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Isabel Rute da Silva Barata Alves (Agrupamento de Escolas de Cister em Alcobaça)

Susana Alexandre dos Reis (NIDE - Escola Superior de Educação e Ciências Sociais do Instituto Politécnico de Leiria)

Resumo:

A presente comunicação pretende dar a conhecer o processo investigativo de conceção e implementação de um Programa em Ciências vocacionado para alunos com Necessidades Educativas Especiais de Caráter Per- manente, com Currículo Específico Individual, a desenvolver um Plano Individual de Transição. Assim, pre- tende-se desenvolver a literacia científica destes alunos numa escola assumidamente inclusiva, de modo a promover o desenvolvimento de conhecimentos, capacidades e atitudes em ciências, bem como de inúme- ras competências transversais, sempre de um ponto de vista funcional. Deste modo, propos-se a construção de um programa específico em Ciências – Práticas Inclusivas em Ciências - que, de uma forma articulada com as atividades pré-profissionalizantes desenvolvidas na área da agricultura, ajudasse a promover o de- senvolvimento de competências destes alunos na prática agrícola, desenvolvendo, assim, a sua funcionali- dade e integração na vida profissional futura.

Este programa foi aplicado, de um ponto de vista qualitativo e sob a forma de estudo de caso, a um aluno pré-selecionado com incapacidade intelectual, sem restrições sensoriais ou motoras. Os resultados foram, globalmente, muito significativos, revelando a pertinência da aplicação deste programa. Verificou-se a aqui- sição de conhecimentos por parte do sujeito de estudo capazes de consubstanciar a sua funcionalidade pro- fissional, verificando-se, em simultaneo, o desenvolvimento de inúmeras competências transversais, tais como motricidade fina, autonomia, raciocínio lógico, resolução de problemas, memória visual e auditiva, es- pírito científico e pragmático, comunicação, socialização, autoestima e segurança, resultado da aplicação de uma metodologia "hands-on", "minds-on" e "hearts-on", aqui denominada "learning-on".

Com base nestes resultados, emerge a pertinência de uma Educação em Ciências para todos, promotora de literacia científica de modo verdadeiramente inclusivo.

Palavras-chave: Necessidades Educativas Especiais de caráter permanente, Currículo Específico Individual, Plano Individual de Transição, Escola inclusiva, Literacia científica.

Abstract:

This communication intends to present the investigation process of building and applying a Science pro- gramme for long term Special Needs pupils, developing an Individual Specific Curriculum with a Transitional Individual Plan. This program pretends to develop the scientific literacy of this pupils in a truly inclusive school, in a way to promote science knowledge, as well as cross-disciplinary abilities, always in a functional point of view. Therefore, a specific science programme was built - Science Inclusive Practices - that, in an articulated way with the pre professionalizing activities developed in agriculture area, helped to promote working abilities in this students, developing, accordingly, their functionality and future professional integra- tion.

This research was applied, in a qualitative point of view and as a case study, to a pre determined student with intellectual incapability, without sensory or motor restrictions. The results were, globally, encouraging,

revealing the pertinence of this programme application. It was verified the acquisition of knowledge by the case subject capable of promoting his professional functionality. It was also ascertained the development of many cross-disciplinary skills such as fine motor skills, autonomy, logical reasoning, problem solving, visual and auditory memory, scientific and pragmatic spirit, communication, socialization, self esteem and self con- fidence as a result of the "hands-on", "minds-on" and "hearts-on" methodology, here named as "learning- on".

This results bring up the relevance of Science Education for all students, promoting their scientific literacy in a truly inclusive way.

Keywords: Long Term Special Needs, Individual Specific Curriculum, Transitional Individual Plan, Inclusive school, Scientific literacy

Introdução

1.1- A Educação Especial e as Ciências

A escola portuguesa, apesar de massificada, deve responder às necessidades individuais de todos os seus alunos. Os alunos com Necessidades Educativas Especiais de Caráter Permanente (NEE) com Currículo Espe- cífico Individual (CEI) também devem ter acesso ao ensino das Ciências, ainda que de uma forma diferenci- ada Assim, os professores com formação de base na área das Ciências e com formação especializada em Educação Especial podem proporcionar experiências de aprendizagem em Ciências a alunos com CEI. Essas experiências de aprendizagem, não esquecendo o cariz funcional necessário ao desenvolvimento biopsicos- social destes alunos, devem ter um caráter essencialmente prático, com recurso ao laboratório, a aulas no exterior e a saídas de campo, maximizando o recurso a materiais da escola e ao meio envolvente.

A necessidade de implementar aulas que permitam aumentar a funcionalidade profissional dos alunos acaba por ser uma inevitabilidade educacional. Para um aluno com CEI, a desenvolver o seu PIT na área da agricul- tura, não basta saber que as sementes se colocam na terra e depois crescem. Também é necessário obser- var, classificar sementes, conhecer a sua constituição externa e interna, monitorizar o processo. de germina- ção da semente e crescimento da planta, entre outros aspetos. Desta forma, as experiências de aprendiza- gem na área das Ciências podem promover a literacia científica, criando um ambiente sensorialmente esti- mulante e envolvente, que promova o desenvolvimento de competências pessoais e sociais destes alunos, mas que também desenvolva as suas competências académicas e pré-profissionalizantes.

Muitas das vezes, atendendo às limitações cognitivas dos alunos com NEE e CEI, tende-se a desvalorizar as suas potencialidades, desencorajando-se a experimentação, caindo-se numa rotina de “passividade” (Cal- deira, M., Fael, I., Alves, C., Antunes, M., Santos, M., Ferreira, L., Sousa, J., 2009). Não obstante, conforme nos dizem Gomes & Oliveira (2009, p. 21), “todos os alunos deveriam ter a oportunidade de aprender ciência”, na medida em que todos saem beneficiados deste processo ensino-aprendizagem, que pretende ser inclu- sivo. Competências como a organização percetiva, o desenvolvimento psicomotor, a resolução de proble- mas, tomadas de decisão, o desenvolvimento do pensamento científico, o desenvolvimento da motivação e persistência, o treino da atenção e concentração, o aumento do tempo de tarefa, a cooperação e socializa- ção, a promoção da autoestima e autoconceito e o desenvolvimento da autonomia, responsabilidade e fun- cionalidade são algumas das áreas comprovadamente desenvolvidas por via do ensino experimental (Cal- deira et al., 2009). Para além disso, o ensino-aprendizagem de Ciências permite desenvolver competências relacionadas com as atividades da vida diária dos alunos, promovendo a transversalidade interdisciplinar, com benefício para outras áreas académicas (Gomes, 2009).

1.3- "Learning-on" - Práticas Inclusivas em Ciências

Já são vários os estudos que fundamentam que aprender de uma forma lúdica, livre e imaginativa, jogando, manipulando, pensando e socializando, permite uma «desobediência» produtiva e construtiva. Que apren- dendo com «hands-on», «minds-on» e «hearts-on» constitui uma ferramenta pedagógica poderosa para dar espaço à imaginação, à descoberta, à improvisação, levando a um desenvolvimento social, emocional e cog- nitivo, tornando os alunos mais adaptáveis, mais desenvolvidos e menos ansiosos (Wenner, 2009). Quanto maior for a estimulação sensorial, maior será o impacte que as atividades terão nos alunos com NEE, permi- tindo que estes manipulem, sintam, cheirem, vejam, ouçam, provem, explorem e experimentem. Dá-lhes es- paço, autonomia e informação para que reflitam e raciocinem acerca da atividade de modo a transformá-la numa aprendizagem significativa. Por fim, promove um espaço de partilha e interação interpares prazeroso, enriquecedor e socializante (Caldeira, et al., 2009). Enfim, dá-lhes uma oportunidade de aprendizagem holís- tica que aqui se denomina «learning-on», com benefícios ao nível pessoal e social, mas também ao nível académico, pois apresenta-se como potenciador de aprendizagens significativas para o seu futuro pós-esco- lar e promotor de autonomia pessoal, social e profissional. A Figura 1 pretende representar este método de ensino, o qual assenta em três grandes pilares: estímulos sensoriais e interatividade (hands-on), comunicação e socialização (hearts-on), promotores da aprendizagem e relacionação dos conhecimentos adquiridos

(minds-on). Pretende ilustrar como esta conceção pedagógica tridimensional se une, interliga e sobrepõe, originando um conceito único, que se denominou, para esta investigação, "Learning-on".

Figura 1 - "Learning-on" - princípios orientadores das Práticas Inclusivas em Ciências 1.4- Finalidades da investigação

O estudo em questão pretendeu conceber um programa em Ciências, denominado "Práticas Inclusivas em Ciências" (PIC), adequado a alunos com NEE e com CEI, tendo sido concebida a planificação do programa para um ano letivo, com produção e desenvolvimento de materiais didáticos de apoio à sua implementação (guiões) e avaliação (autoavaliação de aula, avaliação de aula e diário do investigador). Pretendeu, ainda, ve- rificar e compreender se um aluno com NEE e com CEI desenvolve aprendizagens significativas em Ciências, com recurso a atividades práticas e/ou experimentais, avaliando-se assim o impacte do Programa “Práticas Inclusivas de Ciências” no desenvolvimento da literacia científica num aluno com CEI e NEE, inferindo-se se as Ciências. também poderão constituir uma área de referência a desenvolver com alunos com NEE e com CEI, com benefício para o seu futuro profissional, de forma autónomo. Deste modo, os objetivos traçados para esta investigação foram: i) Caraterizar o aluno em termos de perfil de funcionalidade e de conhecimen- tos em ciências antes da implementação do projeto de intervenção; ii) Conceber, produzir e implementar um programa de intervenção com alunos com CEI na área das Ciências; iii) Avaliar o impacte do projeto de in- tervenção no desenvolvimento da literacia científica do aluno.

Metodologia

2.1- Caraterização do Sujeito

De acordo com o disposto no artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de janeiro, os alunos com CEI pas- sam a usufruir de um PIT três anos antes da idade limite da escolaridade obrigatória. A matriz curricular

para estes alunos era proposta, para o ano letivo 2014/2015, na Portaria 275-A/2012 de 11 de setembro, privilegiando a componente funcional e promoção da transição para a vida pós-escolar destes alunos. É este o caso do estudo, o qual frequentou, nesse mesmo ano letivo, uma turma de referência do 11º ano de es- colaridade na Escola Secundária D. Inês de Castro (ESDICA), escola do Agrupamento de Escolas de Cister em Alcobaça (AECA), e que completou dezoito anos a 14 de setembro de 2015.

O sujeito é um jovem simpático que procura frequentemente a atenção do adulto, necessitando de um apoio e supervisão quase constantes, não só para conseguir concluir as tarefas, mas também para se sentir confiante na realização das mesmas. Atualmente, apresenta comportamentos que sugerem uma idade inte- lectual pubertária.

2.2- Descrição do estudo

A presente investigação deu origem à necessidade da conceção de um Programa para uma disciplina curri- cular específica, na área das ciências, para alunos com CEI. Deste modo, foi elaborada uma planificação a longo prazo, tendo por base os programas nacionais de ciências para o ensino básico, prevendo o desen- volvimento de três temas estruturantes, um por período: 1) Terra - um planeta com vida; 2) Terra - ambiente de vida; 3) A Terra e os animais. Ao longo do cumprimento de toda a planificação, a qual foi delineada para ter a duração de um ano letivo, previu-se o desenvolvimento de uma série de competências transversais, essenciais para alunos com NEE, especificamente para aqueles que apresentem um perfil de funcionalidade similar ao do sujeito do estudo. Para além disso, traçaram-se os objetivos gerais a desenvolver no âmbito das ciências: i) Desenvolver os processos da Ciência; ii) Desenvolver a curiosidade e o gosto pela Ciência; iii) Desenvolver a interação do aluno com atividades científicas; iv) Relacionar as aprendizagens em Ciência com as vivências do quotidiano; v) Transformar os saberes científicos em conhecimento mobilizável; vi) Adquirir vocabulário científico; vii) Adquirir um maior conhecimento do meio; viii) Respeitar normas de funciona- mento e metodologias de trabalho.

Dado o sujeito ter desenvolvido o seu PIT na área da agricultura, já que frequentou, parcialmente, o Curso de Operador Agrícola do Centro de Reabilitação Profissional do Centro de Educação Especial, Reabilitação e Integração de Alcobaça (CEERIA), focou-se a observação na unidade temática relativa ao segundo período, onde se desenvolveram três tópicos principais: Ciência, A Terra e as Plantas e a Agricultura do Meio Local.

Nesta unidade temática, para além de se explorar o uso do laboratório, estudaram-se conceitos que pode- rão sustentar as práticas que o aluno realiza no curso supracitado, promovendo, deste modo, a sua funcio- nalidade e autonomia profissional futura.

Os dados recolhidos através das entrevistas permitiram traçar um plano de atuação que passou, inicial- mente, pela aplicação de três questionários ao aluno, funcionando como pré-testes. Implementou-se, de se- guida, uma proposta pedagógica no âmbito da disciplina curricular específica PIC e do tema estruturante Terra - ambiente de vida, com início a 07/01/2015, constituída por oito aulas, para as quais foram elabora- das planificações, guiões de registo para o aluno, tendo-se registado todos os dados observados através de um Diário do Investigador. Para cada uma das aulas, foi elaborada uma ficha de avaliação do professor e uma ficha de autoavaliação para o aluno. Desta proposta pedagógica também fizeram parte uma saída de campo ao Mercado Municipal de Alcobaça, a participação nas atividades de final de 2º período do AECA e uma visita ao laboratório de ciências, guiada pelo sujeito em estudo. Posteriormente, foram aplicados, em pós-teste, os questionários iniciais, com o intuito de aferir os conhecimentos adquiridos pelo aluno após a aplicação deste programa de ciências.

Para o estudo de caso alvo desta investigação qualitativa, utilizaram-se três técnicas de recolha de dados (observação, inquérito, análise documental), com recurso a vários instrumentos (Diário do Investigador, guião de entrevista semiestruturada, questionário de avaliação de conhecimentos, guiões de aula, autoavaliações de aula) que permitiram a recolha de dados, cuja triangulação permitiu analisar e interpretar os resultados obtidos (Yin, 2005).