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Como ensinar crianças com deficiência intelectual a desenharem?

Amparada por estes referenciais, Duarte (1995 – 2011) experimenta um método de ensino de desenho a cri- anças cegas. Esta metodologia tem por base estudos que dão à motricidade importância fundamental no funcionamento cerebral. “A memória motora permite a nós humanos e a várias espécies do reino animal a antecipação e a regulagem de ações.” (DUARTE, 2008-c, p. 17). Nas palavras da autora, a imitação sensório- motora seria como um agente similar à imitação visual.

Neste sentido, Duarte (2011) ao criar uma metodologia de desenho para crianças cegas, aponta para a pos- sibilidade de desenhar e memorizar a ação motora do traçado tendo como base as diversas modalidades de percepção da memória. Duarte cria três etapas que subsidiam o método: reação, repetição e imitação. Na reação a criança acompanha o traçado da figura sobre a mão do modelo para perceber o movimento reali- zado. Na repetição o movimento é repetido, é um modo de relembrar o gesto iniciado buscando a corre- ção, a exatidão. O procedimento de imitação demanda a aprendizagem das etapas anteriores, a criança seria capaz de realizar o traçado da linha que estivera em aprendizagem. “Nesta etapa, considero que a criança já terá realizado representações mentais tanto da operação sensório-motora, da sequencia do traçado, quanto da linha ou figura desenhada.” (DUARTE, 2008-c, p. 22). Segundo a autora a imitação ganha uma atenção especial nesta trajetória, pois se pretende que a criança deixe de lado o modelo e promova uma ação inteli- gente com base no que foi aprendido, associando ou modificando de acordo com suas intenções.

Nessa perspectiva Duarte e Piekas (2013) apontam para a necessidade do ensino das linhas e formas geo- métricas para a inicialização do ensino de desenhos do Nível de Base para crianças com deficiência. Criar estratégias lúdicas de exercícios de linhas e formas geométricas que venham suplantar as dificuldades des- sas crianças em organizar esses desenhos no plano mental e motor torna-se base para o ensino de dese- nho. Em seus estudos as autoras sugerem que após as crianças experenciarem as garatujas nomeando-as e começarem a fechar o círculo, as crianças já podem começar a exercitar as linhas gráficas que as autoras denominaram de linhas estáticas e linhas em movimento. Duarte (2011, p. 67) destaca: “Um esquema gráfico é construído por meio de linhas, e por meio de formas geométricas básicas, especialmente o círculo, o qua- drado, o triângulo e suas variações.”

Essas linhas podem começar a serem estimuladas pelo movimento circular repetindo o movimento de ala- vanca produzido pelo antebraço da criança. “Busca-se, assim, reforçar o exercício circular e espiralado com a

linha que leva ao fechamento do círculo e com ele à possibilidade de construção gráfica das primeiras figu- ras.” (DUARTE e PIEKAS, 2013,p. 71) Neste momento busca-se fomentar o exercício sensório motor e não a exatidão da linha.

As linhas estáticas podem ser exercitadas por jogos de liga pontos, por exemplo, essas linhas têm um ponto de partida e um ponto de chegada. Em nossos estudos as linhas verticais e horizontais foram associadas ao som TAM/TUM respectivamente. Assim as crianças ao desenharem uma linha vertical, consequentemente associavam ao som TAM, por exemplo, para desenhar a chuva era necessário vários sons TAM, TAM, TAM ou para desenhar um quadrado associamos a sequencia TAM, TUM, TAM, TUM. Entendemos que estas asso- ciações facilitam e fomentam a memória motora da criança no momento do desenhar.

As linhas em movimento “(...) requerem a repetição e a manutenção de um mesmo tipo de grafia criando o movimento.” (DUARTE e PIEKAS, 2013,p. 77). Um bom exemplo de linhas em movimento é uma sequencia de linhas combinando linhas verticais e horizontais ou linhas côncavas e convexas, bem como as linhas dia- gonais. Esses exercícios vão estimular a grafia das formas geométricas como o quadrado e o triângulo ou propiciar o desenho das pétalas de uma flor ou as asas de uma borboleta.

Da mesma maneira o aprendizado das formas geométricas tem importância singular nesse processo. Duarte e Piekas (2013) mais uma vez sugerem começar pelo círculo e a ovoide seguindo o movimento natural in- fantil. O quadrado e o retângulo já requer um movimento motor mais controlado, pois exige uma sequencia de linhas verticais e horizontais grafadas em diferentes direções. Dessa forma, o quadrado e o retângulo obedecerão ao movimento da esquerda para a direita, começando por uma linha vertical ascendente. O quadrado e o retângulo são figuras essenciais na construção do desenho da casa, assim como o triângulo. Ainda segundo as autoras o triângulo deve ser começado pela linha de base da esquerda para a direita. Para facilitar a construção das linhas diagonais, sugere-se fazer um ponto no alto e na mediatriz dessa linha de base para orientar a realização dessas linhas. Duarte e Piekas (2013, p. 78) ressaltam a importância desses métodos de ensino: “Para crianças com necessidades educacionais especiais, esses exercícios podem repre- sentar uma enorme dificuldade a ser ultrapassada.”

Após a compreensão do traçado e da sua repetição em múltiplos exercícios, a criança mais segura poderá alterar a sequência de produção desta figura geométrica, em função dos deta- lhes que surgirem na confecção dos desenhos (...) (DUARTE e PIEKAS, 2013,p. 83)

Seguindo esta perspectiva, pretende-se organizar estratégias e proposições de ensino de desenho que am- pare a dificuldade que crianças com deficiência intelectual têm em desenvolver um repertório gráfico consis- tente, ampliando-o e permitindo melhor entendimento das relações semióticas estabelecidas no mundo. Neste sentido, proporcionar espaços de problematização de imagens e práticas das Artes Visuais.

Considerações finais

A motivação para elaborar um projeto que contemplasse o ensino do desenho para crianças com deficiência intelectual foi salientada pelo fato de grande parte de alunos adultos atendidos pela APAE de Florianópolis encontrarem-se nas primeiras etapas do desenho infantil como as garatujas ou realismo fortuito – conside- rando as etapas de Luquet (1927). Alguns objetivos específicos nortearam o desenvolvimento desta pesquisa como: buscar compreender o desenho destas crianças, bem como ensiná-las a desenhar, ou seja, a dar sig- nificado e sentido a suas grafias, a compor suas produções gráficas de forma organizadas no papel, propor- cionando a criação de repertórios imagéticos a partir do desenho; ampliar as relações semióticas construídas no desenho e auxiliar o desenvolvimento e amadurecimento da linguagem por meio do desenho. Pretende- se, assim reconhecer o desenhar como um ato significativo e integrante do desenvolvimento infantil.

Partindo deste princípio percebeu-se a necessidade da criação de um plano de ensino que possibilitasse ao educando ainda criança, a compreensão e apreensão das formas dos objetos por meio da observação, expe- rimentação e atividades lúdicas que fomentem a criação de imagens. Pretende-se que através de formas tri- dimensionais e da imitação motora das linhas e formas do desenho, posteriormente este aluno seja capaz de compor de maneira organizada no plano bidimensional. Considero que este tipo de iniciativa seja um elemento catalisador no avanço da linguagem do educando, dando sentido e significação por meio da ge- neralização, por conseguinte, melhor compreensão ao mundo e seus contextos. Este, talvez seja o principal benefício desta iniciativa. Reily (2004) discorre acerca desta questão quando afirma que os signos permeiam nossa linguagem. No caso de pessoas com deficiência intelectual é necessário criar acesso ao sentido e sig- nificado dos signos, por meio de um veículo acessível ao deficiente.

Para Vygotsky, proponente maior da abordagem sociocultural, não são os instrumentos pro- priamente, nem os símbolos, que importam e, sim, os sentidos que eles possibilitam transpor- tar. Como o homem não age sem ser por meio de um veículo sígnico, no caso da educação especial, é preciso garantir acesso ao sentido por intermédio de um sistema portador, um veí- culo, acessível ao deficiente, considerando o que ele é capaz de realizar. (REILY, 2004, P. 13)

Patrocínio e Leite (2000), no artigo O desenho e suas relações com a linguagem escrita em portadores de deficiência mental trazem importantes considerações acerca do desenvolvimento do desenho e da escrita em crianças com deficiência. Amparadas por Reily, afirmam que desenho e escrita mantém estreita relação “(...) determinados por habilidades próximas de motricidade e pensamento simbólico” (Patrocínio e Leite, 2000, p. 04).

Se o pensamento simbólico, abstrato ainda não é uma constante na maioria das crianças com deficiência intelectual, é preciso criar estratégias de ensino para facilitar estas relações. Ainda subsidiadas por Reily as autores explicam que é muito difícil que as crianças com deficiência inteletual cheguem sozinhas ou, princi- palmente, ultrapassem as primeiras fases do desenho infantil, quando não há oportunidades adequadas para este desenvolvimento se estabeleça.

A criança não passa diretamente do rabisco ao homem cabeça – pernas. Ela desenvolve do rabisco descontrolado ao rabisco controlado (...). A criança deficiente (...), pode ficar muito tempo nesta fase dos rabiscos e, se o professor não conhece a evolução que acontece nesta fase, ele não vai saber reconhecer o desenvolvimento que a criança está tendo. (Patrocínio e Leite, 2000, p. 04)

A demanda escolar por materiais e metodologias que viabilizem melhores condições de aprendizado às cri- anças com deficiência sensoriais, motoras e intelectuais e projetos que priorizam a inclusão ainda é muito grande, especialmente, no Brasil. Elaborar propostas que auxiliem este aprendizado e dê condições de en- sino ao professor também tem sido um foco da nossa proposta.

Nossa pesquisa encontra-se em andamento. Após a coleta de dados que consistiu em organizar propostas de ensino de desenho, aplicá-las à seis crianças com deficiência intelectual e recolher os resultados, agora estamos na fase de organização e análise desses resultados, bem como, organização das bases teóricas da pesquisa.

As reflexões apresentadas até agora denotam considerar o desenho infantil como uma prática complexa e não como um exercício automático ou como uma representação ingênua e aleatória, destituída de significa- ção e objetivos. As pesquisas, sobre desenho infantil, com crianças com necessidades especiais, vêm ampli- ando os estudos nesta área de maneira relevante. Tendo em vista, o número reduzido de pesquisas na área que contemplam desenho infantil e deficiência intelectual, pensar o ensino de desenho para crianças com deficiência intelectual lança luzes de observação e de entendimento sobre a produção gráfica num contexto

de deficiência e permite desvelar os modos de desenhar e conhecer o mundo dessas crianças, bem como, integrá-las aos processos educacionais.

Referências:

DARRAS, Bernard. (1998) A imagem, uma visão da mente. Estudo comparado do Pensamento Figurativo e do Pensamento visual. In: Recherches en communication. Paris, França, n.9.Tradução de Maria Lúcia B. Duarte.

DUARTE, Maria Lúcia Batezat e PIEKAS, Mari Inês. (2013) Vocabulário Pictográfico para educação inclusiva. Curitiba: Ed. Insigth.

DUARTE, Maria Lúcia Batezat. (1995) O Desenho do Pré-Adolescente: Características e Tipificação. Dos As- pectos Gráficos à Significação nos Desenhos de Narrativa. Tese de Doutoramento. São Paulo: ECA/USP, 1995.

___________________________. (2007) A concepção de “realismo” em George-Henri Luquet. Anais do 16º Encon- tro Nacional da ANPAP, Florianópolis: UDESC, 2007. p.167-172.

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http://www.anpap.org.br/2008/artigos/117.pdf

__________________________. (2008-b) Desenho infantil e aprendizagem – novos parâmetros. Anais do Congresso ibero-americano de Educação Artística, Portugal, 2008-b.

____________________________. (2008-c) A imitação sensório-motora como uma possibilidade de aprendizagem do desenho por crianças cegas. Revista Ciência e Cognição, Vol. 13 (2): 14 – 26, 2008-c. Disponível em:

http://www.cienciasecognicao.org

__________________________.(2011) Desenho infantil e seu ensino a crianças cegas: razões e métodos. Curitiba: Ed. Insigth.

LUQUET, Georges-Henri (1927). O desenho infantil. Porto: Ed. Do Minho,1969.

OLEQUES, Liane Carvalho. (2010) Análise do repertório gráfico de uma criança não ouvinte: a surdez e suas implicações no desenho infantil. Dissertação de Mestrado. PPGAV/CEART/UDESC.

PATRICINIO, Wanda Pereira & LEITE, Luci Banks. (2000) O desenho e suas relações com a linguagem escrita em alunos portadores de deficiência mental. Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas.

REILY, Helena Lúcia. Retratos urbanos de deficiência. (2007) In: Inclusão, Práticas pedagógicas e trajetórias da pesquisa. Org. Denise M. de Jesus, Claudio Roberto Baptista, Maria Aparecida Santos C. Barreto e Sonia Lo- pes Victor. Porto Alegre: Ed. Mediação. P. 220 – 232.

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