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Na Idade Média, os valores cristãos estavam disseminados entre a maioria dos habitantes dos reinos, o que fez com que a Igreja tivesse facilidades para ganhar bens que, assim, lhe proporcionaram grande riqueza material, na forma de propriedades. Além das doações, recebia os dízimos dos fiéis, possuía os privilégios de foro, direito de asilo, isenções fiscais e de serviço militar.

Para além dessas questões, exerceu ainda relevante papel cultural, devido à preservação e transmissão da cultura, facto que fez com que boa parte dos cargos administrativos do reino fossem ocupados por clérigos. Por ser a Ordem com maior domínio do saber, controlava praticamente todo o ensino. Assim, os clérigos estavam numa posição de destaque no reino, semelhante a dos nobres, conforme vinca o historiador A. H. de Oliveira Marques:

51 Armando Luís de Carvalho HOMEM - Dionisius et Alfonsus, Dei Gratia Reges et Communis Utilitatis Gratia Legiferi. In, Revista da Faculdade de Letras – História – II série – Vol. XI – Porto, 1994, p. 13.

Se o Clero tinha, sem sonbra de, uma missão específica a desempenhar, a verdade é que, socialmente, os seus ministros pouco se deferenciavam dos representates da Nobreza ou do terceiro Estado. Viviam como eles, com mais ou menos opulência consoante a posição que detinham na hierarquia eclesiástica. Nem sequer se limitavam ao seu múnus espiritual, exercendo toda a casta de cargos <laicos>, para muitos dos quais, aliás, eram os melhores ou mesmo os únicos qualificados. Este desenpenho, que equiparava o <clérigo> ao funcionário <público>, diminuiu, é facto, com o andar dos tempos. O clérigo dos séculos XIV e XV já não estava só em campo, como dantes.Faziam-lhe concorrência, na prática da função pública, toda uma legião de pequenos fidalgos, burgueses e até populares de origem inferior que se haviam guindado, pelo estudo e pela experiência, aos mais altos cargos administrativos52.

Com efeito, com a fundação do Estudo Geral por D. Dinis, percebe-se a preocupação, em particular deste monarca, de dar formação a não-clérigos para o auxiliarem na administração do reino. Todavia, a fundação dessa instituição de ensino só foi possível graças ao auxílio que a Igreja proporcionou. Algumas Igrejas e mosteiros se ofereceram para ajudar na manutenção do Estudo Geral, propiciando determinados rendimentos. Para além da contribuição financeira, havia o fornecimento dos docentes para ensinar, e estes eram clérigos.

O conhecimento de livros em línguas clássicas permanece até os dias atuais, especificamente como resultado do trabalho executado por monges na reprodução de manuscritos daquela época. Toda essa contribuição que os clérigos davam para os reinos no Ocidente era revertida em doações feitas para eles. Constituíram doações advindas tanto da parte do monarca como dos seus súbditos.

D. Afonso III, devedor da Igreja, obteve o apoio desta para conquistar a Coroa portuguesa, tornando-se vassalo da Igreja de Roma e, por isto, passou a adoptar inicialmente comportamento favorável aos clérigos. Assim, desejoso de cumprir o acordo com ela, primeiramente tomou medidas favoráveis ao clero e às ordens religiosas, restringindo a actuação da Nobreza e dos oficiais régios em propriedades dos clérigos.

Encontramos um estudo no qual sua autora, Doutora Hermínia Vasconcelos Vilar, demonstra que o poder eclesiástico no reino português, particularmente da Diocese de Évora, esteve quase sempre dependente do poder régio. Acreditamos ser relevante perceber como se deu a relação entre o poder episcopal e o poder

52 MARQUES, A. H. Oliveira - Portugal na Crise dos Séculos XIV e XV. (Nova História de Portugal) dir. Joel SERRÃO. Lisboa: Presença, 1987, p. 233.

régio no reino. Daí reproduzirmos rapidamente algumas das afirmações dessa autora.

Para ela, a organização da diocese de Évora ocorreu devido à proximidade entre o episcopado e o poder régio. Afirma também que os bispos de Évora eram nomeados em razão deste poder. Como exemplo, podemos citar alguns dos vários bispos eleitos para a Diocese. D. Paio53, segundo a autora, pode ter sido nomeado por conta da relação existente entre o poder régio e a igreja, na qual foi prior, de Santa Maria de Alcáçova de Santarém, ou ainda, por causa de ter pertencido à Ordem dos Cónegos Regrantes. Mas, não obstante, a preocupação da autora é demonstrar, efectivamente, sua hipótese, ou seja, que os bispos, sobretudo no período entre 1166-1266, obtiveram esse cargo, graças à proximidade com o poder real. Assim, D. Paio foi mais um, dentre vários, que participou da política do reino. Este bispo, devido à sua ligação com o poder régio, recebeu várias doações que favoreceram a reconstrução da Diocese.

Para a autora, a partir da segunda metade do século XIII, aumentou a intervenção externa nas nomeações para a diocese. O bispo de Évora foi personagem importante na conjuntura política nacional, participando de acordos que ultrapassam as fronteiras da área diocesana. Devido a esse facto, tanto o poder teocrático como o poder hierocrático se preocuparam em por à frente da diocese bispos comprometidos com os interesses de ambos – clero e monarquia.

A autora se preocupa em reconstituir o processo da eleição e/ou nomeação dos bispos de Évora entre o período 1266 - 1340. Entre 1267 e 1283, foi bispo de Évora Durão Pais. O facto de esse personagem ocupar o cargo de bispo de Évora, deixa claro, segundo a autora, que, a partir de fins de Duzentos, mais do que a importância da origem familiar, o relevante é estar próximo ao monarca. Foi o caso de Durão Pais, pois foram os cargos exercidos na Corte junto ao rei determinantes para sua ascensão ao episcopado do sul do reino. Com a morte de D. Afonso III, D. Durão aparecerá em sua última reunião, que ocorreu na Guarda, onde se redigiu um compromisso com a intenção de conseguir o levantamento do interdito mantido após

53 Hermínia Vasconcelos VILAR - As dimensões de um Poder. A Diocese de Évora na Idade Média. Lisboa: Editorial Estampa, 1999. Segundo essa autora após a morte de D. Soeiro (provavelmente em 1176) quem o substituiu foi D. Paio, ou melhor, encontra-se documentado o seu aparecimento pela primeira vez em 1180. Ela afirma que há dúvidas sobre a existência de um bispo de nome Fernando antes de D. Paio, mas cai-se novamente na lacuna documental, pois, só há menção a D. Fernando no Foral de Abrantes de 1179, assim nenhuma outra menção permite confirmar esse dado.

a morte de D. Afonso III. Este documento foi aceito por D. Dinis em 1282. Quando da resposta do papa, em 1284, D. Durão não era mais o bispo de Évora.

O novo bispo, eleito em 1284 e consagrado em 1285, foi D. Domingos Anes Jardo. Permaneceu como bispo de Évora até à sua transferência para Lisboa, em 1289. Trata-se de putro bispo que parece ter feito carreira na corte de D. Afonso III. Domingos Jardo, clérigo do rei desde 1272 e cónego de Évora desde 1277, compôs ainda o conselho do rei. A sua origem é obscura, parece ser humilde. Com efeito, sua ascensão se deu em razão de sua proximidade do rei, semelhante à ascensão de D. Durão.

Com D. Dinis no trono, a ascensão de Domingos Jardo não cessou de aumentar. D. Dinis lhe confiou o ofício de chanceler-mor. Concomitante a isto, o monarca lhe concedeu um conjunto de bens.

Segundo a Doutora Hermínia Vilar, apesar de termos uma multiplicação da documentação a partir do século XIII, há um desconhecimento maior sobre a sucessão dos bispos. Se bem assim, ressalta que esta centúria dos Trezentos (1340-1424) instituiu nova forma de os reis se relacionarem com a diocese de Évora. D. João Afonso, antigo cónego de Évora, talvez tenha sido nomeado provavelmente pelo Papa Clemente IV. Mesmo pertencendo à diocese, parece não ter sido eleito por seus pares. Sabe-se pouco sobre a administração desse novo bispo de Évora. Há indícios de que tenha ficado à frente da diocese até 1355, provavelmente. A autora diz que esse desconhecimento é novamente decorrente da falta de documentos.

O substituto de D. João Afonso foi D. João Gomes, contemporâneo de D. Pedro, o qual participou de todos os conflitos que o monarca teve com a Igreja portuguesa. As querelas entre o monarca e o clero se pautavam, sobretudo, pela administração dos poderes teocrático e hierocrático, ou seja, o clero português se encontrava descontente, porque o rei D. Pedro não franqueava que os clérigos exercessem a prática da justiça. Nas cortes de 1361, o clero apresentou trinta e dois artigos para tentar coibir que a referida prática do exercício da justiça clerical fosse questionada. Este bispo permaneceu no cargo por treze anos, mas a documentação não dá condições para fazer uma análise maior.

Percebe-se, por meio deste estudo, que a relação existente entre a monarquia portuguesa e o poder episcopal sempre foi marcada pela dependência dos eclesiásticos das concessões efetuadas pelo monarca à Diocese, deixando

transparecer que o papa detinha pouca influência sobre o posicionamento desses clérigos. Todavia, em momentos de confronto entre os poderes, particularmente quando o rei tentou, por meio de sua legislação, coibir a prática do exercício da justiça pelos eclesiásticos, estes solicitaram a intervenção papal para os auxiliar na reconquista desse poder legal.

Havia uma tensão, desde sempre, entre o poder temporal e espiritual. Isso demonstra também que os reis, continuadamente, se preocuparam em consolidar seu poder sobre a Igreja dentro do reino. Esse facto, essa preocupação em controlar e coibir os privilégios dos eclesiásticos no reino, percebe-se por meio das várias Ordenações constituídas pelos monarcas para impor uma disciplina, uma ordem, a todos os eclesiásticos do reino. Isso levou em vários momentos a solicitação dos clérigos à intervenção papal para resolver essas querelas54.