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A Semana Miguel Archanjo Benício D’ Assumpção Dultra 2018: Novas perspectivas sobre Miguel Dutra

Catálogo das obras arquitetônicas, decorativas e devocionais de Miguel Archanjo Benício D’Assumpção Dutra

2.2 A Semana Miguel Archanjo Benício D’ Assumpção Dultra 2018: Novas perspectivas sobre Miguel Dutra

2018 foi um ano importante para os estudos sobre Miguel Dutra. Graças à iniciativa da Secretaria de Cultura de Itu, sobretudo do Departamento de Patrimônio Histórico e Cultural, Miguel Dutra retomou seu lugar no debate sobre a história da arte em São Paulo. Assim, por iniciativa do diretor de Patrimônio Cultural, Emerson Ribeiro Castilho108, a Secretaria de Cultura promoveu exposições, concertos e, também, um seminário sobre o artista. Em contato com a UNICAMP, Castilho nos convidou a integrar a curadoria do 25° Interfoto Itu, realizado em junho de 2018.

Para essa exposição, foram impressas, em papel Fine Art Canson, algumas obras de Miguel Dutra. Focamos, no evento, nos registros de ―tipos humanos‖ realizados pelo artista. É necessário mencionar que por causa dessa iniciativa as aquarelas de Miguel Dutra se tornaram acessíveis ao público em geral109.

Outro momento relevante foi o mês de celebrações em memória de Miguel Dutra, promovido pela Secretaria de Cultura de Itu. Por meio do seminário Miguel Dultra110 e

108 Museólogo formado pela Escola de Museologia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro -

UNIRIO (2008); Mestre (2012) e Doutor (2017) em Museologia e Patrimônio pelo Programa Pós Graduação em Museologia e Patrimônio - PPGPMUS - desenvolvido pela UNIRIO em parceria com o Museu de Astronomia e Ciências a Fins - MAST.

109 Os originais, pertencentes ao Museu Republicano, são de difícil acesso. 110

Por opção da organização do evento, o nome de Miguel Dutra foi referenciado a partir da grafia empregada pelo artista no documento manuscrito Depósito dos Trabalhos, datado de 1846.

a Cultura Artística Ituana: Registros do Passado e a Preservação para o Futuro, novas

leituras do artista foram apresentadas.

O seminário contou com convidados111 que enriqueceram o debate em torno da obra do artista. Além desse evento de divulgação da obra de Miguel Dutra, a Secretaria de Cultura também organizou três exposições: Miguel Dultra Revisita Itu — Releituras

de Luis Castañón, na Prefeitura Municipal de Itu, Miguel Dultra e a Alma Paulista,

realizada no Plaza Shopping Itu e, por fim, Miguel Dutra e a Itu do século XIX, no Espaço Ituano de Turismo e Cultura112. Para as exposições, a curadoria redimensionou os tamanhos das aquarelas originais. Além disso, também foi realizada uma readequação da escala tonal, a partir da régua de cores disponível nas aquarelas pertencentes à Pinacoteca do Estado.

111

Destacamos a contribuição da pesquisadora Dra. Anicleide Zequini, do Museu Republicano Convenção de Itu, do Dr. Luís Roberto de Francisco, Diretor e Pesquisador do Museu da Música de Itu, da Profa. Dra. Helena Uzeda, da UNIRIO, do Dr. Emerson Castilho Ribeiro e, também, do Prof. Dr. Marcos Tognon, do IFCH/UNICAMP.

112

As informações oficiais sobre as exposições foram divulgadas pela Prefeitura de Itu, podendo ser verificadas, na íntegra, no link: https://itu.sp.gov.br/miguelzinho-dutra-e-homenageado-com-tres- exposicoes/. Acesso em: 07 jan. 2020.

Figura 21. Arte de divulgação realizada pela secretária de cultura. Disponível em:

Somando-se a essas atrações de celebração da memória de Miguel Dutra, foi realizado, na Igreja do Bom Jesus de Itu, um concerto113 comemorativo onde as composições sacras de Miguelzinho foram executadas.

Durante esse período, também foi firmada a parceria entre a Secretaria de Cultura de Itu e o grupo de estudos Ornamenta, da Unicamp114. Um dos frutos dessa nova colaboração foi a exposição A representação da arquitetura em Miguel Dutra: entre o

estilo e a técnica, realizada no Hall da Biblioteca Octávio Ianni, em julho de 2019115.

113 As informações oficiais sobre as exposições foram divulgadas pela Prefeitura de Itu, podendo ser

verificadas na integra através do seguinte endereço http://jornalperiscopio.com.br/site/concerto-obra- sacra-de-miguel-dutra-sera-apresentado-na-igreja-do-bom-jesus/ . Acesso realizado em: 07/01/2020.

114 Grupo de estudos avançados de Arte Sacra no Brasil coordenado pelo Prof. Dr. Marcos Tognon. 115 As informações oficiais sobre a exposição, bem como a entrevista de curadoria foram divulgadas pelo

site da Biblioteca do IFCH, podendo ser verificadas na integra através do seguinte endereço

https://www.ifch.unicamp.br/ifch/noticias-eventos/biblioteca/exposicao-representacao-arquitetura- miguel-dutra. Acesso realizado em: 7 de jan. 2020.

Por último, devemos destacar que a chave interpretativa presente na exposição foi construída não só pelas informações obtidas em nossa pesquisa, mas, principalmente, pela tese de livre docência do professor Marcos Tognon. Em seu trabalho, Tognon estabeleceu um novo paradigma para a interpretação das obras de Miguel Dutra, onde os desenhos técnicos de Miguel Dutra se tornaram uma peça essencial para leitura de suas obras116.

Tais iniciativas, expostas acima, contribuíram consideravelmente para nossa investigação. Tivemos contato com outras abordagens sobre Miguel Dutra que destacavam, por exemplo, dados biográficos do artista, como seu ano de nascimento e até mesmo a grafia do seu nome. Através dessas análises, compreendemos que se tais elementos fossem esclarecidos, poderíamos demonstrar o alto valor técnico do repertório construtivo que o artista possuía os quais listamos a seguir:

 Valor técnico relacionado a composição construtiva das edificações.

 Conhecimento e domínio dos materiais empregados para as construções, sobretudo no canteiro de obras.

 Relação entre os padrões formais oriundos da tratadística arquitetônica, sobretudo na elaboração dos projetos de ornamentação retabular.

 Diálogo formal com a arte da prataria.

2.3 Revisão de uma biografia artística: Miguel Dutra e o “Officio d’ Archtectura”

Meo officio he Architectura, As regras deo-a Vignola:

Despomos de parábola Sobre a minha estatura.

Pensará q minha feição Causa alguma suspeição117.

116

TOGNON, Marcos. Estudo sobre a tradição, a técnica e o desenho do patrimônio edificado

brasileiro. Tese de Livre Docência, Novembro de 2018. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

(IFCH/UNICAMP).

117

DUTRA, Miguel. Miguel Archanjo Benicio Assumpção. Depósito dos trabalhos. Documento Manuscrito pertencente à Biblioteca Walter Way - Estação Pinacoteca, datado de 1847.

Benedito Lima de Toledo, em São Paulo: três cidades em um século, equipara a capital paulista a um palimpsesto. Para o arquiteto, a história da cidade, no século XIX, pode ser comparada a um imenso pergaminho, cuja escrita foi ―[...] raspada de tempos em tempos, para receber uma nova roupagem, de qualidade inferior, no geral‖118.

As transformações na cidade de São Paulo não se deram apenas no campo urbano. As edificações e os ornamentos arquitetônicos sacros também merecem destaque nesse processo. Atualmente, a história da arquitetura e ornamentação dos templos paulistas tem sido tema de notáveis pesquisas119. Com base nesse enunciado, nossa dissertação, ao privilegiar a obra arquitetônica, decorativa e devocional de Miguelzinho, se depara também com a necessidade de apresentação, reconstituição e — por que não — revisão da biografia do artista.

Através do contato com as fontes primárias e secundárias (manuscritos, processos judiciais e inventários), percebemos que a produção de Miguel Archanjo possuía relações culturais muito complexas. Como veremos nas próximas páginas, Miguel pertencia a uma cultura artística relativamente autônoma, da província de São Paulo, mas que, ao mesmo tempo, também se relacionava com a cultura luso-hispânica120. Como ponto de partida de nossa revisão, analisaremos a grafia do nome do artista.

Antes, no entanto, precisamos enfatizar que o que aparenta ser algo extremamente trivial, se apresentou, para nós, como uma questão relevante e que precisava ser problematizada. Pois, como demonstraremos a seguir, as variações em relação ao nome do artista foram apropriadas pelos críticos.

As variações gráficas do nome foram elencadas na tabela abaixo:

118 TOLEDO, op. cit.

119 ROSADA, Mateus. Igrejas Paulistas da Colônia e do Império: Arquitetura e Ornamentação. 2016.

Tese (Doutorado em Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo) - Instituto de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2016. doi:10.11606/T.102.2016.tde-30062016- 112001. Acesso em: 2018-09-28.

120

Sobre a relação ―porosa‖ entre a Espanha a Capitania de São Vicente ver: AMARAL, Aracy Abreu. A

Transcrição Imagem Natureza do Documento Ano

Miguel Archanjo Benicio Dutra Ata da Irmandade de São Benedito

de Itu

1835

Miguel Archanjo Benicio Dutra

Recibo de prestação de serviço – AMR

1835

Miguel Archanjo Benicio Dutra

Testamento de Thomas da Silva

Dutra – AMR

1835

Miguel Archanjo Benicio Dutra

Página integrante de Álbum pessoal

do Artista de 1841 – MP

1838

Miguel Archanjo Benicio Dultra

Recibo de prestação de serviço – AE

1840

Miguel Archanjo Benicio Dutra

Contas de Testamento de José Rodrigues Castanho; Feliciano Leite Pacheco - AMR 1843

Miguel Archanjo Benicio de Assumpção Dultra Depósitos de Trabalho - Manuscrito pessoal do artista - BWW 1847 Miguel A. B. Dutra Medalhão assinado pelo artista - APMJ 1853

Miguel Archanjo Benicio

Inventário de José Demétrio da Luz e Liberata Maria de Campos – AMR 1855

Miguel Archanjo Benicio Dutra

Juízo d’ausentes da cidade da Constituição – CCMW 1861 M.A. B. Dutra Projeto de Arquitetura Assinado – MPM 1865

Nota-se que as assinaturas do artista variavam bastante. Ora ele assina ―Miguel Archanjo Benício‖, ora ―Miguel Benício‖; temos ainda outras variações, como ―Miguel Archanjo Benício De Assumpção Dultra‖ e M.A.B. Dutra. Como nossa dissertação

apresenta um catálogo com as obras do artista, apresentar as variações de sua assinatura se tornou algo pertinente para nós.

Além disso, a revisão da biografia de Miguel Dutra também se tornou uma peça importante para nossa investigação. À medida que avançávamos na pesquisa, tais aspectos se sobressaíam. Diante disso, trataremos da sua biografia e, também, da sua atuação enquanto arquiteto.

Miguel Arcanjo Benício de Assumpção Dutra121 nasceu em 1812, em Itu, e faleceu, em 1875, na cidade de Piracicaba. Além de aquarelista, exerceu os ofícios de ourives, escultor e arquiteto. Sua produção artística é marcada pelo caráter itinerante e multifacetado. Por essa razão, suas obras e atuação são chaves importantes para a compreensão da dinâmica da arte paulista no século XIX.

Filho de Thomáz da Silva Dutra122 e Gertrudes Maria, Miguel foi, após o falecimento de seu pai, o principal responsável pelos bens da família. De acordo com Anicleide Zequini123, a família Dutra possuía uma quantidade considerável de bens e, também, grande capital cultural.

A partir dos dados apresentados por Zequini, notamos o quanto a atuação de Miguel Dutra foi marcada pela profissão de seu pai. Podemos observar essa influência, por exemplo, na profissão de ourives (exercida por ambos) e, na convivência com os religiosos de Itu, principalmente, os franciscanos, as carmelitas e os padres do patrocínio.

Com a produção do catálogo sobre a obra arquitetônica, decorativa e devocional de Miguel Dutra, pudemos fazer jus ao exercício de seu ofício como arquiteto,

121 Anicleide Zequine, pesquisadora do arquivo do Museu Republicano de Itu, apresentou dados de sua

pesquisa Miguel Dultra: texto e contexto da sociedade ituana do século XIX no seminário Miguel

Archanjo Benínio D’ Assumpção Dultra, ocorrido em 18 de agosto de 2018, promovido pela secretária de

cultura de Itu, e, também na XIII Edição do Encontro de História da Arte, da Unicamp. ZEQUINI, Anicleide. Cultura Artística Ituana: explorando o caso do Ourives Thomáz da Silva Dutra. Atas do XIII Encontro de História da Arte: Arte em confronto: embates no campo da História da Arte. Campinas, 2018. Disponível em: https:www.ifch.unicamp.br/eha/atas/2018/eha2918completo.pdf. Acesso em 15 jan. 2020

122

Conforme a investigação de Anicleide Zequini: ―Thomas da Silva Dutra era natural da Vila de Lorena, idade de 31 anos, filho de pai incógnito e de Isabel Maria; sua esposa Gertrudes Maria, natural da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Campo Alegre do Bispado do Rio de Janeiro (atual cidade de Resende, RJ), de 30 anos, filha de pai incógnito e de Thereza de Jesus, natural da Vila de Lorena‖

encarnador124 e entalhador, sendo que essa sua atuação, apesar de ser relativamente conhecida, foi pouco explorada. A nosso ver, isso se deu, sobretudo, as dificuldades de acesso aos documentos e às obras. Como ele trabalhou em diversas cidades de São Paulo, tanto para irmandades, quanto para particulares, encontrar seus trabalhos se tornou uma tarefa árdua. Para piorar essa situação, ainda temos casos de demolição, remodelação e até mesmo furtos de suas obras — trataremos disso no decorrer da dissertação.

A partir de nossa investigação, podemos notar o quanto o ofício de arquiteto foi uma constante na atuação profissional de Miguel Dutra. Como sinaliza a epígrafe desse tópico, o artista possuía domínio pleno dos conhecimentos da profissão, citando até mesmo Vignola. Miguel, assim, demonstra que refletia sobre seu ofício, além de deixar implícito que teve acesso a tratados de arquitetura. Da mesma forma, observamos, em sua documentação, que ele dominava os códigos e os cânones clássicos. Por exemplo, ele aplicava a escala de proporção e conhecia sistema de medidas e as ordens arquitetônicas. Também verificamos que ele compreendia o latim e sabia heráldica (Fig.