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Clarice: a fome insaciável por conhecimento derrubando obstáculos

4.1 HISTÓRIA DE VIDA E TRAJETÓRIA SOCIAL DAS PARTICIPANTES

4.1.5 Clarice: a fome insaciável por conhecimento derrubando obstáculos

4.1.5.1 História familiar

Clarice está com 45 anos, é mãe de dois filhos e a primogênita de dez filhos de um casal de nordestinos que vieram tentar a sorte em Brasília DF. Ela nasceu e morou até os 10 (dez) anos de idade no interior do Piauí. Seu pai veio primeiro para tentar encontrar emprego. Três anos depois, período em que o casal tinha seis filhos, sua mãe veio para a companhia do esposo com três filhos e os três que ficaram vieram posteriormente com uma tia. Seus pais alimentavam a esperança de retornarem à terra natal, por isso não matriculou os filhos na idade adequada. Somente em 1981, quando Clarice já estava com 12 (doze) anos, é que sua mãe a matriculou em uma escola pública da cidade do Gama DF, localizada próxima do barraco em que moravam.

As relações familiares permitiram com que os filhos crescessem em um clima harmonioso, de respeito e cooperação mútua, sustentado no diálogo e no incentivo à união de

todos como saída para o enfrentamento das dificuldades. Como irmã mais velha, desde cedo Clarice assumiu a responsabilidade de ajudar a mãe e cuidar dos irmãos. Mesmo sem estar na escola e com a tarefa de auxiliar da mãe, nas horas vagas ela tinha contato com livros, porque seu pai lia muito e lhe ensinou o alfabeto. Nas horas vagas ela brincava de escolinha com seus primos que já tinham algum conhecimento. Aos 17 (dezessete) anos, Clarice perdeu o pai e começou a trabalhar em casa de família para ajudar sua mãe nas despesas de casa.

4.1.5.2 História escolar

Clarice estudou pela primeira vez no ano que completaria 13 (treze) anos de idade, em uma escola pública do DF. Quando foi para a escola ela já conhecia as letras e os sons de todo o alfabeto, sabia escrever seu nome completo e tinha alguma familiaridade com os números, mas ainda não lia. No início de sua escolarização ficou receosa, com medo de ser discriminada em decorrência de sua diferença de idade com a de seus colegas que estavam entre sete e oito anos. Porém, com o passar do tempo, a forma de sua professora conduzir o trabalho rompeu com essas barreiras iniciais e a diferença de idade deixou de ter qualquer representação negativa no contexto de suas interações em sala de aula.

Clarice conclui sua alfabetização em menos de seis meses, sendo a primeira a aprender a ler em sua turma. Esse fato fez com que os colegas aproximassem mais ainda dela para serem auxiliados em seus processos de alfabetização. Seu desempenho também era incentivado pela professora que sempre a elegia para fazer alguma leitura em apresentações públicas na escola. Tudo isso contribuía para que ela perdesse a timidez inicial e se sentisse a vontade no ambiente escolar.

As recordações de Clarice sobre a forma como sua primeira professora relacionava com os alunos são muito positivas. Para ela a professora agia de forma muito respeitosa, elogiando em público e chamando atenção em particular. Levava os alunos a perceberem a confiança neles depositada e em contrapartida havia obediência por parte dos alunos para que a confiança não fosse quebrada. Porém, quando alguém rompia com o contrato estabelecido, ela não dava bronca, apenas dizia para a pessoa que não esperava tais atitudes.

Quanto ao processo de aprendizagem, a professora de Clarice organizava os alunos em fileiras expostos individualmente, passava a mesma atividade para todos mas autorizava que os mais adiantados, auxiliassem os que apresentavam maiores dificuldades. Os alunos mostravam respeito pela professora cumprindo todas as tarefas e mantendo-se em silêncio na sua presença.

Apesar de não ter tido dificuldades em alfabetizar, Clarice recorda que esta problemática existiu em sua turma e que os que não conseguiram avançar ficaram reprovados no final do ano, apesar da professora ter dado reforço no dia de sua coordenação (que era uma vez por semana), ter dado assistência individualizada em sala e propiciado a interação entre pares como recurso para que os mais experientes pudessem auxiliar os colegas menos experientes. Clarice recorda que alguns de seus colegas que tinham problema com as aprendizagens também apresentavam problemas de comportamento. Porém mesmo havendo esta problemática, a professora não dispensava tratamento diferenciado para ninguém.

Em relação às atitudes comportamentais de Clarice em sala de aula, era de total dedicação às aprendizagens, sempre buscando ir além do que a professora ensinava. Era muito solidária com os colegas, porque se destacava nas aprendizagens e sempre se dispunha a ajudá-los. Quanto à disciplina, Clarice aplicou o modelo da relação familiar em suas interações no ambiente escolar, em que ela e seus irmãos eram orientados a não perderem tempo com brigas entre eles e sempre serem solidários uns com outros. Outro fato que merece destaque para o delineamento de suas atitudes comportamentais foi o respeito que seus pais tinham em relação à figura do professor que, segundo Clarice para eles, suas ordens eram leis que precisavam ser acatadas sem questionamentos. Em geral, os pais de seus colegas também agiam de forma semelhante, o que fazia com que as questões disciplinares fossem bem mais fáceis de serem conduzidas do que na atual realidade.

4.1.5.3 História da escolha profissional

A escolha da profissão docente por parte de Clarice foi construída ao longo de sua trajetória pelas circunstâncias, principalmente de ordem econômica. Primeiro, seus pais moravam na zona rural no interior do Piauí, e até os dez anos de idade, ala não havia tido acesso à escola. Seu pai, com o sonho que embalava os retirantes de promover uma vida digna para a família, veio procurar trabalho na Capital Federal. O sonho do regresso à terra natal fez com que seus pais a deixassem sem estudar por quase três anos. Clarice se tornou o braço direito da mãe, mas encontrava tempo para alimentar o seu encanto pelo conhecimento, identificando com seu pai que, sendo um leitor assíduo, também foi seu professor lhe oferecendo as primeiras noções sobre a linguagem escrita. Ao entrar para a escola, Clarice se encantou com sua professora e desenvolveu uma “fome voraz de conhecimento”. Com a morte do pai, ela assumiu seu lugar no sustento da família. Passou a trabalhar como doméstica, mas não se abdicou dos estudos. Alimentando o sonho de encontrar uma profissão

na qual se sentisse melhor e pudesse melhorar a qualidade de vida da família, entrou em um curso profissionalizante de secretariado no Ensino Médio. Clarice se desdobrou trabalhando em casa de família durante o dia e estudando à noite para conseguir um estágio no qual ficou com a vaga. Após concluir o estágio, conseguiu permanecer na empresa, mas medidas governamentais fizeram com que a empresa entrasse em crise financeira e os novatos fossem dispensados. Nessa ocasião, Clarice conseguiu um trabalho de balconista em uma livraria. Sua patroa percebeu suas habilidades de secretária e Clarice passou a ser seu braço direito. Nessa função, passou a ter acesso em primeira mão a todo o acervo que entrava na livraria e passou a ser uma “devoradora de livros”. Apesar da responsabilidade que sua patroa havia lhe confiado, seu salário mal dava para manter as necessidades básicas de sua família, ficando a realização do sonho de entrar em uma universidade cada vez mais distante, já que os cursos oferecidos na instituição pública eram durante o dia e com seu salário não tinha condições de fazer um curso pago. Através de uma filial dessa livraria localizada na UnB, Clarice tomou conhecimento que havia sido aberto vestibular para curso noturno. Foi sua grande oportunidade esperada. Apesar de todos os contras, a negatividade dos que conviviam com ela, dizendo que não tinha a mínima chance, Clarice arriscou, fez a inscrição. Pedagogia foi o único curso oferecido no noturno e em nenhum momento anterior, havia feito parte de suas preferências profissionais. No entanto, ela não desperdiçou a oportunidade, e mesmo não sendo o curso de sua escolha, se dedicou aos estudos e foi muito influenciada por uma professora de sua formação e se identificou com a profissão procurando dar o melhor de si.

4.1.5.4 História da atuação profissional docente

Durante o estágio em pedagogia Clarice participou como monitora em um projeto de reforço escolar no Minas Tênis Clube, sendo este seu primeiro contato profissional com crianças e que aos poucos foi começando a delinear sua identidade de docente. Por razões financeiras, Clarice teve que sair do projeto conseguindo em seguida, um emprego em uma escolinha. Lá, ela ficou responsável pelas crianças do maternal e outra professora com formação em magistério dava aula para os maiores. Essa experiência, além do aprendizado sobre a profissão que estava adquirindo, também lhe causava muita satisfação em realizá-la. Paralelo a esta ocupação, ela fazia estágio em uma escola pública e acabou assumindo a condução da turma por um determinado período, experiência que ela considerou valiosa para o seu aprendizado. No segundo semestre do mesmo ano Clarice foi estagiar na modalidade Educação de Jovem e Adulto (EJA), o que para ela tratou-se de outra rica experiência. No

final do curso de pedagogia, Clarice foi convidada a assumir o cargo de coordenadora, desta vez em uma escola particular. Em 1997, fez o concurso para a carreira de professora na antiga Fundação Educacional, hoje SEEDF, tomando posse em 1998. Ao se apresentar em uma escola de Santa Maria DF, ela assumiu uma turma que foi “refugada” pelos professores que tinham direito de escolher turma. No ano seguinte assumiu uma Turma de Reintegração (TR) (turma do projeto oficial de correção de fluxo da época). Os alunos já estavam entre 10 e 14 anos e não estavam alfabetizados. Cansados de não obterem êxito, não interessavam por nada que envolvesse o aprendizado escolar, agindo de forma agressiva entre eles e de muito desrespeito para com ela. Clarice buscava em sua formação alguma coisa que a orientasse nesse trabalho, mas não encontrou. Decidiu que não desistiria deles e que tentaria encontrar meios de se comunicar com a turma. Encontrou o canal através de um vídeo que prendeu sua atenção. Aos poucos, Clarice foi conseguindo conquistar a confiança da turma e estabelecer acordos de convivência. A escola promoveu uma gincana e sua turma venceu tendo como prêmio um lanche especial. Porém para Clarice, o maior prêmio para eles foi a descoberta de que aram capazes, o que refletiu em progresso nas aprendizagens e na convivência, permitindo atingir excelentes resultados.

Depois dessa experiência, Clarice teve que mudar de escola, mas permaneceu em Santa Maria DF. Trabalhou dois anos com turmas de 3ª e 1ª série. Depois, assumiu o cargo de assistente pedagógica em outra escola, permanecendo por dois anos. Voltou para a docência nessa mesma escola e lá permaneceu por mais dez anos e este, é o segundo ano que trabalha na escola atual.

O estilo de relação que Clarice estabelece com seus alunos é totalmente enraizado no entrelaçamento das identificações com sujeitos de suas interações nos âmbitos, familiar, escolar, de formação e atuação profissional: a primeira identificação ocorre com a figura paterna que, ao mesmo tempo em que, a insere na cultura letrada ensinando as primeiras noções de escrita, lhe faz também nascer o desejo de aprender através de seus constantes atos de leitura. Por outro lado, ensina a enfrentar os conflitos por via do diálogo e as dificuldades através da união. Ao entrar na escola, passou a identificar-se com a professora que, valorizava seu potencial, se desdobrando para ensinar seus alunos. Estabelecia um vínculo de confiança com a turma, exigindo que os alunos se esforçassem para aprender, não dispensando tratamento desigual e fez com que as regras fossem cumpridas sem brigas e sem expor seus alunos.

Ao longo de sua trajetória social outras pessoas influenciaram na construção do seu perfil profissional docente como: a dona da livraria através de sua ética profissional; a

professora do curso de pedagogia através de seu envolvimento com a educação; a coordenadora da escola que confiou a ela a turma quando ainda era estagiária; a professora da EJA onde fez o estágio. Além destas influências, Clarice faz uso de sua própria história de esforço e superação para incentivar seus alunos a desejarem aprender.

Em relação à turma atual, trata-se de uma turma em que foram reunidos todos os alunos do 3º ano da escola que não estavam alfabetizados e a turma foi também refugada pelos demais professores. Como Clarice é nova na escola, tem larga experiência em alfabetização e já havia tido bons resultados com uma turma muito difícil, se propôs a assumir a turma. No entanto, não havia apenas alunos precisando ser alfabetizados fora da faixa etária, colocaram também alunos com diagnóstico que precisariam de um ambiente mais tranquilo em meio a alunos muito agressivos oriundos de contexto social e familiar de extrema vulnerabilidade. Trata-se de alunos com alto nível de intolerância, que têm suas desavenças na própria comunidade e trazem para o ambiente escolar. Diante de tanta adversidade, Clarice acaba ficando paralisada frente à realidade de sua turma. Tal situação leva Clarice a se desesperar. Há uma vontade de poder ajudá-los, mas não sabe o que fazer.

Quando Clarice assumiu a turma sentia que iria fazer a diferença para os alunos. E, mesmo com todo o desgaste do primeiro semestre, ela inicia o segundo ainda acreditando nessa possibilidade. Para ela, os alunos já apresentam certo progresso em termos de comportamento. Todavia, em relação ao processo de aprendizagem, o avanço foi mínimo. Clarice percebe uma total descrença da família na capacidade dessas crianças aprenderem. Elas justificam essa incapacidade como se tratasse de algo herdado, contentam com o mínimo e não investem em suas potencialidades. Entretanto, mesmo ainda não tendo encontrado um caminho para romper com essa cultura da impossibilidade tão interiorizada pelos próprios alunos, Clarice não perdeu a esperança e se recusa a acreditar que não há solução.

Quanto à condução do processo de aprendizagem, Clarice diz que, não é possível trabalhar da mesma forma com todos, porque suas necessidades são diferentes e ela repete o modelo de sua professora de alfabetização de explicar as atividades de forma geral e sentar com os que têm mais dificuldades. Para ela, entre os quinze alunos, quatro apresentaram um progresso maior, os demais ainda permanecem desinteressados. Ela se questionava no sentido de refletir se são suas aulas que não estão chamando suas atenções, mas, ao receber a colaboração de outros professores que desenvolvem atividades diferenciadas e dinâmicas, percebeu que eles têm o mesmo comportamento desinteressado. O único ambiente que eles demonstravam interesse é quando iam para a sala de informática, mas recusavam a fazer o que é programado. Então, Clarice estabeleceu um acordo, eles fazem o que ela programa e ela

libera para eles navegarem na internet. Assim, ela está conseguindo aproveitar melhor o tempo deles na sala com atividades educativas. Em relação às interações entre os alunos, Clarice diz ser bastante instável e dependente do que eles vivenciam anteriormente na comunidade.

4.1.5.5 Concepções sobre as dificuldades de aprendizagens

As características identificadas em seus alunos nas quais as dificuldades de aprendizagem são mais acentuadas foram: passividade diante das atividades cognitivas e motoras; inquietação e ausência de concentração; olhar distante e fala desconecta com a realidade vivenciada, intolerância a errar na atividade, recusando a continuar tentando e respondendo com violência. Para ela as principais características são a inquietação e a falta de concentração. Clarice observa que, se tratando de uma disputa em alguma luta corporal eles se sentem autoconfiantes, porém, quando se trata de aprender, há sempre uma forma de fugir e a autoconfiança fica totalmente soterrada.

Para Clarice, o principal aspecto que compromete a alfabetização de seus alunos é a questão do interesse, porque todas as outras questões estão relacionadas com esta. Para ela a falta de motivação, de interesse, leva os alunos a aceitarem fazer alguma coisa somente se for haver algum ganho de imediato e a educação é algo que se constrói a longo prazo.

Clarice entende que as questões de dificuldades de aprendizagens podem estar vinculadas às questões individuais do aluno, ao contexto familiar e social. Para ela, a pobreza da família, associada à falta de cuidados afetivos poderá causar problemas emocionais que afetarão as aprendizagens. Para Clarice, o professor não consegue enfrentar tal problemática sozinho, por isso o envolvimento da equipe escolar é fundamental.

DISCUSSÃO

5.1 1ª ZONA DE SENTIDO - POR QUE SER PROFESSORA?

Nesta zona de sentido, são discutidas as razões para a escolha da profissão de professora, observando como essas escolhas foram construídas ao longo de suas interações sociais, e as figuras de identificação que mais influenciaram objetiva ou subjetivamente as participantes na decisão pela profissão de docência. Inicialmente consideramos importante contextualizar as condições sociais das nossas participantes que, segundo todas elas, suas famílias de origem possuíam pouco recurso financeiro e suas figuras parentais eram trabalhadores simples e com pouca instrução. No entanto, nenhuma delas chegou a definir a que camada da população se identificaria.

Fátima é filha de uma professora primária e um vaqueiro no interior do Piauí:

Minha mãe estudou até a 4ª série, mas mesmo assim foi por muitos anos, professora de crianças no sítio em que morava. [...] meu pai era um vaqueiro muito respeitado pelos moradores da região. (FÁTIMA,

RELATO AUTOBIOGRÁFICO).

Mariana sempre estudou em escola pública porque seus pais não tinham condições de pagar escola particular:

Nós éramos quatro filhos, então não dava para pagar escola.

(MARIANA, ENTREVISTA).

O pai de Joice tinha problemas com bebida e sua mãe trabalhava no serviço de limpeza em uma escola:

[...] ela (a mãe) trabalhava na limpeza da escola. [...] Meu pai era alcóolatra e isso o deixava muito ausente. (JOICE, ENTREVISTA;

RELATO AUTOBIOGRÁFICO).

A família de Marluce tinha um padrão de vida razoável, mas em decorrência de problemas com bebidas alcóolicas do pai, tiveram que vender a casa que possuíam no DF e se mudar para o entorno do DF. Nesta ocasião, sua mãe precisou trabalhar como doméstica:

No início morávamos em uma excelente casa própria. [...] Meu pai bebia bastante e na maioria das vezes se tornava agressivo. [...] Ela (a mãe) trabalhou de doméstica. (MARLUCE, ENTREVISTA;

RELATO AUTOBIOGRÁFICO).

Meu pai veio para Brasília à procura de trabalho e minha mãe veio três anos depois. (CLARICE, RELATO AUTOBIOGRÁFICO).

Em razão de dificuldades econômicas de suas famílias, as participantes mudaram de curso no ensino médio com a promessa de trabalho garantido assim que concluísse o magistério, ou ainda engajaram no mercado de trabalho antes de concluir o ensino básico, porque foram muito cedo responsabilizadas pela complementação da renda familiar.

Marluce precisou trabalhar mesmo antes de concluir o Ensino Fundamental:

Mesmo cursando a 8ª série, comecei a trabalhar no Conjunto Nacional. [...] ajudava minha mãe financeiramente, já que a mesma

havia separado do meu pai. (MARLUCE, RELATO

AUTOBIOGRÁFICO).

Clarice, sendo a filha mais velha de dez irmãos, com a morte de seu pai, passou a ser responsabilizada pelo sustento da família já aos dezessete anos:

Aí quando ele (o pai) morreu, [...] passou a ter necessidade de trabalhar para ajudar no sustento da casa, [...] Aí eu fui trabalhar na casa de família durante o dia, e a noite eu fui fazer o meu 2º grau profissionalizante. (CLARICE, ENTREVISTA).

Influenciada pelas colegas que estavam fazendo magistério, Mariana mudou de curso no Ensino Médio com a expectativa de entrar no serviço público:

Eu estava fazendo outro curso e tinha umas colegas fazendo magistério e me chamaram. Elas diziam que era bom, que era mais fácil passar em um concurso. (MARIANA, ENTREVISTA).

As falas das professoras corroboram as pesquisas de Patto (2006) e Rodriguez (2008), acerca da mudança da origem social do professorado brasileiro. Para as autoras, com a expansão da acessibilidade à escola pública, amplia-se consideravelmente o número de alunos pertencentes à classe popular que chegam ao ensino médio, permitindo assim suas formações para a carreira do magistério. Assim, o ensino deixa de ser função de missionário, mas passa a ser uma profissão desvalorizada em razão da classe social daqueles que adentram à profissão. Para Patto (2006), além disso, sendo o professorado predominantemente feminino, com a mudança da origem social do professor, estas mulheres passam a buscar no exercício