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3 O PROCESSO FORMATIVO ATRAVÉS DO EXERCÍCIO DE

3.11 QUINTA ATIVIDADE: EU E O ABSTRATO

Novo começo de aula com relaxamento em grupo; o condutor deve formar um círculo onde todos dão as mãos e, aos poucos, todos se abraçam. Buscar um mesmo ritmo lento de respiração com os integrantes do “grande abraço”, como se todos formassem um único organismo respirando. Ao perceber o êxito do grupo nessa proposta, o condutor indica que, ainda abraçados, soltando-se lentamente, todos vão buscando o chão, de modo a se deitar, aconchegados, uns com os outros.

ESTÍMULOS DO CONDUTOR:

“Quais são as associações que você fez na nova descrição. Se sua personagem fosse um animal, que animal seria? Se fosse uma planta ou um mineral, qual seria?”

a) “Se fosse de uma única cor, qual seria? Se pudesse ser colocada na boca, qual o sabor de sua personagem?”

b) “Qual a forma geométrica que melhor representa sua personagem? Se ela fosse uma arma, qual seria? Toda pessoa sabe como ferir o outro, como sua personagem fere?”

c) “Quais as mágoas e conflitos que as novas experimentações trouxeram para você?”

d) “Sinta a segurança do grupo, desse grupo. Perceba que todos estão em busca de um mesmo objetivo. Somos todos cúmplices nessa caminhada, estamos aqui para nos ajudar.”

O condutor comanda que os alunos devem levantar-se como atores que buscam a personagem. Todos andam pela sala, atentos aos seus pontos de segurança. Os alunos devem jogar, com autonomia, com os quatro elementos da pesquisa individual: o andar, a postura, o olhar e a respiração. Não é o condutor quem comanda como instalar a personagem, é o aluno- ator que assume sua instalação.

RODA DE PERSONAGENS:

O condutor convoca um novo círculo de personagens, onde todos se relacionam com os outros através do contato do olhar. O aluno deve observar todas as personagens que estão na roda. Contudo, os olhares não podem se encontrar. Caso os olhares se cruzem, os alunos não devem manter o contato visual. Um aluno observa alguém que está observando outro, que observa outro e assim sucessivamente. Ninguém se encara. O condutor indica a todos que façam isto aleatoriamente. Depois, o condutor pede que o aluno escolha três pessoas na roda e comanda três momentos de observações. O aluno deve perceber bem cada uma das três personagens. Perceber as mudanças e a solidez na construção dos colegas.

CÍRCULO DE ASSOCIAÇÕES:

Este exercício busca uma demonstração sutil e abstrata, como se a personagem pudesse apresentar uma leve mudança, a ser percebida após cada associação. No círculo, é instalada uma convenção: quando o aluno está de costas para a roda, ele se concentra e racionaliza como ator. Quando se vira para o centro, é a personagem apresentando a energia daquela associação. O condutor deve frisar que não se trata de algo demonstrativo ou agressivo. É algo abstrato que determina muito mais um estado de espírito, uma transição na personagem.

Os alunos se viram e condutor chama atenção para o estado de prontidão do ator. A atenção e o raciocínio rápido serão fundamentais para as associações. O condutor retoma, então, uma a uma, as associações: animal; sabor; planta ou mineral da natureza; forma geométrica; cor; arma. A cada estímulo, os alunos têm cerca de trinta segundos para instalar a transição e virar-se para a roda, onde permanecem se olhando por cerca de um minuto e meio. O aluno deve perceber como o olhar do outro o influencia e deve procurar manter a base que tinha ao se virar. O aluno não deve alterar o seu objetivo.

PARTILHA:

Ao final das atividades de processo, o condutor pode optar fazer rodas de partilhas das experiências vivenciadas. Contudo, note-se que tais partilhas não são obrigatórias, muito ao contrário, a escolha por sua realização depende do sentimento diário de quem conduz o processo: alguns encontros são muito longos e fazer uma parada ao final para partilhar, acaba não sendo tão produtivo.

Entretanto, nesta quinta atividade, é obrigatória uma parada para partilha entre todos os participantes. Pois, nesse ponto, a partilha é uma maneira do aluno “apresentar com palavras” o rumo que a personagem está tomando. Note-se que a atividade já é propositalmente mais curta em relação às outras, justamente para se ter esse tempo. Cada aluno deve relatar ao grupo a principal associação realizada, a que mais o tocou e deve fazê-lo de forma objetiva. Podem ser duas ou três associações, se o aluno assim o desejar. O importante é que ao explicar seu relato, o aluno esteja cônscio do porquê de sua associação. Também deve discorrer sobre sua personagem, narrando-a, descrevendo as particularidades, conflitos, históricos. O condutor deve incentivar o aluno a falar sobre sua personagem, suas descobertas que vêm se transformando em certezas, os pontos de segurança e o rascunho da história.

Nesse momento, muitos alunos ainda podem ter muitas dúvidas e o condutor deve aliviá-los lembrando que estão apenas na quinta atividade de um processo que prevê quinze atividades de “gestação”. Ou seja: foi decorrido apenas um terço do processo experimental. As próximas atividades prevêem as mais diversas situações que oportunizarão o encontro de certezas para quem ainda não as possui. É bom refletir sobre todas as experiências, desde a idéia que o aluno possuía no começo (observação) até o estágio atual.

INDICAÇÕES AO CONDUTOR:

Esse é o momento de transferir ao grupo um sentimento de confiança e cumplicidade. Todos estão envolvidos na busca e passando por dúvidas e descobertas próximas. Claro que cada um cria o seu modo próprio de superar os obstáculos, mas a instabilidade existe para todos, com maior ou menor grau. A presença de companheiros na caminhada facilita o trabalho.

As associações podem aparentar, numa análise primeira, algo muito solto, desprovido da “lógica e continuidade” que o processo apresentava até então. Mas, a associação tem o mérito de conseguir traduzir em imagens as intuições ou dúvidas sentidas pelo aluno-ator. Sobre essas “dúvidas”, assim fala Stanislavski (1989a, p. 97):

Em cada fase de nosso trabalho [...] tivemos, constantemente, ocasião de falar em lógica e continuidade. [...] elas são de importância fundamental. A criação deve ser algo lógico e provido de continuidade. Até mesmo os personagens ilógicos e incoerentes devem ser representados no âmbito da estrutura e do projeto lógicos de toda uma peça.

Nesse sentido, o condutor deve insistir que seus alunos não devem criar “idealizações de pessoas”, mas sim pessoas vivas. Ninguém é só bom ou só mau. Ninguém é só alegria ou tristeza. Toda pessoa sabe agradar e ferir o outro. São essas relações complexas e complementares que darão a riqueza de caracterização da sua personagem. Neste ponto, o aluno também deve ampliar sua atenção para perceber que rumo está tomando o conflito da personagem. “Onde está a ferida aberta? Qual a situação não resolvida da sua personagem? Onde você precisa buscar coerência na história da sua personagem?”

O condutor também deve insistir com seus alunos para que eles se relacionem profundamente através do contato do olhar com seus parceiros de cena. Essa é a base da comunhão entre os participantes e aqueles que os assistem. Este é um aprendizado-chave. Stanislavski o denominou como a “comunicação com o público através do seu parceiro”:

Se os atores realmente querem prender a atenção de um grande público, devem esforçar-se ao máximo para manter, entre si, uma troca incessante de sentimentos, pensamentos e ações [...] Quando quiserem se comunicar com uma pessoa, busquem primeiro a sua alma, seu mundo interior. [...] Quando falarem com a pessoa com quem estiverem contracenando, aprendam a manter sua atenção fixa, até certificarem-se de que seus pensamentos penetram no subconsciente de seu coadjuvante. (STANISLAVSKI, 1989a, p. 40)

O aluno deve investir máxima atenção no nível de relação do olhar, para dar uma intensidade interna que, paradoxalmente, se manifesta de maneira sutil externamente. Não é forçada ou ampliada. Em nosso cotidiano, todos se comunicam vivamente com o olhar, mas ninguém emprega uma força maior a isso. Quando começamos a atuar é normal acreditar no contrário disto, como se esta comunicação através do olhar tivesse de acontecer com uma intensidade externa, ampla e exacerbada; com um “olhar penetrante”. Isto é “fazer força”. É representar com uma voz interna que diz: “olhem para mim, vejam como sou bom ‘interpretando’, eu sei fazer...”

A intensidade do olhar advém da atenção destinada ao outro – aquele com quem contraceno – não a quem me assiste. Assim, através da sutileza, o ator chega ao espectador de

modo pleno e não de modo forçado. Dessa forma, o aluno-ator pode perceber como cada estímulo da cena determina um novo estado de espírito, uma mudança, uma transição na personagem.

O condutor deve manter-se alerta para que a partilha não se transforme numa atividade verborrágica, desprovida de coerência na narrativa da história das personagens. Não é para o aluno narrar as experiências vivenciadas, para revivê-las diante de todos. Não se trata disso. O aluno deve ser orientado a perceber o foco desta partilha: narrar como sua personagem vem se construindo, o que ele já agrega e conhece.

• Deve-se sedimentar no grupo o sentimento de confiança. Todos são companheiros numa mesma busca.

• As associações potencializam as imagens, o interior pensado pelo aluno-ator.

• O contato do olhar com os parceiros de cena é a base da comunhão entre os participantes e aqueles que os assistem.

• A comunicação pelo olhar demanda sutileza em vez de intensidade extrema. • A partilha não deve ser uma atividade verborrágica.