• Nenhum resultado encontrado

Catálogo das obras arquitetônicas, decorativas e devocionais de Miguel Archanjo Benício D’Assumpção Dutra

3.2 Itu como epicentro da religiosidade paulista

Notamos, a partir da fortuna crítica levantada, que a cidade de Itu teve um papel importante para a arte sacra paulista. Como apontam os estudos de Pereira e Murayama, Itu foi, a partir da segunda metade do século XVIII, um polo econômico e religioso em

169 BERTO, João Paulo. Liturgias da Boa Morte e do Bem Morrer: práticas e representações fúnebres na

Campinas oitocentista (1760-1880). 2014. 199 p. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de

Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP. Disponível em:

http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/279604 . Acesso em: 3 fev. 2020.

170

Apesar da pesquisa de Berto focar em outra região, ela pode nos auxiliar a entender a relação de Miguelzinho com a irmandade da Boa Morte, em Piracicaba, da qual era fundador.

171BERTO, João Paulo. História, gestão e preservação: os bens culturais eclesiásticos na diocese de Limeira-SP. 2018. 1 recurso online (403 p.). Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP.

São Paulo. Em função desses fatores, um número considerável de artistas circularam, na época, por Itu. Assim, segundo Aracy Amaral, com o desenvolvimento da economia do açúcar e com a presença das ordens religiosas172, as atividades artísticas na cidade se intensificaram173.

Os numerosos edifícios religiosos de Itu174 foram objeto de interesse de memorialistas locais. Podemos citar, entre eles, Francisco Nardy Filho175. Em sua obra, Nardy descreve as igrejas da cidade e também trata da importância dos párocos para o desenvolvimento urbano na região. Outro memorialista que devemos mencionar é Ângelo Zini. Segundo ele, a cidade foi um ―polo irradiador de cultura‖, pois teria contribuído para o desenvolvimento intelectual de São Paulo. Para Zini, os principais responsáveis pela instrução na cidade foram os membros de ordens religiosas, como os franciscanos, as carmelitas, os jesuítas e, posteriormente, no século XX, as irmãs de São José176.

Além desses trabalhos, temos outras obras que buscam valorizar o patrimônio histórico-cultural de Itu. Podemos citar o levantamento morfológico realizado por João Walter Toscano177 e, também, a pesquisa de Aracy Amaral sobre a hispanidade em São Paulo178. Além disso, não devemos deixar de mencionar a publicação de Jair de Oliveira e Luís Roberto Francisco, que busca difundir a importância de Itu para a história paulista179.

A partir da leitura dessas obras, podemos afirmar que a cidade de Itu concentrou parte dos vetores de formação da arte sacra em São Paulo. Notamos que, em um primeiro momento, havia uma maior concentração de artífices em Santana do Parnaíba e nos aldeamentos jesuíticos; em seguida, entre os séculos XVII e XVIII, eles passaram

172 A cidade, na segunda metade do século XVIII e século XIX, contava com a Igreja Matriz edificada, a

Igreja do Convento do Carmo, a Igreja do Senhor Bom Jesus, a Capela de Santa Rita, a Capela do Senhor do Horto, o Convento Franciscano, a Igreja de São Francisco, pertencente à Ordem Terceira, a Capela da Boa Morte, a Igreja de São João de Deus, a Igreja de Nossa Senhora do Patrocínio, o Convento de Nossa Senhora das Mercês e a Capela do Santo Sepulcro. Cf.: TOSCANO, João Walter, Itu/centro histórico:

estudos para preservação. Dissertação (mestrado), Universidade de São Paulo, São Paulo, 1981. p. 28.

173 AMARAL, 2004, op. cit., p. 428.

174 Cf.: ANDRADE, Mário de. Padre Jesuíno do Monte Carmelo. Ministério da Educação e Saúde.

Publicações do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n° 14, 1945.

175 NARDY FILHO, Francisco. A cidade de Itu. São Paulo, SP: [s.n.], 1951. 4 v. 176

ZINI, Scarpin Ângelo. Ytu: história de Itu. Itu, SP: Ottoni, 1995. 256 p. 139.

177 TOSCANO, João Walter. op. cit. 178 AMARAL, Aracy A. op. cit.,1981. 179

OLIVEIRA, Jair de. Memória de Itu / Jair de Oliveira, Hélio Chierighini e Luís Roberto de Francisco. Itu (SP): Gráfica Gavioli; 2011.

para o Vale do Paraíba; por fim, chegaram finalmente a Itu, devido à economia de açúcar na região. Consideramos, assim, que o crescimento econômico da cidade contribuiu para que Itu concentrasse a vida religiosa e política de São Paulo. Por isso, a monografia de Mário de Andrade, sobre o padre Jesuíno, vai além de um trabalho sobre a história da arte sacra ituana.

Posto isto, pode-se afirmar que o padre Jesuíno foi um dos responsáveis pelo desenvolvimento dos trabalhos de arte sacra que gravitavam ao redor Itu. Cabe ainda destacar que Jesuíno foi fundador de uma ordem religiosa autônoma, os Padres do Patrocínio, cuja atuação reforçava aspectos do padroado. Como veremos no trecho a seguir, da biografia do padre Jesuíno realizada por Miguel Dutra, o sacerdote também era próximo do padre Feijó:

Foi este sacerdote sempre muito devotado do Feijó, e com ele é que se confessava, indo de Itu a pé a Campinas levando em seus ombros um papagaio que estimava. Este grande Padre o mais devoto da Senhora do Patrocínio fez, por muitos anos, riquíssimas festas a Santa Virgem na Matriz, depois a muito custo principiou a Igreja da mesma Senhora, que já atrás descrevi, e não permitindo Deus que a visse concluída, faleceu de um estupor cuja perda será sempre chorada.

Foi sepultado no convento do Carmo, e depois que se prontificou a Igreja do Patrocínio, foi para lá transladado os seus restos, os que foram visitados por o Padre Feijó em 1842 quando dito Feijó foi pelo feroz governo desta data preso para a Corte por causa da revolução desta Província.180

Podemos notar que Miguel exalta a imagem do padre Jesuíno e sua devoção. Da mesma forma, também faz menção ao padre Feijó e a Revolução Liberal de 1842. Miguel Dutra, portanto, enfatiza tanto a trajetória política quanto a vida religiosa dos sacerdotes.

Diante do que foi apresentado, não surpreende o fato que Itu fosse um dos protagonistas da vida política, econômica e cultural de São Paulo. Carlos Gutierrez Cerqueira evidencia isso ao tratar da atuação de Joaquim Pinto de Oliveira, mais conhecido como Mestre Canteiro Thebas, na cidade. De acordo com a documentação encontrada por Cerqueira, Mestre Thebas seria o autor do Cruzeiro de Itu, datado do

180 DUTRA, Miguel. op. cit. 1847.

final do século XVIII181. A presença de um dos principais mestres do período colonial em Itu reforça o argumento da importância da cidade como centro religioso e artístico de São Paulo.

Outro estudo, promovido por Anicleide Zequini182, pesquisadora do Museu Paulista, também atesta a presença massiva de outros profissionais das artes integradas em Itu. Assim, de acordo com essa pesquisa, circulavam pela cidade os mais diversos artífices, como mestres taipeiros, ourives e entalhadores e outros ofícios que se manifestariam no decorrer do século XIX.

Com base nessas observações sobre a cidade de Itu e seu papel na religiosidade paulista, podemos compreender melhor a formação de Miguel Dutra. Criado nesse centro econômico, religioso e artístico, Miguel Dutra certamente manteve contato com artífices, que transitavam por Itu, e também com as ordens religiosas da cidade. Seu pai, como mencionado anteriormente, foi um ourives conhecido na cidade. Miguel Dutra, além disso, também foi amigo de Padre Feijó e realizou diversos trabalhos paras irmandades da região.

Por último, não podemos deixar de mencionar que os sacerdotes eram os principais mediadores do conhecimento das corporações de ofícios. Essa situação só se alterou no final do século XIX, quando o campo artístico começou a se transformar. Vemos, nesse momento, uma gradual necessidade de autoafirmação por parte dos artistas. A partir daí, o artista, através do domínio de um vocabulário erudito e da reivindicação autoral, se transforma também em um intelectual. Para entendermos essa e outras questões, nos guiaremos por meio das memórias de Miguel Dutra.

181

Carlos Cerqueira também indica, na mesma publicação, que o autor do retábulo-mor da Matriz de Nossa Senhora da Candelária de Itu seria o entalhador português Bartholomeu Teixeira. Cf.: CERQUEIRA, Carlos. G. Thebas em Itu: Sobre autoria do cruzeiro. Disponível em:

https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquiteturismo/11.120/6460. Acesso em: 13 jan. de 2020. É oportuno mencionar outra publicação sobre o Mestre Thebas: FERREIRA, Abílio (Org). Thebas. Um

negro arquiteto na São Paulo Escravocrata (abordagens). IDEA, São Paulo. 1° edição, 2018.

182 FONTOURA, Monsenhor Ezequias Galvão da. Os Padres do Patrocínio: Conferencias realizadas nas

sessões regimentadas de 5 de Março e 22 de Abril de 1919. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de

São Paulo. Volume XXVI, 1928. p. 173–200. Disponível em: http://ihgsp.org.br/wp- content/uploads/2018/03/Vol-26.pdf. Acesso em 14 jan. de 2020.