas, decorativas e devocionais de Miguel Archanjo Benício D’Assumpção Dutra

3.1 Circulação e difusão da manufatura artística sacra: a Fortuna Crítica

s estudos sobre a arte sacra paulista se restringiram, durante algum tempo, aos séculos XVII e XVIII. Da mesma forma, a nível nacional, a produção artística mineira recebia muito mais atenção do que a paulista. Por conta disso, as edificações em São Paulo eram vistas como esteticamente e arquitetonicamente inferiores156.

Nos anos de 1970 e 1980, podemos identificar sinais de mudanças nesse cenário. A partir dos trabalhos de Eduardo Etzel, vemos surgir uma nova perspectiva sobre esse tema. Etzel, assim, procurou demonstrar as particularidades da manufatura artística em São Paulo, sobretudo aquela relacionada à imaginária157.

Em suas obras, Etzel realiza um estudo sistemático da imaginária e religiosidade paulista. Do mesmo modo, ele também analisa minuciosamente inventários e testamentos. Etzel, a partir disso, demonstra que, em qualquer empreendimento dentro da colônia, a presença de elementos religiosos era determinante. Portanto, desde as bandeiras, que se organizavam com a presença de um padre e a invocação de um santo,

156

Essa constatação se deve, sobretudo, pela construção da crítica realizada.

157 ETZEL, Eduardo. Arte Sacra Berço da Arte Brasileira. Melhoramentos, São Paulo, 1984.

O

até a implementação de uma povoação, como São Paulo do Piratininga e Sant'Ana das Cruzes de Mogi das Cruzes, a religiosidade estava presente158.

Ainda sobre as contribuições de Etzel, devemos mencionar o levantamento iconográfico e iconológico monumental presente na obra Imagens Religiosas em São

Paulo159. Etzel, além disso, também desenvolveu algumas considerações sobre a formação da cultura em São Paulo. Para o autor, ao tratarmos das raízes culturais paulistas, não devemos deixar de considerar a influência dos franciscanos e, também, do trânsito existente, durante os séculos XVII e XVIII, entre São Paulo e a região da Prata. Por fim, cabe destacar que, segundo o autor, a arquitetura e a ornamentação nas terras paulistas se deram a partir de reminiscências do barroco. Essa interpretação acabou se tornando a chave interpretativa para a questão160.

Antes de comentarmos sobre o prestigiado trabalho do professor Percival Tirapelli, abordaremos uma pesquisa recente e ainda pouco comentada. Em sua dissertação de mestrado, intitulada Retábulos da cidade de São Paulo e arredores, em seu

desenvolvimento estilístico do começo do século XVII a meados do XIX, Ciro Grangeiro

realiza uma consistente análise sistemática sobre a talha paulista. Ademais, o pesquisador nos alerta — já em 1993! — sobre o estado precário da conservação das peças retabulares em São Paulo. Segundo Grangeiro, uma parte das peças já havia desaparecido ou, ainda, teriam sido ―vítimas‖ de restauros, no mínimo, questionáveis161.

O maior mérito da pesquisa, no entanto, foi iniciar a catalogação dos retábulos da cidade de São Paulo e seus arredores. Assim, Grangeiro trouxe, por meio de sua dissertação, uma nova perspectiva sobre a talha paulista. Chamamos a atenção para sua investigação sobre a talha de influência rococó e neoclássica. Esse repertório, durante as décadas subsequentes a 1850, se manifestou nas obras produzidas por Miguel Dutra.

158 ETZEL, Eduardo. op. cit., p. 67. 159

ETZEL, Eduardo. Imagens religiosas de São Paulo: apreciação histórica. São Paulo, SP: Melhoramentos: USP, 1971. 302p., il. Inclui bibliografia.

160Cabe mencionar, ainda, o estudo realizado por Lúcio Costa sobre arquitetura jesuítica no Brasil. Cf.:

COSTA, Lúcio costa. A arquitetura Jesuítica no Brasil. Revista do Patrimônio Histórico Artístico e

Nacional. Volume 5, 1941.

161

GRANGEIRO, Ciro Domingues. Retábulos da cidade de São Paulo e arredores, em seu

desenvolvimento estilístico do começo do século XVII a meados do XIX. 1993. [301]f. Dissertação

(mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP. Disponível em: http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/278647 . Acesso em: 8 jan. 2020.

No começo desse século, a compreensão sobre a arte sacra em São Paulo avançou consideravelmente. Com engajamento de Percival Tirapelli, obras importantes foram publicadas sobre o tema. Em 2001, o grupo Barroco Memória Viva lançou uma coletânea de textos sobre a arte sacra colonial162. Já em 2003, Tirapelli publicou Igrejas

Paulistas: Barroco e Rococó 163.

A coletânea, lançada em 2001, inaugurou os principais temários atrelados à arte colonial. Seu legado crítico foi extremamente importante, pois nos permitiu uma melhor compreensão da relação existente entre as artes sacras e as mais diversas áreas, como a arquitetura, o urbanismo, a ornamentação, a literatura e, também, a produção musical.

Compreendemos que a coletânea do grupo Barroco Memória Viva serviu como uma espécie de agenda para as pesquisas que se desenvolveram nos anos seguintes. Seu principal vetor foi, certamente, uma nova visão sobre o antigo critério apontado por Mário de Andrade, onde o histórico é valorizado em detrimento do artístico164.

A partir da coletânea, uma nova compreensão sobre a arte e a arquitetura paulista surgiu. Podemos citar alguns trabalhos importantes que partiram dos pressupostos estabelecidos na publicação do grupo Barroco Memória Viva. Temos, por exemplo, a pesquisa de Maria José Passos a respeito da imaginária retabular em São Paulo165 ou, ainda, a investigação de Eduardo Murayama sobre a pintura do Padre Jesuíno do Monte Carmelo166.

Além dessas pesquisas, outros pesquisadores contribuíram para os estudos das artes sacras em São Paulo. Os percursos metodológicos dos trabalhos de Daniele Pereira167 e Mateus Rosada168 permitiram não só uma revisão da historiografia do tema, mas

162

ARTE sacra colonial: Barroco Memória Viva. Coautoria de Percival Tirapelli. 2. ed. São Paulo, SP: UNESP: Imprensa Oficial, 2005. 287 p., il. ISBN 9798571396349 (broch.: Editora da UNESP).

163 TIRAPELLI, Percival. Igrejas Paulistas: Barroco e Rococó. São Paulo: UNESP: Imprensa Oficial,

2003.

164

Andrade, Mário de. A capela de Santo Antônio. Revista do Patrimônio Histórico Artístico e Nacional. v.1, 1937. p. 119-125.

165 PASSOS, Maria José Spiteri Tavolaro. Imaginária retabular colonial em São Paulo: estudos

iconográficos. 2015. 494 p. Tese (doutorado) - Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho,

Instituto de Artes, 2015. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/136748>. Acesso em: 13 jan. 2020

166

MURAYAMA, Eduardo Tsutomu. A pintura de Jesuíno do Monte Carmelo na Igreja da Ordem

Terceira do Carmo em São Paulo. 2010. 275 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista,

Instituto de Artes, 2010.

167

PEREIRA, op. cit., 2017.

também evidenciaram a pertinência da elaboração de inventários e catálogos sobre a temática em questão.

Tanto Pereira quanto Rosada, em seus levantamentos, fornecem peças importantes para a compreensão da arte sacra paulista. Pereira, por exemplo, apresenta um dicionário de artistas, dos quais muitos eram, até então, desconhecidos pela crítica. Rosada, ao analisar a arquitetura e a ornamentação em 120 igrejas de São Paulo, desenvolve uma nova interpretação da estilística e da técnica da talha e da arquitetura. A partir disso, ele identifica as influências presentes em cada obra.

Outra pesquisa importante foi realizada por João Paulo Berto.169 Em sua dissertação de mestrado, Berto analisa as liturgias da Boa Morte e do Bem Morrer, na cidade de Campinas, entre 1760 e 1880. Nessa investigação, Berto demonstra a importância das irmandades nas transformações sociais e urbanas. Além do mais, o pesquisador ainda analisa a constituição dos rituais e cerimônias devocionais, em São Paulo, relacionadas aos ritos fúnebres 170.

Cabe, por fim, mencionar a tese de doutorado171 defendida, recentemente, por Berto. Além de trazer novos elementos para a discussão sobre os bens culturais da igreja, a pesquisa também conta com um inventário e catalogação dos acervos paroquiais, da diocese de Limeira, que nos ajudaram a localizar algumas obras de Miguel Dutra.