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Estrutura do Texto Dramático: personagem, réplica, indicação cênica e

3 O PROCESSO FORMATIVO ATRAVÉS DO EXERCÍCIO DE

3.15 NONA ATIVIDADE: A PERSONAGEM NO DRAMA

3.15.3 Estrutura do Texto Dramático: personagem, réplica, indicação cênica e

Muitos dos alunos já tiveram a oportunidade de ter em mãos um texto dramático. O condutor deve descontrair pedindo que alguns alunos descrevam a estrutura com a qual é construído o texto dramático. Algumas palavras certamente aparecerão na descrição dos alunos, tais como: texto em diálogo, o nome da personagem que fala, o lugar onde a peça acontece, o modo como a personagem age ou sente a ação... Novamente, é positivo que o condutor reforce que os conceitos já são previamente conhecidos; apenas, os alunos os reconhecerão sendo nomeados tecnicamente.

Quatro elementos específicos compõem a estrutura do texto dramático; são eles: personagem, réplica, indicação cênica e cenário. Com estes elementos se constrói o texto dramático, através do seu uso o autor dramático estrutura o texto e o leitor o reconhece como sendo um texto dramático.

PERSONAGEM:

Personagens são as pessoas (os seres) que agem na trama dos fatos. O conceito de personagem é aqui utilizado como ente fictício – mesmo que se trate de uma peça histórica – já que o universo do drama é o da ficção. A personagem é o “objeto” de trabalho do ator. Vale a pena recorrer aqui novamente a Patrice Pavis (2005, p. 285):

No teatro, a personagem está em condições de assumir os traços e a voz do ator [...] No entanto, apesar da “evidência” desta identidade entre um homem vivo e uma personagem, esta última, no início, era apenas uma máscara - uma persona – que correspondia ao papel dramático, no teatro grego. É através do uso de pessoa em gramática que a persona adquire pouco a pouco o significado de ser animado e de pessoa, que a personagem teatral passa a ser uma ilusão de pessoa humana. No teatro grego, a persona é a máscara, o papel assumido pelo ator, ela não se refere à personagem esboçada pelo autor dramático. O ator está nitidamente separado de sua personagem, é apenas seu executante e não sua encarnação a ponto de dissociar, em sua atuação, gesto e voz. Toda a seqüência da evolução do teatro ocidental será marcada pela completa inversão dessa perspectiva: a personagem vai-se identificar cada vez mais com o ator que a encarna e transmudar-se em entidade psicológica e moral semelhante aos outros homens, entidade essa encarregada de produzir no espectador um efeito de identificação.

A explicação de Patrice Pavis é válida porque demonstra um caminho que a personagem foi obtendo dentro da história do teatro, que a fez aproximar-se da pessoa humana fictícia.

Porém, é importante também notar que esta aproximação não foi única, existiram outros tipos de personagens – como as alegorias – que permaneceram distantes da idéia de pessoa e mantiveram-se muito mais ligadas à máscara.

Na contemporaneidade, muitos textos dramáticos são construídos com “explosões” do conceito de personagem, apesar de que ocupam claramente, para o receptor, esta função estrutural. A personagem fragmentária afasta-se desta conceituação – de pessoa – mas não se afasta da idéia do ser ficcional. Sobre tal condição, vale a pena observar o que diz Patrice Pavis num tópico denominado Morte ou Sobrevivência das Personagens?:

Ao final dessa experimentação sobre a personagem, pode-se temer que esta não sobreviva à desconstrução e que perca seu papel milenar de suporte de signos. [...] Não há evidências de que o teatro também possa fazer economia da personagem e que esta se dissolva numa lista de propriedades ou de signos. Que ela é divisível, que não é mais uma pura consciência de si, onde coincidam a ideologia, o discurso, o conflito moral e a psicologia, ficou claro desde BRECHT e PIRANDELLO. O que não quer dizer, mesmo assim, que os textos contemporâneos e as encenações atuais tenham deixado de recorrer nem ao ator, nem, pelo menos, a um embrião de personagem. Permutas, desdobramentos, ampliações grotescas de personagens, de fato, só propiciam a conscientização do problema da divisão da consciência psicológica ou social. [...] A personagem não morreu; simplesmente tornou-se polimorfa e de difícil apreensão. Esta era sua única chance de sobrevivência. (PAVIS, 2005, p. 289)

Sobre a personagem – nosso objetivo maior –, a abordagem será aprofundada quando tratarmos, mais à frente, da sua classificação.

RÉPLICA:

Outro ponto descrito informalmente pelas próprias colocações dos alunos foi: “as personagens dialogam no decorrer da peça”. Cada “fala”, cada texto dito, recebe o nome técnico de réplica. Portanto, a expressão réplica é aqui utilizada no sentido de resposta, já que uma personagem sempre responde à outra. As réplicas são as falas das personagens. Mesmo que seja a primeira réplica do texto, ela é uma resposta ao que aconteceu antes desta cena.

Não se deve confundir com o sentido comum da expressão réplica – ligado ao embate de argumentos, à contestação ou objeção. Pode até ser que na construção do texto dramático, uma réplica funcione assim, mas o termo é dramaturgicamente usado como resposta – a outra personagem; a um grupo de personagens; a si mesmo ou, ainda, ao próprio público. As réplicas evidenciam o diálogo: coluna central de sustentação do elemento dramático.

Percebe-se, então, que se a réplica é uma resposta que se dirige a alguém ou a algo, ela não pode ser encarada como fala solta, despropositada. Réplica possui objetivo, deseja atingir outrem. Lembre-se de que em atividades já realizadas neste exercício foram oportunizados trabalhos práticos que revelavam a importância do outro no discurso da personagem. Para tal compreensão, citamos as palavras de Patrice Pavis (2005, p. 338): “Desde 1646, segundo o dicionário Robert, réplica é o texto dito por uma personagem durante o diálogo em resposta a uma pergunta ou discurso de outra personagem, o que instaura logo no início uma relação de forças.”

Novamente, as palavras de Patrice Pavis trazem, subliminarmente, ensinamentos muito mais práticos do que teóricos. Réplica é resposta a uma pergunta ou discurso e estabelece um jogo de forças – em oposição ou em associação – ou seja, aquele que diz – ou faz algo – está ligado num sistema de forças previamente criado pelo autor. O ator não deve interpretar desvinculado desta compreensão, isto é, apenas memorizando suas falas, o que muitas vezes é praxe em nossos teatros. As réplicas configuram a personagem já que são fontes elementares da sua construção. O ator não pode rebaixá-las à simples idéia de: “o que é que eu falo agora?”

Note-se que tal colocação de modo algum contraria o princípio teatral da “ilusão da espontaneidade”. O jogo do espontâneo, no qual o ator, através de sua interpretação, transforma um texto escrito e ensaiado, numa ação presente e espontânea, é a base desse princípio teatral. Contudo, para se ter esta “ilusão”, é necessário um estudo das situações descritas no texto, intrinsecamente contemplado pela análise das réplicas e não somente por falas decoradas, esvaziadas de sentido.

INDICAÇÃO CÊNICA:

Ainda tomando a descrição informal dos alunos como base para demonstrar a estrutura o texto dramático, alguns dos alunos lembram que existem, dentro do texto, algumas informações que são dedicadas ao leitor de maneira diferenciada: não faziam parte da “voz” das personagens, do diálogo, mas são comunicações diretas do autor para o leitor, que revelam o estado da personagem naquele momento, como faziam ou sentiam as ações. E se dizia mais, foi lembrado que tais informações eram grafadas de um modo especial no texto, geralmente entre parênteses ou em outro tipo (itálico).

didascálias65. Elas são uma espécie de instrução dada pelo autor ao leitor de como se dá a ação descrita na cena. É uma informação complementar ao diálogo e pode ter duas naturezas: “de ação” – atos ou movimentos realizados pelas personagens – ou “de emoção” – estado emocional a qual a personagem está submetida naquele momento.

Salienta-se que leitor deve ser entendido com duas possibilidades: sendo ele, o leitor comum – que lê o texto para seu prazer, por fruição; ou o leitor especializado – o ator, o diretor, o cenógrafo – aqueles que lêem o texto com o objetivo de transpô-lo para outro sistema de signos: a encenação. Sobre o uso das indicações cênicas, tanto para o leitor comum como para o especializado, vejamos as palavras de Jean-Paul Ryngaert (1996, p. 44):

No teatro moderno, em que falamos de indicações cênicas, trata-se dos textos que não se destinam a ser pronunciados no palco, mas que ajudam o leitor a compreender e a imaginar a ação e as personagens. Esses textos são igualmente úteis ao diretor e aos atores durante os ensaios, mesmo que eles não os respeitem.

Atualmente, os termos indicações cênicas ou rubricas são usados com maior freqüência. Particularmente, prefiro a expressão indicação cênica já que é absolutamente auto-explicativa: uma indicação sobre algo que ocorre na cena. Já a expressão rubrica tem sua origem na Idade Média. Ela vem do modo como os sacerdotes grafavam de vermelho – rubro – as informações complementares nos textos das liturgias católicas. Eram anotações específicas de como proceder durante a celebração; até hoje, alguns folhetos de missas trazem estas informações grafadas em vermelho.

Como complemento, vale salientar que, num sentido estrito, no corpo do texto dramático tudo o que não é texto – no sentido de fala, réplica – é rubrica. Mesmo os nomes das personagens, a descrição do cenário, etc.

CENÁRIO:

O primeiro ponto que o condutor deve esclarecer é que este conceito de cenário na dramaturgia não trata do cenário escolhido para a encenação. Pode até ser que, em uma determinada montagem, o seu diretor resolva reproduzir fielmente o cenário descrito pelo autor. Mas, isto é uma escolha, não uma condição necessária.

Se a primeira característica do texto teatral é a utilização de personagens que são representadas por seres humanos; a segunda, indissociavelmente ligada à

primeira, é a existência de um espaço em que estes seres vivos estão presentes. (UBERSFELD, 2005, p. 91)

Quando se fala em cenário como estrutura dramatúrgica – portanto, não ligado à cenografia – deve-se atentar para dois eixos que sempre estarão descritos ou previstos no texto dramático: o tempo – quando – e o espaço – onde. Esta relação tempo-espaço é configurada no texto mesmo que o autor queira trabalhar em uma perspectiva sem definições, qualquer época – atemporal e qualquer lugar – sem localização definida. Normalmente, os autores determinam onde e quando a ação acontece. Contudo, mesmo que o autor não o faça expressamente, o cenário será deduzido pelo leitor.

No teatro [...] as personagens constituem praticamente a totalidade da obra: nada existe a não ser através delas. O próprio cenário se apresenta não poucas vezes por seu intermédio, como acontecia no teatro isabelino, onde a evocação dos lugares da ação era feita menos pelos elementos materiais do palco do que pelo diálogo, por essas luxuriantes descrições que Shakespeare tanto apreciava. E isso traz imediatamente à memória a frase de um espectador em face do palco quase vazio de uma das famosas encenações de Jacques Copeau: “como não havia nada que ver, viam-se as palavras”. (PRADO, 1974, p. 84)

Para finalizar, o condutor deve lembrar que, ao longo da história do teatro ocidental, o texto dramático consagrou os quatro elementos citados. Já a contemporaneidade vem, pouco a pouco, numa tentativa de enfraquecer cada um destes elementos. Contudo, do ponto de vista do espectador, teremos sempre uma expectativa de recepção66 na qual espera-se assistir a uma peça em que personagens falem seus textos num cenário. A mesma expectativa terão os espectadores – colegas e professores – das cenas criadas pelos alunos-atores para suas personagens.