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Em Portugal o compromisso com a educação inclusiva, em escolas inclusivas, está confirmado na legislação, nomeadamente no Decreto-Lei n.º 3/2008 de 7 de janeiro, que estipula os apoios especializados a proporci- onar aos alunos com NEE com limitações significativas em um ou vários domínios.

A implementação de práticas inclusivas nas escolas exige que a formação de professores seja reequacionada numa perspetiva de valorização da formação em EE (Magalhães & Lima, 2004), já que é nos professores que

reside a responsabilidade de ação para a mudança de práticas pedagógicas e de atitudes, para que as esco- las inclusivas deixem de existir apenas no papel e passem a ser uma realidade. Os professores devem ser, de acordo com Rodrigues (2003), a esperança da inclusão.

Todas as crianças, incluindo as com NEE, possuem, quando chegam à escola, atitudes e valores que mobili- zam em diferentes situações. Trazem consigo também um conjunto de experiências e saberes decorrentes das suas vivências, que usam no seu quotidiano, designadamente na construção de conhecimento e compe- tências. Cabe à escola promover a sistematização dessas experiências e saberes, de modo a permitir-lhes a realização de aprendizagens posteriores mais amplas e complexas, no respeito das diferenças de cada uma (criança). Cabe também à escola a responsabilidade de o fazer promovendo a equidade e a inclusão social (CE, 2010).

A Educação em Ciências, tendo como propósito a promoção da literacia científica, deve, de acordo com di- retrizes de várias instâncias internacionais (OCDE, 2006; Pisa, 2006; Rocard, 2007), abranger todos os alunos, preferencialmente nos primeiros anos de escolaridade, independentemente das suas origens ou das suas condições físicas ou psíquicas.

O ensino de ciências e, em particular, o EEC com a preocupação de promover literacia científica, poderá, se devidamente adequado e adaptado aos alunos a que se destina, contribuir para o desenvolvimento de sa- beres e competências compatíveis com os propósitos da implementação destas medidas.

Ensinar ciências, designadamente na sua dimensão experimental, com a preocupação de promover literacia científica por crianças com NEE, é ainda novo para os professores, verificando-se uma grande lacuna nas competências que as crianças trabalham, a este nível. Acredita-se, contudo, que o EEC pode contribuir para as crianças com NEE, desenvolverem competências em função do seu nível de funcionalidade (Veiga et al., 2000, Santos, 2015).

A necessidade de uma maior pró-atividade dos professores de EE nas decisões ao nível didático e curricular para o trabalho com alunos com NEE, refletidas nos seus programas educativos individuais, está subjacente à consecução dos objetivos de educação básica para todos e de inclusão de crianças com NEE na escolari- dade regular e obrigatória, estipulados na Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994) e de educação em ci- ências para todos, assumida como imperativo estratégico das sociedades atuais (UNESCO / ICSU, 2003). Es-

sas respostas permitirão que nas escolas se possa trabalhar com todas as crianças, designadamente nas ci- ências, de forma diferenciada, numa perspetiva educativa e pedagógica que contemple o seu desenvolvi- mento holístico.

Metodologia

O estudo que aqui se reporta desenvolveu-se no contexto de um programa de formação continua para pro- fessores do 1.º CEB de EE. O programa visava contribuir para a mudança de práticas letivas do grupo de professores formandos com o propósito de melhor virem a conseguir envolver os alunos com NEE no de- senvolvimento de competências transferíveis para o quotidiano, numa perspetiva de educação para todos, através do EEC. O programa de formação teve a particularidade de ter um conjunto de sessões de acompa- nhamento dos professores nas suas salas de aula.

O estudo integrou-se num paradigma qualitativo-interpretativo, por estudo de caso, em que se analisaram dados recolhidos ao longo da realização do programa de formação com vista a avaliar os contributos do programa para a mudança das práticas dos professores de EE que o frequentaram, através de uma metodo- logia de análise de conteúdo (Bardin, 2009), concordante com a natureza qualitativa da investigação. Com vista a perceber se os PF valorizavam as vivências dos alunos com quem trabalhavam, e se as consideravam nas planificações por eles elaboradas, e, concomitantemente, na exploração dos conteúdos abordados, e perceber ainda a importância da mobilização de tais vivências em experiências de aprendizagem especial- mente concebidas para os seus alunos com NEE para o desenvolvimento de competências funcionais por esses alunos, elaborou-se a seguinte questão problema:

“Os PF que frequentaram o programa de formação conseguiram valorizar os contextos e as vivências dos seus alunos com NEE, utilizando-as para conceber e desenvolver propostas de atividades de índole prá- tica/experimental no ensino das ciências?”

Para que fosse possível responder à questão problema, procedeu-se à análise do conteúdo dos materiais de trabalho (guiões para exploração de videogramas, tabelas de sistematização de conceitos, atividades de apoio às temáticas em análise), elaborados para as Sessões Presenciais Conjuntas (SPC) com todos os PF, às audiogravações das SPC e das Sessões Individuais Presenciais de Acompanhamento (SIPA), às reflexões após as SIPA feitas em conjunto com cada PF e a formadora-investigadora, depois de terminada cada SIPA, às

recolhida, procedeu-se, neste processo, a uma triangulação da informação, resultante dos vários instrumen- tos utilizados durante a recolha dos dados, que constituiu o corpus a partir do qual a formadora-investiga- dora analisou a informação recolhida.

Resultados

O (re)conhecimento da importância dos contextos e das vivências prévias como fatores potencialmente de- sencadeadores e promotores das suas aprendizagens em ciências (e do sucesso das atividades propostas), nomeadamente experimentais, começou, para o grupo de PF, a efetivar-se ao longo das sessões conjuntas de formação do programa. Dado que os PF que frequentavam o programa de formação já tinham formação em EE no 1.º CEB e conheciam bem os alunos com NEE com quem trabalhavam, ficou à sua responsabili- dade serem os agentes das adequações específicas concernentes ao EEC, concebendo e facultando aos seus alunos específicos experiências de aprendizagem significativas que, tendo em conta o reconhecimento da importância dos contextos e das vivências anteriores dos alunos referido na promoção da sua aprendizagem e desenvolvimento, melhor se adequassem aos respetivos perfis de competências e fossem promotoras de competências de funcionalidade.

Para as SIPA, em sala de aula, a maioria dos PF conseguiram conceber propostas de planificações em que começam a dar uma importância maior aos contextos familiares e às vivências de cada aluno, trazendo-as para a sala de aula, e utilizando-as, por exemplo, como motivação para a introdução dos temas e das ativi- dades práticas/experimentais, a explorar. Damos o exemplo de um dos professores, aqui designado PF6, que escreveu uma história em que os personagens foram a aluna e a sua avó, tendo como cenário o jardim da avó, para introduzir o tema da atividade experimental a explorar, sobre a possibilidade da mudança de cor das flores.

O facto de o professor conhecer o contexto em que a aluna vivia permitiu-lhe planificar considerando essa realidade, assim como manter a atenção da aluna durante mais tempo aquando a exploração da atividade, fazendo com que estivesse mais atenta e participativa do que normalmente estava. No relatório que elabo- rou no final do programa de formação (p. 42), PF6 referiu exatamente essa situação:

PF6 – “[…] foi muito importante conhecer as vivências da aluna, as suas tarefas diárias em casa, bem como o modo como lida com a família no seu quotidiano, para planificar de modo a que os assuntos tratados pudessem captar todo o seu interesse e predispô-la para as aprendizagens”.

Ao criar um momento de motivação para a atividade/tema que pretendia trabalhar, com a qual a aluna se identificou, o PF conseguiu uma maior predisposição da aluna para o envolvimento nas atividades seguintes e, que se tornaram mais significativas. Nesta medida, a atividade de motivação, que mobilizou um contexto e vivências da aluna, funcionou como o alicerce para as atividades seguintes, tendo sido fundamental para a aprendizagem da aluna e para o sucesso da proposta educativa.

A análise dos dados relativos aos restantes PF estudados revelou que estes, como PF6, tiveram a preocupa- ção de se procurarem inteirar das vivências dos seus alunos e dos seus contextos do quotidiano, nomeada- mente algumas atividades que alguns alunos desenvolviam com os seus avós durante o fim de semana, como por exemplo a confeção de bolos e a confeção de pão, e com os seus pais como por exemplo ajudá- los na rega das plantas de adorno, ou ainda nas compras de supermercado, para, com intencionalidade, conceberem ligações às atividades práticas/experimentais que escolheram implementar e em que procura- vam ajudar os alunos a desenvolver e mobilizar competências funcionais passíveis de lhes serem úteis no quotidiano. Desta forma, os alunos puderam e conseguiram relacionar a importância da água com a germi- nação de sementes, relacionar a importância da água com o crescimento das plantas, perceber a importân- cia da água na alimentação das plantas, perceber a ascensão da água nas flores, fazer bolos, perceber a im- portância de fermento na adição da massa dos bolos, perceber a importância da adição de fermento na massa do pão, dobrar receitas, conseguiram pesar objetos e alimentos. A propósito da mobilização desta última competência, temos o testemunho de PF5 durante a reflexão, após a primeira sessão individual pre- sencial de acompanhamento:

PF5 – “Mas a [aluna] demostrou aqui algumas competências que lhe vão facilitar a vida no dia-a-dia. Então o critério do peso [a que a aluna conseguiu chegar sozinha] deixa-me perfei- tamente espantada. Isto vai ajudá-la a fazer as compras à mãe por exemplo, e a ter a noção do peso e isso é muito importante para ela”.

Os alunos parecem ter conseguido desenvolver competências funcionais, a partir dos seus contextos da vida diária, mobilizando-as e remetendo-as para a sua importância na vida diária.

Considerações finais

No âmbito do programa de formação contínua, os PF conseguiram conceber e desenvolver com os seus alunos com NEE propostas de atividades de índole experimental que se enquadraram nos respetivos perfis de competências, e que foram promotoras da mobilização e do desenvolvimento de competências que lhes

serão úteis nos seus contextos diários, melhorando, potencialmente, a sua autonomia, a sua qualidade de vida e perspetivando, até, possibilidades de integração na sociedade. No processo, e nas propostas elabora- das pelos PF, assumiram um papel relevante o (re)conhecimento das vivências dos alunos para a planificação das atividades e a sua (re)utilização pelos alunos na sua realização. Dado que anteriormente à frequência do programa de formação os PF não envolviam os seus alunos com NEE em atividades de aprendizagem de ciências, de índole prática e / ou experimental, o programa de formação assumiu-se como o ponto de par- tida para a alteração de práticas por estes professores.

Quando se fala de aprendizagem e desenvolvimento de competências por crianças com NEE na escola, o objetivo é que o ensino que lá se pratica respeite perfis de competências e ritmos próprios, adequados às crianças em questão. Todas as crianças, e cada uma delas, precisam de oportunidades e tempos diferentes para pensar, para explorar, para observar, percorrer caminhos errados, voltar ao início, questionarem-se e descobrirem, e não apenas memorizar factos científicos (Estanqueiro, 2010) que podem não ter qualquer re- flexo na sua autonomia/qualidade de vida. Para que tal aconteça, a competência científica e pedagógica dos professores é determinante pelo que há que criar condições nas escolas para o trabalho dos e com os pro- fessores, designadamente de EE, com estas finalidades.

Referências bibliográficas

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