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3.3 Economia

3.3.3 Exploração mineral

Outra actividade económica desenvolvida em Portugal no período em tela era a exploração mineral. O reino não era rico em recursos minerais. Entretanto explorou-os diversificadamente. A extracção do ouro foi provavelmente uma iniciativa tomada pela Coroa. Segundo Oliveira Marques, inicialmente, essa exploração era abundante, mas, com o tempo, foi se escasseando. Exploraram-se também o cobre, o chumbo e o ferro. Das pedreiras extraíam-se o calcário, o granito, o basalto, e da terra, o barro.

A exploração do ferro era monopólio régio, excepto nas propriedades do clero - coutos. O ferro foi explorado em Trás-os-Montes - Moncorvo e Bragança - e na Beira Baixa - Caria81.

O ferro era um dos minerais mais importantes, pois com ele se fabricavam as armas para a guerra e quase todos os instrumentos necessários para a agricultura: as lâminas dos arados, relhas, enxadas, pás, foices, foices segadeiras, alferces, martelos, serras, machados82 e outros mais.

Como a exploração do ferro em terras reguengas83 era monopólio régio, em 1282 D. Dinis concedeu a Sancho Peres autorização para a exploração do ferro por todo o reino, o qual devia pagar como imposto a quinta parte do que fosse extraído. Entretanto, manteve como monopólio da Coroa a extracção do ouro, da prata e do cobre.

A propósito de riquezas, D. Afonso IV fez uma lei em que regulamentou o procedimento das pessoas que encontrassem tesouros ou em suas próprias herdades ou em terras alheias. No primeiro caso, tudo pertenceria a quem tivesse achado. No segundo, quem tivesse encontrado teria de dar a metade ao dono da herdade. Em ambos os casos, entretanto, pode-se supor, por tratar-se de riquezas de grande valor (moedas, jóias, objetos usados à mesa etc), quem os encontrasse, tinha de, imediatamente, vender o achado à Coroa, deixando de pagar o imposto costumeiro de 1/3 do valor das riquezas encontradas. Quem ocultasse o achado dum tesouro e, depois, fosse descoberto, poderia ser preso. Para além de perder

81 A. H. de Oliveira MARQUES e Joel SERRÃO - Op. cit., pp. 113 ,114. 82

Cf. Maria Helena da Cruz COELHO e A. L. de Carvalho HOMEM - Op. cit., p. 478. 83

Essa palavra reguengo, que inicialmente teria sido usada para designar os bens do rei, parece-nos neste período igualmente aplicada ao patrimônio da coroa. Cf. Maria Rosa Ferreira MARREIROS - A Propriedade Fundiária e Rendas da Coroa no Reinado de D. Dinis. Guimarães. Tese de Doutorado apresentada junto à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Volume I, 1990. p. 242.

tudo o que tinha encontrado, sua própria vida e demais haveres ficavam ao dispor da vontade régia.

Com a ideia de não prejudicar seus súbditos nem a si próprio, o monarca determinava que o bem encontrado fosse vendido ao almoxarife daquel logo hu for

achado pelo preço que o a nos uendem aquelles que o colhem n´adiça84. Assim,

todos aqueles que não procedessem dessa forma deveriam ser punidos, com a perda de seus bens e ainda com castigos corporais.

Ora, o monarca queria, com essa lei, ter o bem encontrado acrescido ao património régio, além de garantir o direito de quem o encontrou. Antes, a pessoa era obrigada a dar um terço ao monarca; agora, tornava-se obrigada a vendê-lo todo ao monarca por um preço determinado.

Dentre as várias leis outorgadas por D. Afonso IV, encontramos uma em que percebemos a preocupação com a manutenção da riqueza do reino, particularmente com a exportação do ouro e da prata, pois essas moedas não abundavam muito. Houve leis que chegaram a proibir o uso de roupas que ostentavam excessivo metal nelas, proibição feita tanto aos homens quanto às mulheres.

No preâmbulo da lei, deixa claro que, muitas vezes, tivera prejuízos, particularmente porque prejudicava que servissem a Deus e a ele como se devia:

A todo-llos alcaydes E Juizes E Justiças do meu Senhorio que esta minha carta virdes Saude sabede que eu consijrrando o que me per muytas uezes foy dito como o meu Senhorio rreçebya gram dapno E gram mingua per rrazom que alguas pesoas tirauom pera fora dell ouro E prata E dinheiros Outrossy Cauallos rroçijs E eguas E armas E que por esta rrazom os meus uassalos nem outros meus naturraes nom podiam hir tam bem guisados ao seruiço de deus e meu quando a mym delles conpria seruiço como deuyam [...]85.

Depois de ouvir verdades contadas por pessoas próximas a ele, talvez pelos funcionários régios, para explicar o porquê de seus vassalos não o estarem servindo como se devia, e, quicá, a pouca arrecadação ao erário régio, o rei resolveu proibir que se levasse o ouro, a prata, os cavalos e as armas para fora do reino. Sem essa proibição, seus vassalos e seus filhos não poderiam fazer cumprir, adequadamente, o serviço que deviam a Deus, ou seja, executar boas acções, fazer defesa do reino, proteger os mais humildes.

84 Ordenações Del-rei Dom Duarte, - Edição preparada por Martim de Albuquerque e Eduardo Borges Nunes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, p. 468.

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Esses objectivos e essas inquietações ficam mais claros quando, v.g., ele determina, na mesma lei, que nenhuma pessoa teria poder para autorizar ninguém a transportar ouro ou prata para fora do reino, a não ser o monarca, qualquer que fosse sua condição, ou seja, pessoa pertencente a quaisquer das Ordens.

Permitia-se que pessoas que estivessem a sair do reino e portassem pequenas armas feitas de ouro ou prata ou com enfeites feitos com esses metais podiam viajar sem problemas, ou seja, não deviam ser detidas, por possuírem tais objectos. O mesmo consentimento valia para mulheres que estivessem com colares ou brincos feitos desses minérios e para quem estivesse com moeda de Castela.

Para restringir, o máximo possível, que se continuasse a levar esses bens para fora do reino, ordenava que se colocassem fiscais, guardadores em todo-llos

portos do meu senhorio tam bem nos do mar como nos da terra86, de modo que

todos os pontos de viagens fluviais estariam guardados e conseguir-se-ia impedir o transporte dessas moedas.

Caso fosse encontrado alguém a tentar transportar, para fora do reino, esses metais, o guardador devia apreender tudo para o monarca e, diante de um tabelião, proceder ao registro do que havia sido retido. O guardador poderia ter para si a terça parte do valor retido. Caso houvesse denúncia, aos denunciantes devia-se dar a dízima.

Com a oferta de recompensa ou ganho, era possível que ocorressem denúncias e, assim, aumentaria o volume de ouro e prata retidos, sempre com o corolário do aumento do tesouro régio.

Novamente, o monarca fez questão de deixar explícito que tudo devia ser entregue aos seus almoxarifados e registado: os objectos retidos, os nomes dos denunciadores, os valores dados a todos, incluindo os guardadores. Além disso, determinou que somente os guardadores que tivessem uma carta do rei pudessem actuar nos portos, desde que asy o Jurem elles guardadores aos auangelhos E que

outrosy Jurem que bem e dereitamente guardem eses portos87.

É importante notar que a escrita, também neste momento, constitui instrumento importante de apoio à prevenção de irregularidades administrativas, pois era obrigatório fazer o registo de tudo o que se fazia na esfera pública. Assim, o

86 Idem, p. 499.

87 Ordenações Del-rei Dom Duarte, - Edição preparada por Martim de Albuquerque e Eduardo Borges Nunes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, p. 500.

registo, a recta razão, a verdade, estavam confirmados pelo juramento aos Evangelhos. O juramento representava, aos olhos do monarca, a garantia de que se iriam pautar as acções na forma correcta, dizendo-se sempre a verdade sobre o que havia sido retido.

O monarca ainda estabelecia que, quando houvesse alguma denúncia contra alguém que tivesse retido, fora do reino, sem autorização, ouro e prata, essas pessoas deviam confirmar e jurar ao juiz régio, caso tivessem, realmente, procedido dessa forma, além de dizer quem os autorizara a levar os metais para fora do reino.

Essas pessoas deviam ser presas, e o bem guardado para o monarca. Devia- se ainda aplicar pena de suplício, pois deviam saber da proibição. Para que ninguém pudesse alegar o desconhecimento da lei, mandava-se publicar a proibição nas audiências do reino, cujos tabeliães deviam registar e, uma vez ao ano, ler a lei na reunião do Concelho. Por isso, a escrita tornou-se excelente instrumento de auxílio político, legislativo, económico e religioso. Era pela escrita e pelo registo de memória dos homens que advinham parte dos poderes dos monarcas88.

Ao probir que se transportasse para fora do reino objectos valisos, ou mesmo animais, o monarca tencionava garantir que o reino mantivesse seus principais intrumentos que lhe davam condições de poder fazer uma boa administração, no caso: dinheiro e metais. Ao mesmo tempo, tencionava coibir o contrabando de metais preciosos, sobretudo porque sabia do valor desses metais para o reino.

Notemos que já havia uma preocupação dos monarcas em evidenciar que os procedimentos ligados à justiça deviam ser efectuados por pessoas que haviam sido nomeadas e/ou eleitas para fazer cumprir as Ordenações do reino. E, ainda, por meios destas leis, os monarcas tentaram, durante todo o medievo, instituir novos comportamentos e valores, vinculados a uma nova sociedade, que se está constituindo no território luso. Esses novos princípios de normalização e de constituição de categorias sociais foram os que compuseram as estruturas do “Estado Nacional Português”.

Ordinhamos e estabeleçemos por ley que se alguu de qualquer condiçom que seia achar aver descusa em sua erdade ou en outra qualquer que a nos nom perteesca nos e aqueles que o noso am de procurar nom possamos demandar aaquel que o acharem (sic) o

88 Maria José Azevedo SANTOS – E evolução da Língua e da Escrita, In: Maria Helena da Cruz COELHO e Armando Luís de Carvalho HOMEM – Portugal em Definição de Fronteiras: Do condado portucalense à Crise do Século XIV. Lisboa: Editorial Presença, 1996, p. 627.

terço que per nos ata aqui foi demandado E seia todo daqueles que ho acharem em sãs herdades E se achado for em erdades alheas seia a meyatade daqueles que o acharem E a outra meiatade dquel en cuia herdade for achado […]. Porem mandamos que aquel que o achar venda todo ao nosso almoxharife daquel logo hu for achado pollo preço que ualer E mandamos que logo lhj seia pagado sem outra detença E se peruentuyra alguns forom achados que acharem aver descusa E nom no uenderem pella gisa (sic) que dicto he Mandamos que perca todo aquelo que prouado for que acharom E os seus corpos e aueres seiam pera fazer deles o que nosa merçe for89. O texto legal ainda sugere que o rei precisava controlar melhor a xistência de metais preciosos no reino, dada sua importância económica. Mais: que ninguém pagava o mencionado imposto, ao se desfazer, de algum modo, dos objetos de valor que tinha encontrado.