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O poder concelhio: sua origem e seu espaço de actuação

Os concelhos era a forma como se organizavam as comunidades locais. Os monarcas dos séculos XII e XIII se apoiaram neles para se contraporem à nobreza e ao clero. Assim, concederam forais às várias regiões do país, notadamente com finalidades sóciopolíticas e económicas e, ainda, com o objectivo geopolítico de realizar o povoamento dos espaços fronteiriços.

D. Dinis e outros monarcas, com esse propósito, concederam forais que facilitaram a vida dos homens que viessem a habitar os lugares de difícil ocupação, fosse pelo tipo de solo, ou pelo clima, fosse pela dificuldade de chegar ao local ou pelas escassas vias de comunicação, entre outros motivos.

Nesse viés, antes de nos aprofundarmos sobre as relações políticas e sociais que se estabeleceram entre o concelho, seus vizinhos e as outras Ordens, convém

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Consultar Maria Teresa Nobre VELOSO – Um tempo de afirmação Política. As Primeiras Medidas na Senda do Centralismo. In: Maria Helena da Cruz COELHO & Armando Luís de Carvalho HOMEM - Portugal em Definição de Fronteiras. Do condado Portucalense à Crise do Século XIV. Lisboa: Editorial Presença, 1996. Durante o reinado de D. Afonso II houve cada vez mais coação para que os clérigos pagassem tributos, bem como para que ficassem sujeitos aos tribunais e prisões régias. Este monarca inclusive outorgou uma Lei em que proibia os clérigos de possuírem bens de raiz. O sei irmão, também enfrentou sérios problemas com a Igreja, sendo por isso também, deposto. O seu substituto D. Afonso III, inicialmente, pois, era seu interesse, manteve uma relação amistosa com o Clero e a Igreja romana, mas com o passar dos anos impôs várias medidas disciplinadoras restritivas aos privilégios dos clérigos. Conforme deixa claro Leontina VENTURA – D. Afonso III. Casais de Mem Martins, Rio de Mouro, 2006. Ver, sobretudo pp. 149-161. D. Dinis também teve problemas com o clero português, e os resolveu através de três concordas. Conf. Ainda José Augusto de S. M. PIZARRO – D. Dinis. Casais de Mem Martins, Rio de Mouro, 2006.

explicitarmos a origem desse termo, sem, todavia, abraçar a pretensão de resolver a polémica existente sobre as possíveis origens dos concelhos portugueses.

Alguns dos historiadores acolhem que o termo concelho vem da palavra

Concilium, significando concelho, reunião ou assembleia. Assim “ - Concilium – foi a palavra que designou, durante o império visigótico, os concílios ou assembleias de bispos efectuadas em Braga, Toledo, Sevilha e, já sob o domínio muçulmano, em Mérida, Toledo, Sevilha, ou depois Leão, Coyanza, Oviedo”55. No reino visigótico, usava-se, também, a palavra Conventus, que podia significar a associação ou reunião de monges, e conventus publicus vicinorum, expressão essa que denotava a assembleia dos chefes de família.

Há alguns historiadores, entre eles A. Herculano, que acreditam poder essa instituição germânica estar no princípio das assembleias de vizinhos. Sobre essa questão, Maria H. da Cruz Coelho comenta:

“Para além de que, em certas localidades montanhosas, de acesso mais inóspito, onde os invasores, de Romanos e Germanos, jamais teriam conseguido dominar, se poderia ter mantido a velha estrutura gentílica, que em redes de parentesco organizava todo o quadro da vida comunitária”56.

Foi no início da centúria dos Duzentos que essa palavra surgiu no sentido de ‘reunião de moradores’. É “no livro III da Crónica Compostelana, [que] a palavra

aparece finalmente no significado restrito de assembleia e governo municipal”57.

O estabelecimento dos concelhos com referência à sua origem deve ser percebido em toda a sua dinâmica social, relacionado com vários factores, por exemplo, “consoante a sua distribuição geográfica, a sua dinâmica socio-económica

ou mesmo a sua matriz civilizacional-cultura”. Por isso se fala em concelhos

nortenhos, em concelhos do litoral ou do interior, em concelhos de planície ou de montanha, em concelhos rurais ou urbanos, em concelhos de raiz cristã ou muçulmana”58, de modo que não há um padrão geral de classificação. Vê-se que havia grandes diferenças entre os concelhos, dependendo de sua classificação:

v.g., os concelhos chamados rurais eram diferentes dos urbanos.

55 A. B Coelho - Comunas ou Concelhos. Lisboa: Caminho, 1986, p. 149. 56

M. H. da Cruz COELHO. e A. L. de Carvalho HOMEM (Coord.) - Op. cit., p. 555. 57 A. B. Coelho Op. cit., p. 152.

58 M. H. da Cruz COELHO - Concelhos. In: M. H. da Cruz COELHO e A. L. de Carvalho HOMEM (Coord.) - Op. cit. p. 557.

Nestes, a cavalaria-vilã conseguiu sobrepor-se à comunidade e aos vizinhos, que eram, no mais das vezes, os peões. Nos concelhos ruruais, ao contrário, prevaleceu um espírito mais comunitário, de modo que não havia preminência deste ou daquele grupo social.

Ainda com relação à origem de muitos concelhos, é importante não se esquecer de que, em razão da invasão muçulmana, que provocou a fuga de muitos senhores para a Astúrias e dos camponeses para as matas, a terra ficou abandonada. Entretanto, o invasor, algumas vezes, retornava à sua terra natal e, quando não voltava ao território que havia tomado, contribuía para que os antigos habitantes ou seus descendentes regressassem ao local em que antes haviam ocupado, pois

[...] de novo a terra chamava os homens, para que o ciclo da vida se cumprisse. […]. Uma liberdade de facto, ainda que não de direito (o que pouco importaria), irmanava os homens e uma identidade de funções levava-os a ultrapassar o individual e a sentir o colectivo. Problemas de águas, de gados e pastagens, de novas terras a cultivar chamavam os homens, assentes num mesmo povoado, a decidir em conjunto59.

Mais tarde, com a reconquista, também ocorreram diferentes formas de ocupação do espaço vazio e surgiram novos núcleos, com suas especificidades, os quais se organizaram, ou subordinados aos detentores do poder local, como os bispos, os condes, as ordens monásticas e as ordens militares, ou a gozar de certa autonomia em relação a eles, embora subordinados à Coroa.

O processo de reconquista possibilitou às comunidades organizarem-se novamente. Muitas pessoas já traziam experiências vividas no seio da comunidade moura e não aceitaram facilmente se submeter, sem que as suas “liberdades” fossem preservadas. Desse modo, os outorgantes tiveram o cuidado de oferecer condições atractivas a essa população, que havia estado sob o jugo muçulmano. Seja por exemplo a possibilidade de se autogovernarem e/ou de elegerem seus administradores.

Alguns desses núcleos populacionais igualmente obtiveram essa autonomia daqueles senhores, proprietários de vastos domínios, que fizeram isso com o intuito de povoar e arrotear suas terras. Assim, estabeleceram contratos agrários colectivos

59 M. H. da Cruz COELHO e Joaquim Romero MAGALHÃES - O Poder Concelhio: das origens às cortes constituintes. Coimbra: Centro de Estudos e Formação Autárquica, 1986, p. 2.

– ad populandum ou cartas de povoamento, ou ad laborandum ou cartas de cultivo – , nos quais fixaram normas entre eles e os beneficiados. Por outro lado, a concessão feita pela Coroa o era mediante uma carta de foral, por meio da qual o rei oficializava a administração autónoma deste ou daquele núcleo populacional.

O Concelho era constituído pela sede, que podia estar localizada ou na cabeça da aldeia, na vila ou na cidade, ou em seu termo - o campo e a sua plantação. Era comum haver muralhas ao redor das vilas e cidades para protegê-las. Nelas havia portas, as quais, ao escurecer, eram fechadas e, ao raiar do dia, abertas. Era por meio delas que seus habitantes se comunicavam com o exterior, e pessoas de fora, mercadorias e animais ingressavam em seu interior. O número de portas variava conforme o tamanho do núcleo urbano. Junto das portas ficavam os oficiais do concelho incumbidos de cobrar as portagens daqueles que vinham vender seus produtos e mercadorias aos habitantes da sede.

Os termos, por sua vez, eram geralmente pequenos povoados, próximos ou mais distantes do núcleo urbano, cujos moradores forneciam, aos habitantes da sede, a carne, o vinho, o azeite, a fruta e as hortaliças de que careciam60. Os habitantes do termo dependiam do centro urbano por vários factores: necessitavam de comprar material que não fabricavam, como ferramentas utilizadas na preparação do solo para plantação das diversas culturas; necessitavam, também, da justiça e da segurança que estavam localizadas na sede do concelho. Aí, ele ainda podia ir para pagar o foro, apresentar queixas, efectuar contratos com outrem, mediante os préstimos do tabelião local. Para além dos povoados ou aldeias, e à volta deles, estendia-se a zona rural.

O Concelho representava, para seus moradores ou vizinhos, a tranquilidade e a segurança, bem como o reconhecimento de seus direitos de proprietários e a possibilidade de escolher os administradores locais: juízes, alvazis ou alcaides. Assim, a possibilidade de vingança era eliminada, pois os crimes seriam analisados e julgados pelos responsáveis pela aplicação da justiça, que haviam sido eleitos pela comunidade. Toda a vida do concelho era regulada pelos próprios vizinhos que, nas assembleias, tinham autonomia e competência para estabelecer leis de alcance local (posturas), as quais regulamentavam suas relações socioeconómicas e políticas. Os

60 A. H. de Oliveira MARQUES - Portugal na crise dos séculos XIV e XV. Volume IV. Lisboa: Editorial Presença, 1987, p. 190.

concelhos valorizavam muito sua autonomia, sobretudo a judicial, de que possuíam um símbolo especial, o pelourinho:

O direito de justiça própria, codificada em normas locais e administrada por oficiais escolhidos pelos vizinhos, era visivelmente simbolizada pelo pelourinho. Situado na praça pública, erguia-se internamente para lembrar à comunidade o respeito pela paz e a ordem61.

Cada concelho também detinham os símbolos que o representavam: a bandeira e o selo. “Pelourinho, bandeira e maximamente selos eram expressões de

um poder concelhio, que em mando efectivo se concretizava no quotidiano e em símbolos se eternizava para as gerações vindouras”62.

Outros aspectos políticos dos concelhos eram os seguintes: nenhuma comunidade se envolvia com os problemas de outra; ninguém que não residisse no conselho tinha o direito de interferir em seus assuntos internos.

Com o tempo, certas comunidades concelhias adquiriram organização mais complexa, em face do crescimento e do desenvolvimento económico. Assim, os dois alvazis ampliaram suas responsabilidades e passaram a chamar-se alvazis gerais; um tornou-se responsável pelo cível e o outro pelo crime. Criou-se, igualmente, o cargo de alvazis dos ovençais, cujo responsável tratava das questões surgidas entre a população e os funcionários régios. A superintendência da economia do concelho era da responsabilidade de 24 almotacés, que passaram a ser eleitos dois a cada mês do ano. Essa rotatividade, por certo, visava impedir subornos, bem como permitia uma divisão das incumbências administrativas locais. Criou-se, também, o cargo de tesoureiro do concelho, o qual cuidava das finanças e era auxiliado pelo escrivão. Para representar o concelho em questões de interesse da comunidade concelhia, geralmente em Cortes, havia o procurador.

Com o fito também de controlar a administração da justiça régia nos Concelhos, estabeleceu-se o cargo de juiz de fora. Algumas localidades prontamente aceitaram os enviados da Corte, pois acreditavam mais na imparcialidade de tais juízes; outras se lhes opuseram, sob a alegação de que tal acto feria a autonomia judiciária e política local.

Em nosso entender, o desenvolvimento do pensar e, de conseguinte, as

61 M. H. da Cruz COELHO - Concelhos. In: M. H. da Cruz COELHO e A. L. de Carvalho HOMEM - Op. cit. p. 562.

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ideias que se cristalizaram a partir de tais reflexões, acabaram por ser transmitidas de várias formas às novas gerações. Isso produziu a permanência de alguns valores e ideias que foram incorporadas e/ou transformadas devido à nova conjuntura político-econômica e social.

A produção e a relação que se estabeleceu não foi somente fruto de um momento, mas a conjugação de vários elementos, incluindo, as ideias produzidas e repassadas continuadamente.

Toda essa produção teórica influenciou os monarcas portugueses, mormente na construção da concepção de seus poderes. Segundo Anthony Black63, o conhecimento, a moral, a natureza e a humanidade, e ainda a sociedade e o Estado variavam enormemente, mas fazem parte de certa continuidade, mesmo que nesse processo encontremos certa descontinuidade.

A concepção de poder, instituída nos finais da Idade Média, passou por um processo que moldou a ideia de poder do monarca, particularmente por este acreditar em sua aura divina, levando à disciplinarização das outras esferas de poder, ou seja, o poder eclesiástico, o poder da nobreza dentro dos Senhorios e ainda o poder dos Concelhos.

Foi graças a essas ideias que os monarcas criaram um conjunto de leis para normatizar o reino de forma homogénea, tentando estabelecer uma harmonia entre todos.

Tal produção legislativa, de acordo com as ideias presentes naquele momento, tinha como finalidade fazer com que todos os seus súbditos fossem, após a morte, gozar da presença de Deus. Assim, o monarca estaria também conseguindo seu lugar ao lado de Deus, mormente porque acreditava que o que estava a fazer era a vontade divina, afinal Deus era o responsável por ele ser rei. Essas concepções podem ser percebidas particularmente mediante a leitura, análise e compreensão das leis que foram outorgadas pelos monarcas portugueses, as quais estarão oportunamente sendo inventariadas e comentadas nos capítulos vindouros desta dissertação.

O interessante é notar que, em todas as leis outorgadas pelos monarcas, os procedimentos de construção de seus discursos legislativos são muito parecidos. Entre tais semelhanças, notamos que havia sempre presente a participação da Corte

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Régia, o que denota que geralmente as leis nunca eram uma decisão unilateral do monarca: após ouvir o conselho da Corte, ele decide e outorga a Lei.

Os monarcas estiveram preocupados em criar ritos de procedimentos para que houvesse, em todos os Concelhos, práticas iguais, de modo que todos pudessem ter acesso a uma organização, a uma disciplina. Com essas práticas cristalizaria as relações e as hierarquias existentes no reino. Estabeleceram ainda que houvesse uma racionalidade do direito e da justiça iguais para todos, a cumprir os desígnios traçados por Deus.

Assim se evitaria que os concelhos perdessem seus direitos, embora certos Nobres aumentassem excessivamente seus homens armados, contratando até indivíduos indignos e os tornando cavaleiros, pondo,assim, em risco a paz pública. Aqui, sim, Dom Afonso IV, por exempo, que se destacou nesta questão, afirmava claramente que o rei era a única autoridade com o direito de tornar cavaleiro quem não fosse nobre de sangue64.

Era ele, portanto, o senhor que facultava o acesso à Nobreza, o único que podia suprir o defeito do nascimento.

No teor dos textos legais fica nítida, porém, a constante existência de conflitos entre as diferentes esferas de poder. No caso do poder dos Concelhos, em especial, havia um interesse notório em que eles próprios pudessem escolher seus juízes, e o poder dos poderosos cavaleiros que se sentiam com o direito de intervir nessa questão, mesmo sabendo que não podiam.

Embora os textos não citem, no mais das vezes, quem eram de facto os poderosos a que a lei fazia referência, é possível que procedessem assim porque estavam preocupados em colocar, na justiça local, alguém que pudesse vir a apoiá- los em alguma questão ligada à justiça. Podemos lançar essa hipótese pelo facto de que as querelas, tanto entre os Concelhos e as outras Ordens, quanto destas para com a justiça régia, eram constantes.

É igualmente importante perceber que, por meio da lei, vemos a preocupação do monarca em fazer com que todos entendessem que havia, em todo o reino, ou seja, dentro de Senhorios, Coutos e Honras, uma justiça maior, um Senhorio maior que devia ser respeitado: o senhorio régio. Por isso, a lei destinava-se a todos do reino, independentemente da Ordem na qual a pessoa se encontrava. Havia

64 José MATTOSO – Identificação de um País – Composição. Obras Completas – Volume 3, Rio de Mouro: Círculo de Leitores, 2001, p.125.

claramente presente uma concepção, que subjaz à lei, consiste na compreensão da existência do reino cristão em todo lado. Assim, nada mais justo, correcto e verdadeiro do que as leis terem sua aplicabilidade em todo o reino cristão, bem como a autoridade do monarca ser a maior em todo reino65.

A forma técnica imposta pelo discurso legislativo do monarca fazia com que o processo concorresse como instrumento de fortalecimento da justiça régia, a despeito do resultado apurado. É nesse sentido que conseguimos perceber a intenção do rei, para além do fato de tentar recuperar seus direitos dentro da lei, ou seja, da justiça.

Notemos ainda que estava presente no discurso legislativo a voz do outro, tanto do solicitante, quando dos envolvidos directamente nos preitos. Foi esta a forma, a estratégia jurídica usada pelos monarcas para efectivarem a justiça régia como legítima, bem como para que se construisse um consenso em torno dela. Assim também se conseguia, em determinados momentos, a desconstrução das afirmações, ou seja, do discurso do outro.

Nessa esteira, ao dar voz a seu súbdito, o rei estava a elaborar seu discurso legislativo. Prudentemente, estava a construir um consenso em torno de suas acções jurídicas e administrativas, ou seja, se havia uma realidade que estava a prejudicar todos do reino, daí ele, de forma pensada, ordenada e com prudência buscar resolvê-la. E quase sempre depois de reunir seus conselheiros, que eram também conhecedores dessa realidade e sabedores de princípios bons e justos. Seu intuito era outorgar uma lei para regulamentar, disciplinar, arranjar e resolver esses problemas para que todos tivessem condições de ter uma vida melhor e alcançar a paz e a felicidade.

A preocupação de envolver todos na construção de um reino mais justo e equilibrado era um dos objectivos desses homens. Para isso, usaram a lei como instrumento de realização. Entretanto, pensavam, como a maioria das pessoas daquele período, que todos deveriam estar vinculados harmoniosamente em suas categorias sociais. Nesse diapasão, vemos também a preocupação em garantir, em determinados momentos, particularmente nos momentos de crises, o apoio das camadas mais ricas do reino a seus projectos.

65 Conf. ROMANOS XIII – v. I – Todo homem esteja “sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus”, p. 1338.

Neste sentido tais leis tiveram também a função de manter os súbditos ligados às suas Ordens. O Clero era o grande responsável pela religião cristã e desempenhava a função de ser o intermediário entre o Céu e os homens na terra, por conseguinte construtor dessa hierarquia social. A Nobreza possuía um bom património e, ainda, tinha como função social cuidar da defesa do reino, e, por isso, do povo. A última Ordem era composta pelo povo, os trabalhadores - armadores, mercadores, mesteirais, pobres, trabalhadores sem qualificação e ocupação alguma, e ainda os camponeses, a maioria do povo. Essa estrutura social foi reforçada em várias leis, como veremos nos capítulos seguintes.

Os reis entendiam, e os seus conselheiros também, que todos os súbditos deviam estar vinculados cada um à sua categoria social, à sua Ordem. Não obstante, deviam ser orientados todos como se fossem um único ser, guiados por um único soberano. Por isso era função e obrigação do rei impor limites e verificar se as pessoas estavam efectivamente cumprindo o estabelecido. Por isso também, era importante possuir oficiais régios que pudessem desempenhar essas funções de fiscais, de olhos do monarca. Essa era a racionalidade conhecida e que deveria ser consensual por todos.Tais princípios foram provavelmente buscados em Santo Tomás de Aquino: [...] o homem é induzido pela lei divina a seguir a ordenação da

razão em todas as coisas de que venha a usar. Ora, entre elas as principais são também os outros homens, pois, o homem é naturalmente um animal social66.

Todavia, é importante pensar que, juntamente com as leis, se formou um conjunto de oficiais responsáveis por aplicar e fiscalizar o seu cumprimento. D. Dinis se preocupou em fundar a Universidade Portuguesa, sobretudo para formar pessoas que o auxiliariam na administração do reino e também para fortalecimento da Monarquia Portuguesa, num momento em que vários outros reinos já possuíam seu Estudo Geral.

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TOMÁS DE AQUINO. Suma Contra os Gentios, 1990, III, 128, nº. 01, p. 619: “[...] manifestum est quod secundum legem divinam homo inducitur ut ordinem rationis servet in omnibus quae in eius usum venire possunt. Inter omnia autem quae in usum hominis veniunt, praecipua sunt etiam alii homines. Homo enim naturaliter est animal sociale [...]”. Apud: José Jivaldo LIMA – Da Política à