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Cognição Situada e Cognição Distribuída

A Cognição Situada é uma abordagem iniciada por Edwin Hutchins, nos anos 80, a qual questiona os domínios do fenômeno cognitivo. Essa abordagem foi evoluindo considerando aspectos sociais e organizacionais, culminando com o surgimento da Cognição Distribuída na última década. Segundo Nelson e Winter (apud BESSY, 2002), enquanto a Cognição Situada é usada geralmente para apontar um contexto específico de ação e seu envolvimento corporal e social, a Cognição Distribuída desassocia a cognição do pensamento individual com o objetivo de torná-lo propriedade de um sistema ou de uma rede.

Para Seely et al. (1989), na Cognição Situada o conhecimento é um produto que é decorrente da atividade, do contexto e da cultura no qual é desenvolvido e utilizado. Hutchins (1995), defende que o resultado de uma atividade cognitiva pode ser somente explicado em relação ao contexto, afirmando que “quando o contexto da cognição é ignorado, não é possível enxergar a contribuição do ambiente, de artefatos e de processos mentais de outras pessoas da organização”.

A Cognição Distribuída é uma abordagem que estuda aspectos de cognição considerando uma perspectiva social e organizacional (ROGERS, 1997). Trata-se de entender a cognição como um fenômeno distribuído. De acordo com Howard Gardner (apud HUTCHINS, 1995) a decisão de omitir a cultura, o contexto, a história e a emoção de trabalhos iniciais da ciência cognitiva facilitou o reconhecimento de fenômenos importantes, mas a inclusão dos mesmos traz problemas muito complexos para tentar entender a cognição como um todo.

A abordagem tradicional de cognição iniciou com a idéia que a mente era uma máquina central lógica. Posteriormente, percebeu-se que a memória poderia servir para a armazenagem de um banco de dados simbólico e que a resolução de problemas era uma forma de inferência lógica, onde o ambiente é um problema de domínio e onde o corpo é um dispositivo de entrada.

A tentativa de reintegrar a cultura, o contexto e a história neste modelo de cognição tem sido muito frustrante. A abordagem da Cognição Distribuída aspira reconstruir a ciência cognitiva, começando com a consolidação da atividade cognitiva social e material, de forma que cultura, contexto e história possam ser agregados nos conceitos essências de cognição.

Segundo Hutchins (2000), a Cognição Distribuída busca entender a organização de sistemas cognitivos, caracterizando os processos cognitivos como representações de propagação e de transformação do conhecimento. Enquanto a ciência cognitiva tradicional procura eventos cognitivos na manipulação de símbolos ou na ativação de padrões por ordens de unidades de processamento de informação no nível individual, a Cognição Distribuída considera um espectro maior de eventos cognitivos, os mesmos que não necessariamente deverão ser encarnados pelo indivíduo.

Para Halverson (2002), a Cognição Distribuída permite medir a interação entre humanos e artefatos, como agentes cognitivos, bem como as estruturas organizacionais e culturais que identificam as diversas manifestações da memória organizacional. Rogers (1997) considera que os conceitos cognitivos da atividade humana são originados a partir da interação entre vários atores humanos e artefatos tecnológicos utilizados em uma determinada atividade. Quando indivíduos trabalham em conjunto em atividades colaborativas, eles possuem diferentes tipos de conhecimento, o que permite criar interações que possibilitam combinar vários recursos para desempenhar as suas atividades. Além disso, mais conhecimento é compartilhado entre esses indivíduos, o que lhes permite adotar várias práticas de comunicação.

Segundo Bessy (2002), Nelson e Winter para explicar que as características cognitivas de uma organização transcendem as características cognitivas dos seus membros fazem referência às “rotinas organizacionais”. Segundo esses autores, uma rotina organizacional é caracterizada por ser considerada como um sistema de operações seqüenciais, por incorporar a dimensão tácita do conhecimento que

fundamenta o desempenho e por implicar na seleção automática dos resultados de processos de aprendizagem anteriores, sem qualquer escolha deliberada.

Nas organizações, as rotinas organizacionais emergem de interações repetidas entre os membros e o seu ambiente. As rotinas organizacionais são consideradas como a memória da organização ou como a competência da organização. Desse ponto de vista, as características das capacidades organizacionais são afetadas pelas características das habilidades individuais (HALVERSON, 2002; NELSON e WINTER apud BESSY, 2002). Considerando a dimensão tácita das habilidades individuais, os autores concluem que para ser preservado, o conhecimento ganho deve ser ativado constantemente. A hipótese principal é que os membros da organização lembrem “fazendo” e que estas habilidades desenvolvidas em um processo coletivo, em um determinado contexto, devem ser disseminadas ao longo da organização. Nesta perspectiva, aprender é um processo lento e a importância do conhecimento tácito limita a articulação e a transmissão das capacidades organizacionais, o que tem conseqüências na reprodução das operações, no treinamento de novos trabalhadores e na diversificação das atividades individuais.

Nelson e Winter (apud BESSY, 2002) partem do princípio de que conhecimento é criado dentro de uma organização e que a disseminação deste conhecimento é altamente influenciada por uma atitude individualista. Embora a organização ofereça o contexto e as condições para que o conhecimento seja criado, a manutenção e a articulação do mesmo depende dos próprios membros. Os autores reconhecem os limites de uma abordagem individualista de aprendizagem porque o conhecimento é fortemente ligado a contextos específicos de interação e que a distribuição do conhecimento, em um ambiente sócio-material, reduz a idéia de que a memória da organização seja reduzível às memórias individuais dos membros. Desta forma, as capacidades de uma empresa podem ser mantidas mesmo quando algum dos seus membros a deixe e as soluções para os problemas encontrados são armazenadas utilizando ferramentas materiais e conceituais.

Para Bessy (2002), a capacidade de armazenamento do conhecimento nas pessoas pode ser distinguida em dois tipos de memória: a “computacional” e a “corporal”. A memória “computacional”, organizada na forma de redes taxonômicas, suporta a representação e a manipulação simbólica do conhecimento. A memória “corporal” é vinculada diretamente às experiências corporais, onde os indivíduos têm a capacidade de encarnar experiências. Esta memória, que não é totalmente física,

nem totalmente mental, é estruturada por percepções distintas e fortes. O conhecimento pode ser utilizado ou ser construído por um código de comunicação específico, ao invés de uma linguagem universal que garanta a passagem de percepção para a utilização. O conhecimento relaciona as memórias “corporal” e “computacional”, do nível individual ao nível coletivo, entre os membros da organização. Os símbolos conceituais estão relacionados aos rastros de percepção que representam. O surgimento desta linguagem específica constitui um elemento importante para o processo de inovação porque permite que membros da organização compartilhem experiências entre si (BESSY, 2002).

A abordagem da Cognição Distribuída é relevante para a Gestão do Conhecimento visto que além de considerar as pessoas como foco central, considera também o contexto influenciado pelas estruturas organizacionais e culturais. Considerando que as pessoas e os artefatos são agentes cognitivos e que as características cognitivas de uma organização transcendem às características dos seus membros, mas que as capacidades organizacionais são afetadas pelas habilidades individuais, concorda-se com Wunram et al. (2002) quando afirmam que para influenciar o conhecimento deve-se gerir o contexto no qual o indivíduo interage. Portanto, nos modelos de Gestão do Conhecimento devem ser consideradas as rotinas organizacionais e culturais como sendo a memória ou a competência da organização. As rotinas organizacionais incorporam a dimensão tácita do conhecimento e representam uma parte importante do contexto.