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2.4 A HISTÓRIA DE VIDA DO PROFESSOR E SUA PRÁTICA DOCENTE

2.4.1 O papel social do professor e sua prática docente

Para Vygotsky (2007), o sujeito, tanto transforma a realidade, como é por ela transformado. Dessa forma, é importante compreender a história de ser professor, analisando o contexto sócio-histórico-cultural de sua formação, motivação para a escolha profissional, condições de atuação e como esta é afetada pela visão cultural de sua função social ao longo da história da educação.

Barroso (2004) afirma que, por muito tempo o professor foi considerado acima de qualquer suspeita. No entanto, na atualidade vem sendo alvo de várias contestações. O autor elenca uma série de golpes que atingem diretamente a imagem ‘inquestionável’ do professor que prevalecia até meados do século XX como: diminuição de seu prestígio, diluição de sua identidade profissional, questionamento da legitimidade do seu trabalho o que lhe transforma em bode expiatório. Para esse autor, o destino pessoal e profissional do professor está associado às sucessivas “crises” que atingiu a história institucional da escola.

Rodriguez (2008) pontua que, o ato de ensinar está inteiramente ligado à história do homem e sua produção como espécie, mas que a função de alfabetizar carregou ao longo da história um lugar de desqualificação. Isto porque, já na Grécia se adotava a divisão do ensino em três categorias: o ensino do alfabeto; o ensino gramatical; o ofício de pedagogo. E, embora todas estas categorias não fossem dignificadas, quem ensinava o alfabeto que corresponde hoje à alfabetização, era o mais desqualificado. Afirma Rodriguez (2008) que, este lugar de

menos valia, também foi reproduzido pelos romanos e transportado para os países latinos- americanos. Contudo, no auge da pedagogia agostiniana, a figura do professor adquire lugar de prestígio, por ser a ele atribuída a incumbência de transmitir os valores da sociedade, mudando a sua função de cumpridor de um mero ofício para o status de missionário.

Azanha (2004) afirma que, a escola que se tem hoje é uma novidade social e cultural. Portanto, o que se vive no cenário educacional, não se trata apenas de uma crise que exige adaptação às novas mudanças, mas sim de uma ruptura com o modelo anterior sustentado na relação pedagógica com o foco no indivíduo. Por um lado, na figura individual do professor cujo desempenho depende apenas de formação teórica, e por outro, na figura do aluno que deve ser motivado e esforçado.

No que se refere especificamente ao cenário brasileiro, a década de 60 foi fundante para o papel do sacerdócio do professor deixar de ser dominante. Com a entrada em massa no ensino fundamental, a concepção de relação professor-aluno em que, a imagem de ‘bom professor’ era definida por seu saber disciplinar a ser transmitido ao seu discípulo, passa a ser invalidada (Azanha, 2004). O contexto histórico passa a ser: de massificação do trabalho docente; aumento da escolaridade média da população; deterioração do salário e das condições de trabalho educacional. Com tudo isso, ocorre o desprestígio da função docente e a mudança na origem social dos professores. Quadro este que, configura o docente como um trabalhador dependente de sua condição de assalariado para a manutenção de suas necessidades e de sua família. (RODRIGUEZ, 2008).

Patto (2006), também remonta este fato histórico pontuando que, sendo o professorado predominantemente feminino, com a mudança da origem social do professor, estas mulheres passam a buscar no exercício do magistério uma forma de complementar a renda familiar e, mediante baixos salários, necessitam dobrar suas cargas horárias, ao mesmo tempo em que continuam exercendo suas funções como mães e esposas. Dessa forma, sobrecarregadas, não encontram forças suficientes para a execução de suas funções domésticas e de ensino, e nem espaço para o exercício da reflexão pedagógica, retomando a condição de executoras de tarefas escolares. Assim, o mestre missionário e apostólico deixa o palco que passa a ser encenado pelo “professor-trabalhador assalariado”.

Para Barroso (2004), naquela ocasião, o professor ainda encontrava-se em crise. Isto porque, sua função não respondia às expectativas e demandas sociais da contemporaneidade e sua figura se mantinha “no olho do furacão” como alvo de cobrança, debates e críticas. O autor afirma que, com a perda do status de professor acima de qualquer suspeita, este sujeito foi levado a desiludir-se de sua profissão diante dos sucessivos fracassos reformistas que

afetavam diretamente sua ação educativa com crianças e jovens, levando à perda de sentido de sua ação insuficiente diante da complexidade relacional e afetiva do contexto escolar.

Para Rodriguez (2008), a falta de qualificação condizente com o papel docente; as condições inadequadas de trabalho; os baixos salários; e o descrédito social, são matizes profundos que conotam em uma “desprofissionalização”, retroalimentando sua crise de identidade pessoal e social.

Nesse cenário que delineou a atuação do professor ao longo do percurso sócio histórico cultural do processo de transmissão do conhecimento, pode-se entender que esse professor, assim como os alunos oriundos de contexto desfavorecido socialmente, é relegado a um lugar social de menos valia. Exposto a condições de trabalho adversas, sem garantia mínima de atendimento às suas necessidades para o exercício do magistério cuja clientela carrega a marca das privações material, cultural, social e emocional; sem uma formação capaz de contemplar a complexidade que é a ação educativa; com baixos salários que o obrigam a uma jornada que o sobrecarrega; com o peso paradoxal da visão social de indivíduo que atribui ao professor o papel de ‘redentor dos desgarrados’ ao mesmo tempo em que o acusa de ser desqualificado, o sujeito professor tenta exercer sua função social quase sempre como executor de tarefas sem maior reflexão sobre o poder de transfomação social que a ação educativa pensada e executada coletivamente pode alcançar. (BARROSO, 2004; PATTO, 2006; RODRIGUEZ, 2008).