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Pode-se dizer que o poder na Idade Média, em Portugal especificamente, no período que escolhemos investigar, os séculos XIII e XIV, estava fracionado em várias esferas. Pode-se mencionar o poder eclesiástico, o poder monárquico, o poder senhorial e, em determinadas regiões, o poder concelhio.

Nesta parte do trabalho, procuramos traçar, em linhas gerais, os elementos teóricos que moldaram a ideia de poder no período em estudo, sobretudo quanto às concepções acerca do poder espiritual e temporal.

A Igreja quase sempre defendeu seu poder de forma contundente, mormente com as contribuições de determinados papas, que conseguiram dotá-la de instrumentos de acção política eficazes. Entre as principais: maior disciplina imposta ao Clero, maior hierarquia dentro da Igreja em que a personagem do Papa tem a supremacia sobre tudo, devendo prestar contas somente a Deus e, ainda, maior produção de leis, ou seja, maior divulgação do Direito Eclesiástico. Entre esses Papas que fortaleceram significamente a Igreja, se destacam, v.g., Gregório VII1,

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Este Papa assume o pontificado em 1073. De acordo com a sua concepção de poder eclesiástico, acreditava que era preciso esclarecer como a fé e a justiça podiam se efetivar na sociedade. No ano de 1075, em um documento intitulado Dictatus Papae, de forma sistemática, explicita suas ideias e a proposta para a relação entre os poderes, como segue: “1. Só a Igreja Romana foi fundada por Deus. 2. Só o Pontífice Romano, portanto, tem o direito de ser chamado universal. 3. Só ele pode nomear e depor bispos. 4. Um seu emissário, mesmo que inferior em grau hierárquico, tem precedência relativamente a todos os bispos reunidos em sínodo e pode decretar uma sentença de deposição contra eles. 5. O Papa tem o direito de destituir os ausentes. 6. Não se deve estar em comunhão ou permanecer na mesma casa com aqueles que foram excomungados pelos Pontífice. 7. Só a ele é lícito promulgar novas leis, de acordo com as necessidades do momento, reunir novas congregações, converter um canonicato em abadia e vice-versa, dividir um bispado rico e unir vários que sejam pobres, 8. Só ele pode usar a insígnia imperial. 9. Todos os príncipes devem beijar só os seus pés. 10. O seu nome deve ser recitado em todas as igrejas, 11. O seu título é único no mundo. 12. É-lhe lícito destituir o Imperador. 13. Também lhe é lícito, conforme as necessidades, transferir bispos de uma sé para outra. 14. Só ele tem o poder de ordenar que um clérigo de qualquer igreja vá para onde lhe aprouver. 15. Aquele que é sagrado por ele pode governar qualquer igreja, sem se subornar a ninguém, e não pode receber de bispo algum qualquer grau hierárquico superior. 16. Nenhum sínodo poderá ser considerado geral se não for convocado por ele. 17. Nenhum livro ou capítulo pode ser considerado canónico sem a sua confirmação. 18. Ninguém pode revogar as suas sentenças; só ele próprio pode fazê-lo. 19. Ninguém pode julgá-lo. 20. Ninguém pode censurar quem apela para a Sé Apostólica. 21. As causas de importância maior de qualquer igreja devem ser-lhe apresentada, para que ele as julgue. 22. A Igreja Romana, segundo testemunha a escritura, nunca errou e jamais errará. 23. O sumo Pontífice, escolhido conforme a eleição canónica, será indubitavelmente santificado pelos méritos do bem-aventurado Pedro, segundo afirma Santo Enódio, bispo de Pavia, em consenso com muitos Santos Padres, conforme está escrito nos decretos do Papa Símaco. 24. É lícito aos subordinados, de acordo com a sua ordem e autorização, fazer acusações. 25. Ele pode depor e

Inocêncio III2 e Bonifácio VIII3. Estes Papas integraram “a escola de pensamento eclesiológico-político que os transcendia e que procurava impor-se na sociedade medieval. Tal escola é designada por escola hierocrata, e a teoria política que se elaborou e se defendeu é conhecida por hierocracia”4.

De fato, esses Papas instituíram uma concepção e uma política hierocrática eficaz, tanto que, por longo período, os eclesiásticos e sua instituição foram vistos como os verdadeiros representantes de Deus na terra. Por isso, reivindicavam o direito de intervir em todos os aspectos da sociedade cristã. Entre estes Papas, cremos ser importante extremar as principais ideias de Inocêncio III, notadamente as ideias de Bonifácio VIII.

nomear bispos sem uma reunião sinodal. 26. Não deve ser considerado católico quem não está em comunhão com a Igreja Romana. 27. O Pontífice pode libertar os súbditos do juramento de fidelidade feito a um monarca iníquo.” Dictatus Papae, de Gregório VII, Patrologia latina, v. 148, p. 407-408. apud SOUZA, José António de Camargo de Rodrigues de &, João Morais BARBOSA – O reino de Deus e o reino dos homens. As relações entre os poderes espiritual e temporal na Baixa Idade Média (da reforma Gregoriana a João Quidort), Porto Alegre: EDIPUCRS, 1997, p. 48-49.

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Pertencente a uma antiga família de origem germânica, aparentada com as principais famílias da aristocracia romana, Papa Inocêncio III, nascido Lottario d'Conti (nascido em Anagni, Itália, Sumo Pontífice entre 1198 e 1216) foi um homem culto, sagaz, hábil administrador, sustentando lutas contra monarcas europeus para submetê-los à Igreja Católica. Completou os estudos de teologia na universidade de Paris e os de direito na universidade de Bolonha, destacando-se logo por seus dotes de estudioso, a grande energia, as altas qualidades morais e a intuição política. Sobrinho do papa Clemente III, que o nomeou cardeal (1187), sucedeu o papa Celestino III em 1198. Dedicou o seu pontificado à reforma moral da Igreja, à luta contra os heréticos e os infiéis, à afirmação dos ideais teocráticos já expressos por Nicolau I, Gregório VII e Alexandre III, que ele desejou ratificar com maior autoridade e firmeza. Baseando-se em princípios do direito canônico e da escolástica, defendeu a supremacia papal sobre todos os que reinam na terra, uma vez que considerava o papa, vigário de Cristo, o detentor de ambos os poderes, espiritual e temporal, simbolizados pelas "duas espadas", uma das qual o papa pode confiar ao imperador, que, porém, deve agir apenas em conformidade com a sua orientação. Dirigiu a sua atenção, em primeiro lugar, ao problema do controle pontifício sobre Roma, dominada politicamente por um partido ligado ao imperador, que, por sua vez, era controlado por algumas grandes famílias da aristocracia. Obteve o juramento de fidelidade do prefeito de Roma e do Senado (1198), enfraquecido após a morte do imperador Henrique VI (1197). Nos anos seguintes, o confronto com a aristocracia contrária a ele se acirrou, e Inocêncio foi obrigado a abandonar Roma várias vezes, antes que se chegasse a um acordo, em 1205. A momentânea fase de fragilidade por que passava o poder imperial, disputado por vários pretendentes, permitiu que Inocêncio fortalecesse o Estado Pontifício, cuja administração foi confiada a legados pontifícios ou aos leigos de comprovada fidelidade. Em seguida, empreendeu uma tenaz política intervencionista sobre vários soberanos europeus, como expressão de seu conceito de primado papal. Pesquisado em 10.11.05. http://cf.uol.com.br/jubilaeum/historia_texto.cfm?id=57. 3

Pe. José Artulino BESEN – O Cisma do Ocidente e o Cativeiro de Avinhão. Edição, Pontifício Instituto Missões Exterior. P.I.M.E-NET. Revista nº 182 – 2003. O papa Bonifácio VIII (1294-1303) foi eleito na sucessão de São Celestino V (Pedro Morrone), que tinha renunciado, pois preferia continuar monge. Era enérgico, impetuoso, conhecedor do Direito Canônico, mas não se tinha adaptado aos novos tempos: queria ser papa à imagem de Gregório VII e Inocêncio III, ser o imperador do mundo. Interferiu em todos os problemas europeus (Alemanha, França, Sicília, Escócia, Boêmia, Veneza) e em todos foi derrotado. Sua maior ousadia foi competir com o rei francês Felipe IV o Belo (1285- 1314), que era hábil politicamente, ambicioso, conhecedor do Direito Romano, segundo o qual o rei é imperador em seu reino e o que lhe agrada tem valor de lei.

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Inocêncio III teve papel de destaque na história da formulação do poder eclesiástico. Foi eleito Papa ainda jovem, aos 37 anos. Acreditava que ocupava, na Terra, o lugar de Deus. Talvez, devido a esta concepção, lutou contra determinados reis. Manteve com Filipe Augusto, rei da França, longa querela.

A noção exposta de forma clara por Inocêncio III pode ser notada também em outros documentos eclesiásticos e também nos argumentos de Hugo de São Víctor5. Segundo Walter Ullmann6, de acordo com as ideias do papado medieval vigente desde Leão I, papa entre 440-461, não havia nenhuma diferença entre os poderes atribuídos a Pedro por Jesus e seus sucessores. A sucessão de Pedro dizia respeito, portanto, a seu ofício, e não às qualidades pessoais do apóstolo. Ou seja, o que o papa herdaria seria o status legal outorgado por Cristo a Pedro, conferido ao Sumo Pontífice no momento de sua coroação. Perpetuava-se, assim, a relação direta que existiu entre o apóstolo e seu Mestre.

O Pontífice cumpria a função de mediador entre o mundo espiritual e temporal, por isso o papa na terra somente estava abaixo de Deus e, por conseguinte, acima de todos os outros homens. Deveria prestar contas das acções de reis e príncipes seculares, posto que a ele havia sido concedida a guarda da totalidade dos cristãos sobre a terra. Seu poder era, com efeito, uma graça divina, o que o tornava inquestionável.

Para Inocêncio III, essa máxima devia ser cumprida e respeitada, ou seja, o papa exercia seu poder sobre todos os batizados, leigos e clérigos, reis e servos, pois o primado pontifício foi concedido por Cristo a S. Pedro. Por causa dessa suas ideias, que não eram totalmente novas, este Papa via o poder temporal como instrumento defensor da Igreja, e os imperadores e reis seriam vassalos da Igreja, devendo protegê-la7.

Outro papa que, a nosso ver, deve ser relembrado, particularmente por causa de suas ideias sobre o Poder na Idade Média, é Bonifácio VIII. Foi eleito em 1294,

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Este autor descreveu a Igreja como o Corpo Místico de Cristo, tese de origem paulina (1Cor 12, 12- 28). É a Igreja, concebida de um modo orgânico, em que cada membro, clérigo ou leigo, desempenha uma função específica, à semelhança do organismo humano, em benefício do todo, não em proveito de si mesmo. Cf. José Antônio de C. R. de SOUZA & João Morais BARBOSA – O Reino de Deus e o Reino dos Homens. Porto Alegre: Editora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1998, pp. 64-65.

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Walter ULLMANN – Principios de gobierno y politica en la edad media. Biblioteca de Politica Y Sociologia. Madrid: Ediciones de la Revista de Occidente, 1971. Ver particularmente o cap, 2.

7 Conf. José Antônio de C. R. de SOUZA & João Morais BARBOSA – O Reino de Deus e o Reino dos Homens. Porto Alegre: Editora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1998, pp. 106-112.

como sucessor de Celestino V. Em alguns aspectos, seu projecto era muito parecido com o de Inocêncio III, embora, pelo facto de encontrar-se em outra conjuntura política, já não fosse mais possível implementá-lo, visto que o fortalecimento do poder monárquico em vários reinos já estava em franco desenvolvimento.

Seu pontificado foi marcado por conflitos, principalmente contra Filipe, o Belo, rei da França que vinha impondo e expandindo sua soberania para além do reino franco. O desentendimento entre os dois se inicia em 1296, quando o Papa se recusou a aceitar a taxação do clero francês. Era objectivo deste monarca consolidar, em muito, o poder da monarquia francesa. Daí, desejava exercer seu poder em todos os aspectos administrativos, particularmente nas esferas política, jurídica e social. O professor José António de Souza afirma:

No entanto, Filipe IV, precisando cada vez mais de dinheiro para manter a guerra contra Eduardo I, aumentou gradualmente o valor das taxas sobre o clero francês. Alguns clérigos julgavam a medida justa porque, afinal, a França estava em guerra. Além disso os assessores do rei tinham influenciado a população mediante uma bem organizada campanha contra a Inglaterra. Outros clérigos, todavia, pensavam que o Monarca os desrespeitava e violava o acordo firmado com o Sumo Pontífice. Entre Estes últimos contava- se Bernardo Saisset, Bispo de Pamiers e amigo de Bonifácio VIII, o qual não perdia a oportunidade de criticar asperamente o Rei8.

Este monarca fundamentou seu discurso sobretudo nos escritos de seus juristas e, a partir dessa instrumentalização, não permitiu que seu poder fosse colocado em dúvida pelo Papa. Este, por sua vez desejava que o monarca cumprisse suas ordens.

Os juristas de Filipe, o Belo, conseguiram perceber que o mundo não mais aceitava aquela intromissão em questões que fugiam, na concepção deles, à responsabilidade do papa. Afirmavam que este não tinha o direito de legislar em questões de carácter jurídico-social do reino francês. Assim, Filipe IV, assessorado e influenciado pelos juristas burgueses Pedro Flotte, Guilherme de Plaisians, Enguerrando de Marigny e Guilherme de Nogaret, na condição de especialistas em Direito Romano, e por força desta sua formação, não podiam mais concordar com essa mundividência e, assim, orientaram o monarca a não mais acatar as determinações de Bonifácio VIII. Esses juristas, por suas capacidades de regimentar

8 Conf. José Antônio de C. R. de SOUZA & João Morais BARBOSA – O Reino de Deus e o Reino dos Homens. Porto Alegre: Editora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1998, p. 159.

várias facetas da vida civil e política, por suas formalidades e pelo fato de buscarem ser justos, afirmavam-se contundentemente contra as ideias do Papa:

O rei devia ser o Princips no sentido jurídico-político da palavra, isto é, a fonte e a origem de toda lei, e, na qualidade de chefe de Estado, devia dispor de todos os meios apropriados para proteger o bem, o interesse, a honra e a liberdade de todos9.

É importante ressaltar que esses juristas apreenderam ainda outra concepção a respeito do poder político-legislativo-administrativo do rei, no qual estavam presentes ideias que iam além do poder dos imperadores. Essa nova concepção permitia entender a extensão do poder dos reis nas monarquias em ascensão naquele momento. E aí destaca-se, particularmente a concepção dos Reis de Leão- Castela, especialmente as ideias de Afonso X, O Sábio (1252-1284), que afirmava –

rex in regno suo est imperator10.

O Papa Bonifácio VIII estava preocupado em recuperar seu poder sobre o monarca Filipe IV e sair vitorioso da querela travada com este. Para tanto beneficiou- se das obras dos eclesiásticos que haviam produzido trabalhos, nos quais defendiam a supremacia do poder espiritual sobre o temporal. Esses livros eram do conhecimento de todo o mundo eclesiástico. Entre os clérigos que escreveram trabalhos com essas ideias, assinalam-se particularmente Henrique de Carmona, Egídio Romano e Tiago de Viterbo, com obras importantes, respectivamente: De

Potentia Papae (1301), De regimine principum e Sobre o Poder Eclesiástico (1301-

1302); De Regimine Christiano, e outros. As obras destes teóricos, em particular as de Egídio Romano, ao chegarem ao conhecimento dos intelectuais portugueses da época, reflectiram, sem dúvida no pensamento político-social de D. Dinis e de seus sucessores.

[...] Lo importante es que las inquietudes teórico-políticas de Egidio Romano produjeron el tratado de teoria política medieval que más fue leído en ese período. Su espejo de príncipes, titulado De regimine principum, se difundió por toda Europa con gran intensidad. [...]. La vasta difusión del tratado de Egidio revela que éste -si bien no en la corte del heredero francés- fue rápidamente leído y utilizado con frecuencia en círculos cientificos. Por otra parte, las distintas traducciones del libro en lengua vulgar muestran que no sólo los eruditos que se movían con facilidad en el ámbito de la lengua latina encontraron provechoso el conocimiento de la obra; tambien aquellos

9 Idem, pp. 151-153.

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que sólo dominaban la lengua vulgar querían aprovechar el texto [...]11.

Egídio Romano nasceu em Roma, entre 1243 e 1247. Pertenceu à ordem dos Agostinianos, tendo estudado com Tomás de Aquino. Devido à sua capacidade intelectual, era profundo conhecedor das concepções político–filosóficas agostiniana, tomista e averroísta, tendo se destacado dentre seus mestres. Egídio Romano foi preceptor do futuro Filipe IV, o Belo, a convite de seu pai, daí sua posterior influência no reinado de seu discípulo. Ele escreveu, nesse período, o De

Regimine Principum, segundo consta, considerado o livro político mais lido na Idade

Média, chegando a ser traduzido para o hebraico e para a língua portuguesa12.

Bonifácio VIII aproveitou-se de um trabalho escrito por Egídio Romano, intitulado De ecclesiastica potestate. Nesse trabalho, sistematizou filosófica e

teologicamente o pensamento político-hierocrático, fundamentou seu discurso em

Santo Agostinho, em Hugo de São Victor, no Pseudo-Dionísio, na Sagrada Escritura e no Direito Canónico. Esse livro firmou a tese da supremacia do poder papal sobre o poder temporal. Devido à superioridade do poder do papa, era dele a competência de instituir o poder terreno, de transferir reinos e de depor os príncipes seculares13.

Esses princípios foram posteriormente utilizados pelo Papa Bonifácio VIII, particularmente quando publicou a bula Unam Sanctam14. Nessa bula, segundo

Kantorowicz15, Bonifácio VIII consegue sintetizar claramente toda sua concepção teórica da doutrina da Igreja, na qual defendia claramente a supremacia do poder espiritual sobre o poder temporal, como teremos oportunidade de comentar, depois de tecermos algumas considerações sobre outro trabalho que também subsidiou os argumentos do Papa nessa Bula. Estamos a nos referir a Tiago de Viterbo, que escreveu o livro De regime christiano.

11 Jürgen MIETHKE - Las ideas políticas de la Edad Media. Buenos Aires: Editorial Biblos, 1993, pp. 92/93.

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Luís Alberto De BONI – Introdução. A vida – A Obra, In: Egídio ROMANO - Sobre o poder eclesiástico. Tradução Cléa Pitt B. Goldman Vel Lejbman & Luís A. De Boni. Petrópolis-RJ: Editora Vozes, 1989, pp. 11-12.

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José Antônio de C. R. de SOUZA & João Morais BARBOSA – O Reino de Deus e o Reino dos Homens. Porto Alegre: Editora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1997, p. 163.

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José Antônio de C. R. de SOUZA & João Morais BARBOSA – O Reino de Deus e o Reino dos Homens. Porto Alegre: Editora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 1997, pp. 202-204.

15 Ernest H. KANTOROWICZ – Os dois corpos do Rei. Um estudo sobre teologia política medieval. São Paulo: Cia das Letras, 1998.

Tiago de Viterbo pertenceu à congregação dos Eremitas de Santo Agostinho, bem por isso seu trabalho foi marcado pelo aristotelismo agostinizado. Resumidamente, podemos dizer, serem estas as principais ideias divulgadas em seu trabalho: a Igreja devia ser vista como um regnum legítimo e justo, pois foi concebida por Deus; era um reino perpétuo e não teria fim; o reino tinha uma estrutura hierarquizada; era um reino homogéneo; era um reino rico e forte; era um reino pacífico16.

Ao apresentar essas ideias, tencionava demonstrar que a Igreja era um

regnum e havia recebido de Cristo a incumbência, a missão de anunciar a Boa

Nova, distribuir os sacramentos e realizar o reino de Deus na terra. O Sumo Pontífice detinha a plenitude do poder régio e sacerdotal sobre toda a Igreja. E devia conduzir o homem para seu fim último, sendo essa tarefa muito mais importante que os encargos dos soberanos. Daí que estes deviam obedecer ao Papa. Os soberanos e os príncipes eram tão-somente um ministri Ecclesiae17.

Seguindo esses princípios, o Papa Bonifácio VIII outorgou a já referida bula

Unam Sanctam. Esta bula, para além de seu significado teológico, representou

tentativa de manter a supremacia da Igreja, numa época em que o nascente Estado francês estava se fortalecendo, e as ideias agostinianas perdiam espaço para as aristotélicas.

Assim, encontramos nessa bula uma concepção que sustentava uma Igreja una e única, formada por um corpo dotado de uma única cabeça, Jesus Cristo18, que delegou o poder a Pedro, e na pessoa dele a seus sucessores, seu poder universal. Dessa forma, todos os reinos e impérios estavam subsumidos nesse Corpo Místico de Cristo, que era a Igreja. Esta Igreja, que é una e única, possui um só corpo e uma

só cabeça, não duas, como se fosse um monstro, a saber, Cristo e o vigário de Cristo, Pedro seu socessor19.

Sendo a Igreja una, e tendo Cristo como a cabeça, era somente por meio