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3.3 Economia

3.3.4 Olarias

Outra actividade económica importante para a sociedade era a da produção do material necessário à construção das casas, dos fortes, das muralhas e de outros edifícios, a saber, os tijolos e os ladrilhos. As olarias distribuíam-se por todo o país, dado que havia terras argilosas por toda parte:

O surto de construção civil, religiosa e militar no Portugal de Duzentos levava à proliferação por todo o espaço rural de inúmeros telheiros e fornos de telha. [...]. A produção da telha era altamente rentável, o que se prova pelo cuidado que as instituições religiosas colocavam na definição do dízimo dos telheiros e das olarias sediadas sob a sua jurisdição90.

As olarias possuíam um quadro de auxiliares, aprendizes de ofícios, que eram, na sua maioria, parentes do oleiro. Essa organização económica e social foi, desde sempre, regida por instrumentos jurídicos que os monarcas se preocuparam em estabelecer para disciplinar, organizar, incentivar, normatizar as relações de poder entre os Ordines do reino. Como vimos, nas páginas iniciais deste capítulo, para que esse propósito fosse alcançado, concomitantemente, os reis foram criando

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LLP, p.402.

90 Maria Rosa Ferreira MARREIROS - A Propriedade Fundiária e Rendas da Coroa no Reinado de D. Dinis. Guimarães. Tese de Doutorado apresentada junto à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Volume I, 1990. p. 480.

um corpo de funcionários91 que veio a se constituir na burocracia estatal, igualmente relevante para que o poder monárquico se estendesse por todo o reino e, com autoridade e legitimidade, pairasse acima dos outros poderes que tinham de ser-lhe subalternos. É o que iremos ver pontualmente nos próximos capítulos desta dissertação.

91 Para ter uma compreensão mais detalhada e hierarquizada das diferentes funcções que exerceram auxílio aos monarcas na Idade Média, remetemos o leitor para a leitura das Ordenações Afonsinas, particularmente o Livro I, em que se encontra a descrição de todos os oficios do reino.

CAPÍTULO IV

A SUCESSÃO RÉGIA E AS ORDENAÇÕES GERAIS DE CARÁTER POLÍTICO- ADMINISTRATIVO (1250-1383)

Como foi visto no capítulo II, a origem e a legitimidade do poder régio, no medievo português, baseavam-se na tese de sua origem divina, aceita por todos os súbditos. Estavam, sobretudo, fundamentadas nos passos da Carta de Paulo aos

Romanos, 13, 1-7, e na 1ª Carta de Pedro, 2, 13-15. Não é despropositado, portanto,

tampouco mero topos, encontrar, nos documentos reais, a expressão rex gratia Dei, no singular, ou reges gratia Dei, no plural, quando o príncipe herdeiro assumia a regência por motivo de impedimento do pai, especificamente no caso de doença.

Essa concepção foi reforçada e ampliada pelos assessores dos reis, muitos dos quais formados in utroque iure. Com base em fontes jurídicas, estes assessores também sustentaram, entre outras ideias, que o poder régio procedia diretamente de Deus, sem a mediação do papa, com vista a assegurar-lhe uma autonomia em sua esfera própria de ação, mediante o poder eclesiástico local, personificado pelos bispos. Convém lembrar que os reis de Portugal eram vassalos da Santa Sé, como já referido outra vezes neste trabalho.

As principais competências do poder régio, ou seja, daquele que podemos chamar de rei-juiz da época eram:

• Delegar funcionários para julgar todas as causas, demandas e queixas que lhe fossem apresentadas diretamente, em seu tribunal ou em local apropriado;

• Proferir sentenças de todo tipo contra quaisquer delinqüentes/réus, criminosos;

• Disciplinar o poder jurisdicional do clero e da nobreza.

Essas ações visavam a ampliar a jurisdição do rei, fortalecendo seu poder e, por outro, disciplinar, ordenar e subordinar os demais poderes existentes no reino, pertencentes, efetivamente, ao episcopado e ao Clero regular, membros do Ordo

clericorum, à Nobreza e aos integrantes do Ordo laicorum.

Além da aura divina atribuída ao rei, outro factor contribuía para afirmação de seu poder na Baixa Idade Média Portuguesa. Com efeito,

Além de o rei possuir imensas terras, eram enormes os direitos reais cobrados sobre todas as actividades económicas dos seus súbditos. Possuindo o exclusivo da cunhagem de moeda, recebia impostos provenientes de bens fundiários ou móveis e ainda multas resultantes de infracções praticadas na esfera do económico e do judicial1.

Como se vê, o poder régio também estava relacionado com a quantidade de bens que este possuía e dos quais podia fazer concessões para conseguir apoio. Mesmo assim, o soberano necessitava do auxílio, tanto da Nobreza quanto do Clero. Com o passar do tempo, porém, os reis apoiaram-se nos Concelhos para contraporem-se ao poder da primeira e da segunda Ordens, particularmente D. Afonso III e D. Dinis.

Os Concelhos eram habitados por camponeses e pelos cavaleiros-vilões, que tinham a obrigação de providenciar homens para compor o exército do monarca quando se fizesse necessário.

Os monarcas mencionados, bem como seus sucessores, passaram a legislar com esse fito. Nesse sentido, pode-se afirmar que as Ordenações foram usadas como estratégia político-juridica para controlar e disciplinar os demais segmentos sociais existentes no reino. Ao mesmo tempo em que o rei estava a construir a máquina burocrática governativa, a justiça se cristalizava como instrumentro eficaz da hegemonia do poder da monarquia.

Os monarcas procuraram orientar o comportamento dos oficiais, diminuir o poder político-jurídico da Nobreza, e, em particular, do Clero, por meio de suas acções legais de teor administrativo. Nesse aspecto, é importante reconstituirmos a conjuntura que levou cada monarca ao poder e, ainda, considerarmos como foram suas administrações nos âmbitos teórico, político-normativo e administrativo, e, nesta parte do trabalho particularmente, com relação à primeira Ordem.

Assim, interessa-nos verificar, por meio dos textos normativos outorgados pelos reis portugueses do período em causa, de que modo eles disciplinaram, delimitaram, regulamentaram tanto os outros poderes existentes no reino como os demais funcionários régios e, ainda, de todos os seus súbditos em geral.

Para tal, definimos como prioridade, neste capítulo em particular, comentar e analisar sucintamente, a história da sucessão dos monarcas D. Afonso III, D. Dinis e D. Afonso IV e seu relacionamento com o clero.

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Humberto Baquero MORENO - Exilados, Marginais e contestatários na sociedade portuguesa medieval. Lisboa: Editorial Presença, 1990, p. 79.

Destacamos e comentamos algumas leis relativas, particularmente, aos eclesiásticos e ainda leis outorgadas para disciplinar o aparato jurídico na Corte Régia. Damos maior atenção às leis de D. Dinis e D. Afonso IV, por considerarmos tais reinados como término e início, respectivamente, de novas práticas político- administrativas que se cristalizaram em suas épocas.

O destaque ao Clero justifica-se porque esta Ordem foi a que mais colaborou com os reis, na acepção teórica do poder régio, tanto no nível espiritual, quando no nível temporal político e administrativo. Daí não integrarmos as medidas feitas contra os privilégios da Igreja juntamente com as leis de constituição do aparelho burocrato régio e a sua disciplinarização, que serão tratadas em capítulo à parte.

Os reinados de D. Afonso III, de D. Pedro e D. Fernando, o primeiro, no início, e os dois últimos, no final do capítulo, em ordem cronológica, são pretensamente apresentados num texto geral, em virtude de suas Ordenações terem como tal uma menor relevância na temática em tela. Com efeito, apresentaremos, grosso modo, um conjunto de leis outorgadas por D. Pedro e D. Fernando, que tratam de aspectos generalistas da sociedade portuguesa de seus respectivos reinados.