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A escolha da metodologia qualitativa parte de um entrelaçamento da minha história pessoal e profissional com o objeto de estudo. Ao ingressar na carreira do magistério em 1989 na Rede Pública Municipal em Goiás, deparei com minha total incompetência no exercício das minhas atribuições. Julgando ser o problema fruto da má formação pedagógica e da falta de experiências, propus aliar minha atuação com a busca permanente de formação teórica e prática, para conseguir uma posição menos desconfortável para o exercício do magistério.

Em 1995, através de concurso público passei a pertencer ao quadro de professores efetivos da SEEDF. Desde então trabalho diretamente com crianças fragilizadas pelas mazelas sociais em uma região carente do Distrito Federal. Nesse contexto profissional, veio à tona a grande inquietação: aos alunos que mais dependiam da escola para sentirem-se pertencentes à cultura letrada, eram sonegados o direito de suas afiliações como usuários da linguagem escrita. Isso porque, eram barrados em seus processos iniciais de alfabetização. Diante dessa realidade, já em 1996, comecei a frequentar a formação de alfabetizadores na didática pós- construtivista promovida pelo Grupo de Estudo Metodologia Pesquisa e Ação (GEEMPA) do Rio Grande do Sul em parceria com o MEC e com a SEEDF. Nos primeiros anos minha participação nessa modalidade de formação continuada de professores se deu como aluna. A partir de 2002, tornei-me formadora em processo contínuo de orientação através de encontros regulares com a equipe de doutores dirigentes, além de seminários, simpósios e congressos com consultores nacionais e internacionais. A partir dessa formação, de 2000 até 2008, período em que trabalhei com turmas de alfabetização, todos os meus alunos se alfabetizaram ao longo do ano, embora as turmas fossem formadas por alunos vindo do lar, ou seja, frequentando a escola pela primeira vez com sete anos de idade e por aqueles que tinham experiência escolar, mas, não tinham se alfabetizado junto com seus colegas. Alunos estes, tanto do primeiro como do segundo grupo, geralmente portando um histórico social de privações materiais, cognitivas e afetivas.

Após consolidar minha prática verificando que os ‘problemas’ de origem social (familiar e cultural) poderiam dificultar, mas não eram determinantes no processo de aquisição do conhecimento relacionado à linguagem escrita, outro problema emergia no contexto da instituição escolar da minha convivência. Esse problema referia-se à forma como as crianças eram vistas pela instituição: como agressivas e violentas. Essas crianças, tendo experimentado o insucesso nas aprendizagens escolares e, possuindo histórico de negligência familiar, mesmo estando alfabetizadas, não eram reconhecidas como tal, a menos que demonstrassem desempenho igual ou superior aos alunos mais experientes na leitura. Nesse sentido, os que não correspondiam a essa exigência, eram interpretados por seus professores como quem ‘não sabia nada’. Esse lugar de ‘não saber’ determinado pela autoridade do professor, parecia produzir nesses alunos uma aceitação passiva, fazendo-os comportar-se e sentir-se como que se de fato não soubessem mesmo nada. Prova disso pôde ser constatada em um projeto que um grupo de estudo de professores do qual eu participava, elaborou e executou.

Para realizar o projeto acima mencionado, no mês de junho de 2005, fizemos o levantamento na escola com os professores de 2ª série, hoje 3º ano do BIA, com o seguinte questionamento: se o ano letivo terminasse hoje, quais alunos seriam reprovados por não saberem ler? Os nomes passados pelos professores atingiu um total acima de cinquenta. Com o nome dos alunos em mãos, realizamos a avaliação diagnóstica, convocamos os pais para comunicá-los do projeto e pedir a autorização. Depois desse processo conseguimos formar duas turmas somando quarenta alunos. Em agosto começamos as aulas. Após três encontros, era visível a diferença de seus desempenhos comparada com os apresentados na avaliação diagnóstica. Levamos a situação para ser analisada no grupo. Após uma calorosa discussão e observação, chegamos à constatação que não fomos nós que fizemos ‘milagres’ com os alunos. O que fizemos de fato foi encorajá-los a acreditar em suas potencialidades, reconhecer suas hipóteses ainda que equivocadas não como erro a ser corrigido, mas como fruto de um esforço mental imprescindível para quem deseja aprender de verdade. Dessa forma, sentimos que o nosso desejo de ensinar os alunos e o amor pelo processo de apropriação do conhecimento, convocou o aluno a desejar aprender e confiar em sua própria capacidade, deixando manifestar de forma consciente o que já haviam aprendido. O resultado desse investimento foi todos serem promovidos para a 3ª série, validado não só pelo olhar das professoras do projeto, mas também pelo reconhecimento das professoras de suas turmas de origem.

A partir dessa experiência, senti um profundo desejo de compreender o que acontece no intervalo entre o período que a criança aprende a ler e quando ela se reconhece autora desse conhecimento não sendo mais dependente do reconhecimento do mais experiente para designá-la um lugar de pertencimento à comunidade dos usuários da linguagem escrita. Motivada por esse interesse, a partir de 2009 passei a trabalhar com alunos de 3ª série, atualmente 4º ano, com perfis denominados pela instituição de indisciplinados e ‘menos capazes’ intelectualmente. Essa experiência trouxe à tona que, não só os alunos que não correspondem ao perfil determinado pela instituição e seus membros como não adaptáveis são indesejados na escola, mas também os professores que trabalham em sua defesa, vendo-os como sujeitos de direito. Isso porque, trabalhando com esses alunos e empoderando-os da legitimidade de pertencente ao espaço físico e das aprendizagens escolares, experienciei a hostilidade dos colegas, a pressão de pais de outros alunos e até mesmo perseguição por parte da gestão escolar.

Partindo do pressuposto de que o sujeito é produto de sua cultura constituído a partir de suas interações relacionais (sociais e culturais), e da implicação pessoal e profissional da

pesquisadora com o objeto de estudo, com o método e os referenciais teóricos apontados é que se desenvolveu esta pesquisa.

3.2 PARTICIPANTES

As participantes desta pesquisa foram 05 (cinco) professoras da Rede Pública de ensino do Distrito Federal que trabalhavam no período de coleta de dados com alunos do 3º ano do BIA, que já acumulam no mínimo dois anos em turmas de alfabetização sem terem alcançado êxito neste campo do saber. Consideramos como critério de exclusão, professores com menos de dois anos de experiência com turmas do 1º ao 3º ano do Ensino Fundamental. Este critério foi baseado na possibilidade de comparação da turma atual com a experiência anterior. Tal público foi localizado em escolas da área urbana da Região Administrativa de Santa Maria DF. A escolha da cidade se deu por sua população reunir critérios socioeconômicos compatíveis com os objetivos da pesquisa

As cinco participantes dessa pesquisa foram localizadas em três Unidades Públicas de Ensino (UPE) diferentes pertencentes à mesma Regional de ensino. Uma das escolas localiza- se na região sul e duas na região norte da cidade. A escola da região sul situa-se em um bairro identificado pelos dados da CODEPLAN como possuindo alto índice de vulnerabilidade social e, iniciou em 2013, a modalidade de ensino integral, passando por fases adaptativas em que a carga horária foi aumentando gradativamente até atingir o total de dez horas diárias. Nessa escola trabalhavam três participantes, todas recentemente chegadas à SEEDF, duas por via de concurso público e uma através de contrato temporário. Contudo, ambas atenderam os critérios de inclusão, uma vez que obtiveram experiências em turmas de alfabetização igual ou superior a dois anos na Rede Pública e/ou privada em outras localidades no entorno do Distrito Federal. Uma das participantes possuía apenas 02 (dois) anos de experiência em docência. Outra tinha acima de seis anos, sendo a maioria em escola particular em que ela era sócia. A terceira participante trata-se de uma professora que estava tendo a primeira experiência como professora efetiva na SEEDF, porém, já somavam 17 (dezessete) anos de experiência na Rede Pública Municipal no entorno do DF. As demais participantes, atuavam cada uma em uma escola da região norte, sendo professoras concursadas com acima de 15 (quinze) anos efetivos na Rede Pública do Distrito Federal. As participantes são do sexo feminino, com formação em pedagogia e declararam possuir origem social condizente com as características relacionadas às camadas populares.