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3 O PROCESSO FORMATIVO ATRAVÉS DO EXERCÍCIO DE

3.15 NONA ATIVIDADE: A PERSONAGEM NO DRAMA

3.15.6 Classificação das Personagens no Drama

Antes de tudo, o condutor deve salientar que a classificação aqui apresentada não pode ser entendida como rotulação, mas sim como instrumento de análise de texto. A classificação é formada de pressupostos teóricos para servir à análise da obra dramática. A classificação baseia-se, originariamente, na teoria de E. M. Forster71.

Pode-se analisar o modo de criação das personagens através de dois graus – o de verossimilhança e o de complexidade. A verossimilhança deve ser entendida – etimologicamente – como a semelhança com o real. Este grau de verossimilhança é, logicamente, determinado pelo autor que decide a relação entre o “mundo fictício” de sua obra com o mundo à nossa volta.

Para a dramaturgia clássica, a verossimilhança é aquilo que, nas ações, personagens, representações, parece verdadeiro para o público, tanto no

71 Romancista e crítico inglês, que em 1927 escreve Aspects of the novel, onde imortalizou-se pela sua classificação de personagens em flat – plana, tipificada, sem profundidade psicológica – e round – redonda, complexa, multidensional. (BRAIT, 2000, p. 40)

plano das ações como na maneira de representá-las no palco. A verossimilhança é um conceito que está ligado à recepção do espectador, mas que impõe ao dramaturgo inventar uma fábula e motivações que produzirão o efeito e a ilusão da verdade. Esta exigência do verossimilhante (segundo o termo moderno) remonta à Poética de ARISTÓTELES. (PAVIS, 2005, p. 428)

Ainda precisa ser notado que a verossimilhança pode ser considerada como externa e interna. A verossimilhança externa é o grau de aproximação com o chamado mundo real. Uma personagem terá maior verossimilhança externa quanto maior for sua credibilidade, levando-se em conta os fatores da realidade. Já a verossimilhança interna é uma qualidade que a personagem possui quando convence, por ser provável no universo ou no sistema da obra dramática. Sobre a verossimilhança interna, assim disse Aristóteles em sua Poética: “melhor é o impossível, mas crível, do que o possível, mas incrível”.

O outro grau que possibilita uma análise para o modo de criação das personagens é o grau de complexidade. Este grau de complexidade será dado pelo autor, na riqueza da caracterização com que este compõe a personagem. O autor ao construir suas personagens vai atribuindo a cada uma delas, uma maior riqueza, um maior número de informações que a caracterizam. Desta maneira, as personagens se diferenciam pela abordagem oferecida pela criação do autor.

Pode-se dividir as personagens, por seu grau de complexidade, em personagens simples e personagens complexas. Ou, segundo E. M. Forster, em personagens planas e redondas. Sobre tal classificação, vejamos o que diz a Profa. Dra. Beth Brait:

Segundo Forster, as personagens, flagradas no sistema que é a obra, podem ser classificadas em planas e redondas. As personagens planas são construídas ao redor de uma única idéia ou qualidade. Geralmente, são definidas em poucas palavras, estão imunes à evolução no transcorrer da narrativa, de forma que as suas ações apenas confirmem a impressão de personagens estáticas, não reservando qualquer surpresa ao leitor. Essa espécie de personagem pode ainda ser subdividida em tipo e caricatura, dependendo da dimensão arquitetada pelo escritor. São classificadas como tipo aquelas personagens que alcançam o auge da peculiaridade sem atingir a deformação. [...] Quando a qualidade ou idéia única é levada ao extremo, provocando uma distorção propositada, geralmente a serviço da sátira, a personagem passa a ser uma caricatura. [...] As personagens classificadas como redondas, por sua vez, são aquelas definidas por sua complexidade, apresentando várias qualidades ou tendências, surpreendendo convincentemente o leitor. São dinâmicas, são multifacetadas, constituindo imagens totais e, ao mesmo tempo, muito particulares do ser humano. (BRAIT, 2000, p.40-41)

A partir desta classificação, entre simples e complexas, nota-se ainda que as personagens simples se dividem em: tipo e caricatura. Já as personagens complexas se dividem em: indivíduo e arquétipo. Um simples esquema gráfico que explicita esta sub- divisão: CARICATURA PERSONAGEM SIMPLES

TIPO INDIVÍDUO PERSONAGEM COMPLEXA

ARQUÉTIPO

Apresenta-se, primeiro, as características que diferenciam as personagens em simples e complexas. Após a exposição das características, faz-se a comparação entre elas, no intuito de facilitar o entendimento. São características das personagens simples:

• Não se modificam ou pouco se modificam no decorrer da ação. • Os acontecimentos passam por eles.

• Não mudam seu mundo interior, sua percepção de mundo, sua conduta. • Não existe uma força adquirida no decorrer da ação.

São características das personagens complexas:

• Uma personagem será complexa, quanto maior for a profundidade de sua análise psicológica, quanto maior for a riqueza de elementos que a caracterizam, quanto maior for a importância de sua função na intriga.

• Exigem reflexão do leitor/espectador, porque estão inseridas no centro dos acontecimentos, transferindo para o leitor/espectador o seu conflito.

• Apresentam uma transformação, portanto, se modificam no decorrer da ação. Os acontecimentos a marcam profundamente – a personagem é uma no início e outra no final – modificam seu mundo interior, sua percepção de mundo, sua conduta.

• Toda tensão é interna, ou seja, todo o seu “aprendizado” dá-se na intriga, no decorrer da ação.

entre personagens simples e complexas está na “transformação”, na modificação destas personagens. Uma personagem simples participa da intriga, mas não se afeta diretamente com os acontecimentos. Já a personagem complexa tem seu “mundo interior” modificado pela intriga. Ambas as personagens participam do conflito, se posicionam, agem; mas somente a personagem complexa se dá conta da sua modificação, do seu “aprendizado”. Este viés da mudança de percepção, de conscientização, é a grande chave na análise.

A personagem complexa demanda mais dados do autor, pois sua caracterização precisa ser detalhada. Ela se configura, se revela no decorrer da ação. Nenhuma personagem “nasce” complexa, é o decorrer da trama que vai definindo esta condição da personagem. Seu grau de complexidade vem da ampla exposição do seu interior.

Contudo, isto não determina que uma personagem simples não participe ativamente de uma intriga. A questão reside na “percepção de mundo”. Uma personagem simples pode estar presente em toda trama, mas sua capacidade de reflexão sobre os fatos ocorridos será ínfima – ou específica a um desejo, uma vontade. Em um momento de tensão a personagens simples podem apresentar os mais diversos sentimentos – medo, surpresa, raiva, angústia... – e reagir aos diversos obstáculos que se apresentem. Mas, terminada a situação ela retorna à mesma visão de mundo anterior.

As personagens simples existem por uma necessidade da trama, existem para participar das situações vividas pelas personagens complexas. Tal afirmativa pode parecer diminutiva, mas deve ser encarada pela ótica da funcionalidade dramatúrgica. Não se trata de uma questão de importância ou de valor das personagens. Faz-se esta ressalva, pois é muito comum ouvir em conversas de atores que tal personagem é “muito pequena”, “não vale a pena” e outras considerações. Não se trata disto. Para tanto, deve ser claro desde o começo que a classificação não rotula personagens, mas sim ajuda a compreendê-las; são instrumentos de análise do ator para conhecer a função de sua personagem dentro da dinâmica da obra.

TIPOS e CARICATURAS:

Vejamos agora as características que diferenciam as personagens simples entre tipos e caricaturas. O mesmo método de apresentar primeiro as características, para depois, estabelecer uma comparação entre elas será utilizado. São características das figuras72 tipos:

72 Termo neutro, também utilizado para designar tipos e caricaturas. Em seu uso, parte-se do entendimento de que a noção de personagem é oposta à de tipo e caricatura. Nessa idéia, um bom ator desenvolve a figura, aproximando-a de uma personagem. Já o ator menos dotado permanece na mesma figura – tipo ou caricatura – com suas marcas de estereotipia.

• São personagens que apresentam características dominantes que o configuram.

• Tais traços dominantes representam uma série de figuras, tais como: traços sociais, de profissão, de localidade (região), traços comportamentais, idade, emocionais, físicos, etc.

• Possuem alto grau de funcionalidade.

• Possuem traços de individualidade para ter um cunho crível. São características das caricaturas ou figuras caricaturais: • Caricatura é o tipo exagerado, a tipificação exagerada.

• Possui um traço dominante tão ampliado que deforma sua identidade.

• Transmite uma informação rápida, um signo repleto, de fácil leitura e que não exige maior reflexão do leitor/espectador.

• Por conta desta rápida compreensão, são personagens que exercem forte atração com o público.

Pela simples descrição das características, é possível perceber que a personagem tipo é uma “evolução” da personagem caricatural. Grifa-se esta expressão “evolução” para ratificar nela apenas o cunho de maior “riqueza de caracterização” e não de valor. Nota-se, à primeira vista, claramente, que não se trata de personagens com complexidade psicológica, mas sim de funcionalidade. Elas representam algo, são oriundas de agrupamentos e carregam prévios julgamentos que já são destinados a determinado “grupos de pessoas”. A ênfase das suas características não reside nas marcas individuais, mas na generalização delas. Ao deparar-se com uma personagem simples, a primeira leitura se refere aos atributos gerais que elas carregam.

Por conta disto, pode-se dizer que o tipo é uma figura entre a caricatura e o indivíduo, já que guarda em si características gerais e individuais. Note-se bem a personagem simples: seu arcabouço principal são suas características dominantes; características que configuram e representam uma série de indivíduos.

Para exemplificar melhor, desenvolvo aqui, um exercício de ficção. “Desenha-se” uma figura que seja: um homem velho (idade), paupérrimo (social), mendigo (profissão) e bêbado (comportamento). Já está formado um “rascunho” de uma personagem, criada a partir de poucos e grossos traços. Temos uma caricatura: eis aí o velho bêbado que pede dinheiro. Mais à frente, ampliaremos suas características, mas, por ora, note-se que a figura possui estes

traços tão ampliados – bêbado, velho e pedinte – tão marcantes, que tais traços chegam a deformar sua identidade. Só é possível esta compreensão, esta leitura: é um velho mendigo bêbado! Atenção ao artigo masculino indefinido – se é “um”, poderia ser outro qualquer – ao mesmo tempo, por não ser “o”, acaba sendo mais do que um, se torna genérico.

A leitura máxima que é feita é “um bêbado velho que vive pedindo”. É um tipo que teve esta característica tão exacerbada em sua construção que deixa de ser tipo e é caricato. Só pode ser compreendido, lido, dessa forma rápida. Nem interessa ser particularizado, pois sua leitura deve ser assim. E, justamente, por ser entendido pelo leitor/espectador o agrada facilmente.

Algumas encenações utilizam estratégias de fácil leitura para a platéia – uma circunstância da atualidade, por exemplo. Ao compreender a significação, o público manifesta na hora um sinal de aprovação – geralmente, o riso. Isto se dá, pois o público corporalmente diz: “entendi o que você quis dizer”. A mesma circunstância se aplica ao apelo da caricatura com o público. O público a compreende rapidamente, já sabe o que ela quer significar, quem representa. Por isto, é tão belo presenciar quando uma personagem é apresentada ao público como caricatura e, ao longo da trama, ela evolui para tipo, e deste, por vezes, a uma personagem-indivíduo.

A caricatura, portanto, não é uma “personagem menor” por ter características exageradas. Esta é sua natureza de criação, foi criada como tal, e funcionará na encenação deste modo. Cabe ao ator perceber sua estrutura e apresentá-la com a devida coerência. Não adianta o ator querer buscar um “caminho interior” para o desenvolvimento da personagem, já que ela é formada muito mais pelo seu “exterior”, pelo que se “espera” dela.

Outro ponto importante a ser destacado é o quesito tempo. Já foi dito que a caricatura é uma informação rápida. Normalmente, seu tempo de exposição na trama é curto. Esta situação, muitas vezes não é percebida por alunos-atores em exercícios de improvisação. O aluno não percebe que esta “qualidade de interpretação” não sustentará um tempo maior de exposição. Desse modo, ele agrada no início do improviso, mas não percebe que suas qualidades tornam-se insustentáveis com o decorrer do tempo na improvisação.

Para concluir a abordagem com a personagem caricata, vale a pena o condutor rever a idéia de que esta só se aplica à comédia, farsa ou sátira. Evidentemente, a incidência de caricaturas em textos desta natureza é muito maior – soberana – contudo, nada impede a existência de caricaturas em dramas ou em textos sem qualquer vínculo com o cômico. Basta

que se pense em personagens que apareçam na trama com funcionalidade precisa, em pouco tempo de exposição e que possuam um traço forte deformante – exemplos: um policial violentíssimo, um homem extremamente vulgar... O uso dessas caricaturas não trará nenhum riso, mas não deixa de revelar personagens caricaturais – mesmo não sendo engraçadas.

Voltemos a tratar da figura tipo ou personagem típica. O tipo conjuga em sua concepção características dominantes – gerais – e traços de individualidade – únicos. Retorne-se ao exemplo prático: recordemos do nosso fictício velho bêbado. Imaginemos agora que o texto dramático aprofundou sua caracterização, colocando-o como: um homem velho (idade) que pede dinheiro (social e profissão), sempre bêbado (comportamento) na porta da única igreja de uma cidadezinha do sertão da Bahia (região, localidade). Contudo, o velho “Sebalena” (apelido/nome – característica individual) tem o privilégio de conhecer cada habitante da pequena cidade, pois é seu morador mais antigo, “carinhosamente” alcunhado de “aquele que nunca morre” ou “conservado em álcool e formol”. O velho Sebalena intriga os moradores da pequena cidade com suas perguntas inconvenientes e irônicas... E assim, poderíamos seguir neste exercício de imaginação e referências sobre esta personagem típica.

Atente-se agora para o fato de que a personagem foi tomada de traços individuais. A partir dessa nova construção, ele não é mais “um velho bêbado que pede”, agora ele é: “o bêbado Sebalena”. Está muito mais fincado ao contexto que a obra apresenta. Continua possuindo as características gerais, mas adquiriu traços próprios, individuais. Mesmo que seu “mundo interior”, seu “psicologismo” não seja necessário ao desenvolvimento da trama, ele funciona muito mais por conta daquilo que ele é e representa. Daí o chamado “alto grau de funcionalidade”, pois a figura executa muito bem uma função dramática. Sua simplificação é necessária à obra dramática.

Sendo assim, sua possibilidade de leitura para o espectador se amplia: ele é “o” bêbado específico. O artigo masculino é definido agora. A personagem ganha corpo na trama e não mais poderia ser outro bêbado qualquer, permitindo um interesse particularizado por parte do leitor/espectador.

ESTÍMULO DO CONDUTOR:

O condutor deve demonstrar aos seus alunos o quanto o tipo é uma personagem desafiante para o ator. Geralmente, o tipo apresenta momentos distintos numa encenação, ora apresentando uma característica funcional, ora apresentando um caminho de individualidade. Cabe ao ator, a experiência de dosar tais qualidades na análise de cada momento da

personagem. O ator deve perceber a função exigida e desempenhá-la de acordo com a coerência que o texto pede. O ator precisa ter o bom senso – e uma direção cuidadosa, trabalhando conjuntamente – para perceber que não deve “forçar a mão” no elemento caricatural, já que sua contextualização na trama é ampliada. Também não pode querer tornar sua personagem um “indivíduo à força”, procurando tornar todos os momentos como construção interiorizada, pois precisa compreender que o autor não criou a personagem desta forma. Caso o autor desejasse revelar o interior da personagem ele o teria feito, portanto, sua interpretação não deve tomar o caminho contrário ao texto.

INDIVÍDUO e ARQUÉTIPO:

Voltemos nossa atenção agora para as personagens complexas, detalhando as características que diferenciam as personagens complexas em: indivíduo e arquétipo73. São características da personagem-indivíduo:

• Personagem particularizada dentro do contexto onde está situada. No seu desenho constam relações concretas que não podem ser reduzidas a um só aspecto.

• Construída com traços típicos específicos que resultam num ser único.

• Apresenta uma caracterização lenta, detalhada, minuciosa, que visa apresentar os mais diversos aspectos de um ser humano em particular.

• Posiciona-se claramente perante o conflito. São características das personagens arquetípicas:

• Representam uma força maior – mítica – que impulsiona o ser. • Simbolizam imagens e experiências recorrentes da humanidade.

• A força do Pathos74 atinge intensidade extrema e, com isso, um traço ou objetivo supera os demais.

• É uma personagem que não concede, não concilia, não desiste.

Já foi dito que o principal diferencial das personagens complexas está no “aprendizado” que sofrem no decorrer da ação. Esta transformação ocorre particularmente já que se trata de personagens que vivenciam diretamente o conflito. Os acontecimentos descritos no texto dramático, naturalmente, transformarão as personagens e, justamente por estarem vinculados

73 Arquétipo vem do grego ARKHÉTYPOS, significando modelo primitivo, idéias inatas, pertencentes a um passado distante e hereditário.

a eles, as personagens modificarão sua compreensão, seu “mundo interior”.

É necessário ser dito que os textos dramáticos modernos consagraram, sobretudo, a junção das personagens tipo e indivíduo. Pois bem, a personagem-indivíduo terá uma caracterização mais detalhada. Ela não surge “pré-fabricada”. Normalmente, as personagens vão galgando tal condição, após um processo de evolução. Muitas vezes, a personagem- indivíduo esconde-se, não revelando suas motivações. O decorrer da ação, o desenvolvimento da intriga é fundamental para sua definição. Logo, deduz-se que tais personagens apresentam uma complexidade psicológica, motivações e contradições humanas.

Na ação, interessa o seu caso particular, que trará informações específicas sobre o indivíduo, fazendo com que o leitor/espectador acompanhe o “dilema pessoal” da personagem. A riqueza de sua caracterização se comprova pelo fato de seu comportamento suscitar perguntas no leitor/espectador: “por que ele está agindo desta forma? Qual é seu objetivo?” Esta atitude por parte do leitor/espectador configura uma individualização da personagem.

Sobre a sua “percepção de mundo”, no decorrer da trama dos fatos, o indivíduo se modifica. Ele não atravessa intocado pelo universo da obra. Se a arte imita a vida, o teatro imita e simula a sua única constante: as mudanças.

A personagem-indivíduo é a continuação do tipo porque o nível de detalhamento na caracterização, a riqueza dos traços de comportamento e da psique, formulados pelo autor, criaram uma figura própria, autônoma e com qualidade tridimensional. No indivíduo, apesar de também constarem as características gerais, estas acabam ficando em segundo plano. A figura não mais une generalidades de toda uma série de indivíduos, mas apenas ele mesmo, em sua condição específica perante o conflito.

Voltemos ao nosso antigo exemplo prático: suponhamos que o nosso bêbado Sebalena – aqui já traçado como tipo – não mais conste na trama apenas como o velho mendigo bêbado que perturba os moradores da cidadezinha com suas ironias. O autor ampliou a sua caracterização, dando-lhe um nome – João Emiliano – nome no qual nem mais o próprio Sebalena se reconhece, já que se liga a um passado quando ele foi um jovem injustamente acusado de “desonrar” uma moça de família da cidade. Desonra esta que nunca ocorreu, pois o pobre João Emiliano foi usado pela moça – no caso, ex, não mais tão moça assim – que se entregou ao jovem, apenas porque desejava encontrar um bode expiatório para herdar toda a violência de sua família, fazendo assim com que ela pudesse fugir em segurança com seu

amado – o verdadeiro “precursor” da desonra. Acreditando em sua suposta culpa, o jovem João Emiliano aceita a violenta punição em nome de um amor idealizado apenas em sua imaginação. Com o tempo e o álcool, junção que auxilia o esclarecimento de qualquer mente humana, o pária entende sua condição de vítima e, não tendo como recuperar o que perdeu, passa a descontar na hipócrita organização social da região suas mágoas mais profundas.

Agora, ele não é apenas mais um velho bêbado, não é mais o inconveniente bêbado Sebalena, passa a ser compreendido também como: João Emiliano, o homem que tendo sido usado na juventude, perdeu a condição de ser “gente” e só se reconhece na sua existência reduzida. E por ser o que é, pode dizer tudo que quer, pois não tem mais nada a perder.

Neste exemplo, nota-se que a caracterização feita pelo autor dá ao leitor/espectador acesso ao passado e ao interior perturbado da sua personagem, criando assim um caráter complexo com grande expressividade.

ESTÍMULO DO CONDUTOR:

O condutor deve aproveitar as conceituações para novamente ligá-las à prática da interpretação. Pode-se notar que a personagem-indivíduo exige do ator um mergulho em suas circunstâncias do passado e na presente condição psíquica. Para tanto, é necessária uma entrega do ator para descobrir os fatores que propiciaram sua personagem ser o que ela é,