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3 O PROCESSO FORMATIVO ATRAVÉS DO EXERCÍCIO DE

3.8 SEGUNDA ATIVIDADE: ESPAÇOS

O segundo trabalho com as personagens pode demandar um ou dois encontros, a depender da quantidade de horas disponíveis. O condutor deve instalar o processo de aquecimento com a pesquisa do andar do aluno-ator. Depois, alternar para o andar da personagem. O condutor alternará através de comandos estanques (palmas) o andar do aluno- ator e o andar da personagem. Durante esse aquecimento, o condutor informa aos alunos que, na primeira parte deste encontro, novamente, estarão expostos a um improviso individual, sem contato com os outros.

PESQUISA INDIVIDUAL:

O aluno deve estar atento, ouvindo as indicações e ser consciente de que suas reações devem ser físicas, porém sem os mencionados exageros demonstrativos. O trabalho será realizado integralmente sem falas. O aluno deve agir sob os seguintes estímulos do condutor:

• Nova pesquisa do andar. Andando como personagem, estar atendo para localizar diretamente: “como o corpo se altera? O que muda nos pés, nos dedos dos pés, no modo de pisar, nos joelhos, no quadril, na pélvis?”

• Ainda na pesquisa, andando pela sala, perceber como se modifica seu corpo quando instala a postura: “como está sua coluna? Seus braços mexem? Como ficam os ombros? Posição da cabeça?” É necessária a percepção do aluno, daquilo que ele já verifica como diferenciado.

• Nova pesquisa do olhar. Ainda andando, no andar da personagem, mas com foco no olhar. “Como essa personagem vê o mundo? Como ela olha para as pessoas, para o mundo? De repente, ela se depara com algo difícil, para ela, de ver, o que é?” Esta resposta corporal deve ser visualizada, imaginada e, somente depois, fisicalizada. Não se trata de representações forçadas ou demonstrações que se aproximem de clichês.

• Nova pesquisa: respiração e sua alteração pelo estado emocional da personagem. Alterar os estados emocionais pela ação da respiração. Percepção do tórax da personagem: “é

aberto ou fechado? Como os ombros acompanham o tórax? Esta personagem bate ou apanha na vida?”

Após essa pesquisa, o condutor indica aos alunos o uso do espelho – caso a sala de aula disponha de espelho. Em um espelho de parede, amplo, desses tradicionalmente utilizados em salas de ensaio de dança, os alunos são convidados a se observar com suas personagens instaladas. É um olhar geral através do qual todos se vêem em uma primeira vez. Ao se concentrar na sua imagem, o condutor solicita que o aluno localize ao menos um ponto de

segurança53 em seu desenho inicial da personagem.

O condutor deve frisar que este é um ponto de começo, um traço forte, ainda em processo de construção. Mas, apesar de estar num estágio inicial, algo nessa imagem deve revelar um ponto em que o aluno perceba, visualmente, uma mudança positiva. Esta escolha o auxilia na visão da personagem, daquilo que ela pode vir a se tornar. Caminhar em direção ao espelho e ao chegar próximo, dizer, só para si, o nome da sua personagem.

RODA DE PERSONAGENS:

Após este exercício de instalação, é feita a primeira roda com as personagens. As personagens são agrupadas e todo o grupo se visualiza no espelho. Podem mudar a posição no grupo, mas é interessante perceber a si mesmo e aos outros. Os alunos deixam a observação do espelho com o condutor chamando todos a uma roda de estranhos que se observam. O condutor faz uma pergunta simples: “quem é você? Qual seu nome; sua idade e sua data de nascimento?”

Na roda, uma a uma, as personagens se apresentam. O condutor deve então informar às personagens que elas viverão uma quebra na sua rotina tradicional. Cada um está convidado a ter um dia só seu, um dia livre, um passeio. Ao longo desse improviso, as personagens poderão se relacionar com os outros, porém, só com o contato do olhar, ainda sem palavras. Claro que uma palavra ou outra pode ser dita, mas não é verbal o foco da comunicação.

O condutor deve informar que os estímulos buscam trazer pesquisas de emoções e sensações para as personagens, que os alunos devem se esforçar ao máximo para crer nas situações sugeridas. Não devem querer julgar se isto se aplica ou não à vida da sua personagem, mas sim experimentar primeiro para depois fazer suas reflexões. O desafio é sentir e não racionalizar o sentir. Devem também estar atentos para entrar e sair das situações emocionais. Quando o estímulo for trocado, o aluno deve retornar da emoção sugerida e se

preparar para um novo estímulo. Deve perceber quais estímulos se dirigem à personagem e quais os que se dirigem a ele, aluno-ator. Paradoxalmente, os estímulos acontecerão dessa forma: concomitantes, e ele deve improvisar, deve atuar, no jogo proposto.

ESTÍMULOS DO CONDUTOR:

a) “Este é um dia livre e seu! Para onde você vai? Como esse lugar revela sua personagem? O que o lugar tem a ver com sua escolha? O que você busca? O que você busca neste lugar, o que o lugar acrescenta em você? Atenção ao seu pensamento: tente ver e sentir as pessoas. Busque realizar fisicamente as ações, exercitar a imaginação deste momento.”

b) “Agora você tem de sair deste lugar escolhido. Sua personagem vai até um PONTO DE ÔNIBUS, pegar uma condução. Para onde você vai? Vai fazer o quê? Todas as personagens estão no mesmo ponto, porém, o ônibus que não chega, irrita a todos. Você irá desconfiar de alguém que está neste ponto. Algo nessa pessoa não lhe parece confiável. O que você faz? Você não pode sair do ponto, mas de quem você se afasta e de quem se aproxima?”

c) “Como seu ônibus não chega, você decide ir caminhando na RUA. Andando, você encontra um pedinte. O que você sente? Como faz para se desvencilhar desta situação? Você sente agora sede ou fome. Se lembra que tem dinheiro consigo. Quanto? Vai comprar comida ou bebida. Ao comer/beber você deve associar o sabor desta comida/bebida a uma pessoa, a uma recordação que vem pelo sabor... Como é esta lembrança? De quem você se lembra?”

d) “Agora você chega numa PRAÇA e, estando só, lembra de algo que afeta a sua vida, sua individualidade, é algo que lhe afeta mas ainda não está resolvido. Você possui dúvidas? Deve recordar uma obrigação urgente que ainda não resolveu...”

e) “Ainda na PRAÇA, deve examinar os outros visitantes. Olhe para as outras personagens e estabeleça um diálogo de olhares. Associe essas pessoas a pessoas que integram a vida da sua personagem. Num dado momento, alguém lhe despertará um interesse a mais. Paquera, vaidade, ainda sem texto ou toques. Como você lida com o interesse sexual?”

f) “Afastar das pessoas e apreciar a NATUREZA, o cheiro da terra, das plantas, a calma. Uma lembrança da infância da sua personagem deve ser associada.

Quando ela brincava em meio à natureza. Repentinamente, há uma brusca chegada de POLICIAIS com tiros e confusão. Eles procuram por criminosos. Há pressão policial e você é confundido com um dos criminosos, lhe derrubam de cara no chão. Humilhação. Você já foi acusado? Quando e como foi acusado? Você se livra desta situação, pois verificam que não era você, que foi um engano. Como você se sente? Saia da praça e volte para a rua.”

g) “Andando na rua, você se aproxima de uma LOJA. Qual o tipo de loja interessa a sua personagem? Como a loja lhe revela? Escolha algo que deseje. Manuseie o objeto do desejo. Você pode comprar? Tem no bolso, o dinheiro? Pode comprar? Você sai da loja com o objeto ou de mãos vazias? Como esta escolha do objeto o revela?”

h) “GRANDE AVENIDA, com intenso movimento de carros. Você vê uma pessoa ao longe, do outro lado da rua. Quem é? Chama a pessoa, mas ela não o ouve. Grita, mas ela não o escuta. O que você falaria para ela? Ao sair dessa avenida, você passa por um lugar que o amedronta. Como você se modifica? Por que você tem medo deste lugar? Quais lembranças este lugar lhe traz?”

i) “Você agora entrará em um MUSEU. Visualize as obras de arte. Esta ação faz parte do cotidiano da sua personagem? Ou é uma descoberta? Dentre tantas, uma em especial vai fazer com que você se identifique. O que ela evoca em você? O que o liga a esta obra de arte? Dentro da sua mente, você começa a adentrar no universo da obra de arte. Quebra da lógica: fisicalize o que está na mente da personagem, mostre no corpo e com o corpo como ela se vê na obra de arte. Você mergulha na fantasia que esta obra evoca.”

j) “Chega um vigia e diz que, devido o adiantado do horário, você precisa sair porque o museu já vai fechar. Você sai do museu e volta a andar num fim de tarde. Todas as personagens entram num mesmo prédio para pegar um grande ELEVADOR. Ele chega e todos entram. Durante a subida, falta luz e as personagens ficam presas na cabine. Perceba a situação! Sinta como é ficar preso num espaço apertado com muitas pessoas. Volta energia e o elevador se movimenta, mas cai de novo. Não se limite a representar a situação, permita-se sentir a agonia do elevador parado, o calor e as pessoas. A energia volta e o elevador, finalmente, chega e todos saem.”

NOVA RODA DE PERSONAGENS:

Ainda sob o impacto do improviso, o condutor comanda uma segunda roda com as personagens. Nova roda de estranhos: novo olhar e nova apresentação. Nome, quantos anos, data de nascimento e uma frase do dia de hoje. Esta frase precisa ser ligada diretamente a algo experimentado nas improvisações dos espaços.

Após o término da atividade, o condutor faz a todos algumas perguntas que deve ser maturadas mentalmente: “quem agiu mais, você ou sua personagem? Onde você se sentiu melhor realizando as ações? Quais experiências podem complementar ou criar novas informações sobre sua personagem? Quais improvisos foram marcantes? É preciso repensar algum ponto do trabalho? Você deve fazer ajustes? Quais?”

Ninguém responde imediatamente a essas perguntas. Elas devem ser guardadas e “mastigadas” nas reflexões dos alunos. Não há verbalização das impressões do exercício neste momento. São colocações para o seu diário de bordo. O condutor deve salientar que essa é uma atividade mais prazerosa, por conta do alto teor lúdico presente. Uma pergunta final complementa a atividade: “como os espaços ajudam a construir a personagem?”

INDICAÇÕES AO CONDUTOR:

O condutor deve valorizar os momentos de individualidade no começo da pesquisa. Porém, também deve valorizar os momentos de interações. Alguns alunos precisam deste contato para seguir criando. Também é importante lembrar aos alunos que eles devem seguir atentos para não relaxar durante o exercício, pois todos os improvisos do processo serão longos. Se um aluno não consegue lidar com isto, precisa estar consciente desta dificuldade e se trabalhar para superá-la.

É importantíssimo treinar os atores para alternar os estímulos recebidos. O condutor não deve incentivar longos processos de predisposição para atuar. É primordial o aluno perceber que a resposta para um estímulo deve ser buscada e não adiada. Muitas das justificativas ditas são apenas desculpas por não ter se permitido adentrar no estímulo recebido. Contudo, o estímulo também precisa de um breve instante de compreensão para ser aplicado. O aluno não deve forçar para vivenciar um estímulo. Isto se chama exagero demonstrativo. Querer demonstrar a cena a um espectador imaginário é um erro. Sobre essa situação, vale citar as orientações de Stanislavski (1995b, p. 85): Em primeiro lugar, forçou a imaginação, ao invés de a estimular. [...] Na imaginação, a atividade tem máxima importância. Primeiro vem a ação interior, depois a exterior.

O condutor informa aos alunos que eles devem perceber como as alterações físicas muitas vezes se esvaem quando eles estão improvisando. Isso é natural. O aluno está aprendendo a lidar com essa dupla via na realização da ação. Por isto, o aluno deve encontrar seus pontos de segurança. Encontrar ao menos um nesse começo. O condutor não deve deixar que os mais pessimistas pensem: “tudo está ruim”. Ao longo do processo o aluno encontrará outros pontos e pode até desistir deste inicial, mas é fundamental ter algo que o instala no processo.

O condutor deve alertar aos seus alunos para a seguinte situação: uma pergunta simples lhes foi feita: “quem é você? Qual seu nome; sua idade e sua data nascimento? Quantos de vocês tiveram de inventar isto na hora? Como é que você observou e imaginou alguém assim? Não será preciso mais dedicação de sua parte? Não pensem que tudo se resolve no “na hora eu faço”. Atuar profissionalmente não será assim...”

Nessa segunda atividade, o condutor não pode ser demasiadamente econômico nas indicações, ele deve contextualizar com suas palavras as situações propostas, precisa ajudar, com suas palavras, os alunos a imaginar cada espaço, cada lugar. Mas, também não pode falar excessivamente durante a execução das ações, é primordial saber dosar suas interferências. O condutor deve retornar à observação dos alunos que não se entregavam ao campo imaginário: como foram nessa nova atividade? Melhoraram ou estão estacionados?

Outro ponto importante: a diminuição da luz no momento do “elevador enguiçado”. Não deve ser um momento interminável, mas não deve ser feito rapidamente. Os alunos devem estar agrupados num espaço delimitado, rapidamente demonstrado no chão, pois é necessário o desconforto da situação. O condutor não pode permitir brincadeirinhas ou desvios da tensão. Os alunos devem ser cobrados à altura da responsabilidade do que eles fazem.

Ao final da atividade, o condutor volta a lembrar como está a relação de cada aluno com a dispersão. Os momentos de dispersão estão sendo localizados e ajudando o aluno a perceber onde ele “desmonta”? O reconhecimento da desistência o ajuda a não desistir? Além disso, é necessário que o condutor lembre que nem todas as situações estimuladas e vivenciadas podem lhes ser úteis na construção. Quais as emoções mais interessantes desta passagem? O aluno deve fazer agora uma reflexão – posterior à experimentação – para localizar o que pode ser descartado e o que vai ser somado na construção. Portanto, a regra é racionalizar após a execução, nunca durante. Se algo não servir, será descartado, é simples. É preciso lembrar que

os alunos são muitos e os estímulos que servem para um, nem sempre podem servir para outro.

O condutor não pode abrir espaço para colocações como: “não consigo sair desse mergulho emocional...” Quem experimenta a emoção é a personagem! “Você é o aluno em processo, no caminho, seu foco é a busca para construir a personagem.”

Se a turma não está motivada na pesquisa, na construção, fatalmente não se motivará perante as dificuldades de uma encenação futura. É preciso perguntar aos alunos: “vocês percebem como é preciso ampliar as informações do indivíduo observado? Só a observação não consegue responder a tantas questões. Tenham a clara noção de que o ponto de partida não será o ponto de chegada.”

• A resposta para um estímulo deve ser tentada e não adiada. Se o aluno não consegue isso, deve estar consciente e trabalhar para superar.

• Querer demonstrar a cena a um “provável espectador” é um erro. • Onde estão seus pontos de segurança?

• Ajude os alunos a imaginar cada lugar. • Quantos evoluíram na ação imaginária?

• O que o aluno usará e o que vai descartar? No processo surgem inúmeros estímulos para muitas pessoas.

• Racionalize após a execução e nunca durante. • O ponto de partida não será o ponto de chegada.