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Os resultados obtidos e as discussões se bassearam em cinso fatores que nos ajudaram na melhor compre- ensão dos fenômenos descritos, os quais entendemos fazer diferença no processo ensino-aprendizagem.

Quando a surdez é diagnosticada

Uma mulher enquanto grávida, jamais pensa na possibilidade do nascimento de um bebê “imperfeito”. Em sua temeridade do inesperado, principalmente se não é realizado o acompanhamento mensal do cresci- mento do seu bebê – pré-natal, chega a pensar e sentir medo pelo possível surgimento de algum problema, mas finaliza seu pensamento com fé em que seu bebê chegará com saúde, trazendo muita alegria ao seu lar.

Segundo VILLAR & JUNIOR, 2008, p. 44, ao nascer um bebê com surdez, esta perda será descoberta so- mente depois de seu primeiro ano de vida, e fechado seu diagnóstico aproximadamente aos seus três anos de idade – no mínimo, uma vez que é uma deficiência “invisível”. A descoberta acontece quando os familia- res começaram a perceber que a criança não atende a estímulos sonoros, como bater palmas, copo que- brando, barulho de aparelhos que emitem som (TV, rádio, celular), tampas de panela batendo e principal- mente não responde ao chamado de outras pessoas.

Com pouco mais de um ano de idade, sua mãe percebeu diferenças em seu comportamento, como vemos na fala da mãe: Em 1996 (ele nasceu no início de 1995) começamos a perceber algo diferente. “O volume do som muito alto, barulho na cozinha (Ex.: panela caindo...) não incomodavam o bebê. Resolvi marcar uma consulta com uma pediatra. Ela me encaminhou para um otorrino.4” Com diganóstico em mãos, a família pode realizar ações de acompanhamento mais rapidamente.

É natural que famílias ouvintes demonstrem emoções como decepção, frustração, revolta, indiferença no momento do diagnóstico da surdez, o que pode ser amenizado quando os profissionais de saúde são sensí- veis à situação e conhecem as culturas e a identidade surdas, podendo atenuar o sofrimento das famílias, dando esclarecimentos quanto à qualidade de vida que o surdo tem na sociedade quando sua inclusão é efetivada, e, inclusive, apontando para os caminhos linguísticos, educacionais, terapêuticos mais eficazes para o seu desenvolvimento. Nas palavras de Villar & Junior (2008) “O manuseio diagnóstico frente a um caso de suspeita de surdez requer paciência, conhecimento técnico, experiência e perícia” (p. 88).

A constituição do sujeito a partir das relações sociais

O contexto social, por vezes, impõe barreiras ao desenvolvimento da criança com deficiência e, no caso da criança surda, a maior de todas as barreiras é a linguística. Por isso, durante tantos anos lhe foi imposta a oralidade, na tentativa de “normalização” do sujeito surdo, conforme afirma Vygotsky: “Lo que decide el destino de la persona, en última instancia, no es el defecto en sí mismo, sino sus consecuencias sociales, su realización psicosocial" (1997, p. 19).

Essa atitude de reconhecimento de que a atitude dos familiares frente à surdez dos filhos pode gerar pro- blemas para o desenvolvimento e comportamento, e parece-nos fundamental para as decisões futuras que puderam promover o desenvolvimento de Caio. Em Vygotsky (1997), encontramos:

Por tanto, si se pregunta de dónde nacen, cómo se forman, de que modo se desarrollan los procesos superiores del pensamiento infantil, debemos responder que surgen en el proceso del desarrollo social del niño por medio de la transacción a si mismo de las formas de cola- boración que el niño asimila durante la interacción con el medio social que lo rodea (VYGOTSKY, 1997, p.219).

A grande preocupação dos familiares pelo sujeito surdo não se encontra apenas na aceitação, mas principal- mente em relação à sua forma de comunicação em sociedade, e por isso sua mãe decidiu que o exporia à convivência social o mais breve: “Nenhum momento quis esconder meu filho. Via várias famílias tendo ver- gonha dos filhos surdos de ter concebido uma criança fora dos padrões considerados ‘normais’.”

Nas relações sociais, as limitações se evidenciam, todavia é justamente nelas que o aprendizado e o desen- volvimento ocorrem. Limitar as relações sociais dos surdos, portanto, é privar-lhes do desenvolvimento cog- nitivo. A família, a escola, a sociedade, de um modo geral necessitam de observar a constituição natural da criança com deficiência, buscando estratégias de concretização do desenvolvimento e da aprendizagem.

Nesse sentido, as narrativas de sua mãe demonstram a importância das relações sociais, evidenciando a forma natural de vivência do sujeito e não sua limitação, proporcionando a interação, como fator fundamen- tal para o desenvolvimento: “quanto mais ele se comunicar, quanto mais ele conhecer ambientes diferentes, isso ai vai ajudar muito, porque ele vai conhecer algo novo e esse algo novo ele vai perceber que o mundo é dessa maneira”.

O papel da linguagem bilíngue numa abordagem sócio-histórica

A abordagem sócio-histórico-cultural vygotskyana tratava do bilinguismo, utilizando o termo “poliglotismo”, como um caminho viável para desenvolvimento da linguagem, tanto das crianças surdas como das ouvintes.

El camino para superar las dificultades es aquí mucho más tortuoso e indirecto de lo que qui- siéramos. En nuestra opinión, este camino está sugerido por el desarrollo del niño sordomudo y, en parte, del niño normal y consiste en el poliglotismo, es decir, en una pluralidad de las vías del desarrollo lingüístico de los niños sordo-mudos (VYGOTSKY, 1997, p. 232).

O bilinguismo é uma proposta educacional de ensino, constituindo o aprendizado concomitante de duas línguas, no caso dos surdos dando prioridade ao aprendizado da língua de sinais como primeira língua e a língua oral como segunda língua, esta, principalmente a escrita e leitura.

Para Quadros apud Fernandes & CORREIA (2005), “O Bilinguismo, entre tantas possíveis definições, pode ser considerado: o uso que as pessoas fazem de diferentes línguas (duas ou mais) em diferentes contextos soci- ais” (p. 28). Sua mãe nos conta sobre como essa proposta entrou na vida do Caio, informalmente, em casa:

“Então eu percebia que o adulto tinha a língua dele e meu filho ainda não tinha e não existia uma escola pra poder orientar ele. (...) Aos poucos... vamos supor. Se eu falava escola e mos- trava a camiseta, a gente já aprendia o sinal “escola” (fez o sinal), e ai eu falava em Libras e oralizando: vamos pra escola e mostrava o sinal e ali automaticamente foi eliminando aqueles sinais caseiros e já foi substituindo por algo verdadeiro.”

Esta modalidade de ensino linguístico possibilita ao surdo a identificação com seus pares, o que sugere um novo olhar sobre a surdez, tornando a língua de sinais uma mediadora do aprendizado da língua oral, que são as línguas por meiodas quais o surdo interage no nosso país.

A proposta bilíngüe é contemporânea, alvo de reflexões dos profissionais que trabalham com educação de surdos, pois além de possibilitar ao surdo aprender as duas línguas no espaço escolar, permite fazer uso das duas línguas na sociedade.

A interação como forma de aprendizagem

Quando se inicia a desconfiança de “algo errado”, a família também, naturalmente, acaba por mudar seu modo de interagir com a criança. Depois da confirmação do diagnóstico, esses modos diversos de agir se intensificam, e a família passa, então, a interagir basicamente a partir do ato de apontar as coisas e de ges- tos. Tais gestos são, na maioria das vezes, criados espontaneamente pela criança para suprir a necessidade da interação: “Em casa, utilizava “método” de comunicação (Sinais naturais, palavras, símbolos, mímicas) per- mitindo que ele adquirisse uma linguagem.”.

Nessa perspectiva, podemos afirmar que a criança desenvolve uma linguagem na interação com os seus fa- miliares desde o seu nascimento e, durante seu desenvolvimento, vai se ampliando na e pela interação com os outros. Como bem diz Vygotsky (1930),

O aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento, que são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas em seu ambiente e quando em coo- peração com seus companheiros. Uma vez internalizados, esses processos tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento independente da criança (p. 117-118).

Podemos observar a grande preocupação da mae do nosso sujeito quanto à aprendizagem de seu filho e sua inserção social desde o nascimento. O trecho a seguir traz o seu envolvimento com a educação formal da criança: Com 04 anos de idade estudava na escola municipal (...) o primeiro aluno surdo! (...) A escola precisava oferecer oportunidade de aprendizagem, pois (eu) observava que outras crianças nesta idade já frequentavam creches, escolas...

Pelas narrativas de sua mãe e pelo desenvolvimento de Caio, vemos que, quanto mais cedo for diagnosti- cado, quanto mais lhe for proporcionado um ambiente de interação, o surdo terá mais condições de inser- ção social.

À criança ouvinte não é imposta a aprendizagem da língua. Na interação ela vive esse aprendizado como um processo natural, sem ser necessário obrigar nada. Aprende a interagir e agir em sociedade mesmo que cresça sem a educação formal. Para o surdo deveria ser assim também, mas ele nasce em um mundo ou- vinte que ainda não sabe lidar com as suas necessidades. Se o sujeito surdo não tiver acesso à informação visualmente, ele vai continuar leigo, se alguém não lhe disser o “nome das coisas” (em Língua de Sinais) não terá condições de aprender.

A afetividade como fator facilitador do processo ensino-aprendizagem

A questão da afetividade assumiu um papel importante a partir dos achados de Vygotsky (2000). Embora pouco evidente em seus escritos em virtude do seu pouco tempo de pesquisas, é um relevante fator que precisa ser levado em consideração quando se trata das questões de ensino-aprendizagem. Nas palavras do autor,

As reações emocionais exercem uma influência essencial e absoluta em todas as formas de nosso comportamento e em todos os momentos do processo educativo. Se quisermos que os alunos recordem melhor ou exercitem mais seu pensamento, devemos fazer com que essas atividades sejam emocionalmente estimuladas. A experiência e a pesquisa têm demonstrado

que um fato impregnado de emoção é recordado de forma mais sólida, firme e prolongada que um feito indiferente (VYGOTSKY, 2003, p.121).

Sua mãe demonstra emoção, e deixa-lhes cair lágrimas dos olhos quando lembra de quando seu filho usou seu primeiro aparelho auditivo: Lembro do primeiro som que ele ouviu dos pássaros cantando nas árvores em frente à Secretaria de Educação Especial do município. Parei naquele momento e o abracei. Pensei: o futuro do meu filho já começou e eu preciso me apressar e correr contra o tempo.

A criança surda, ao interagir com o meio, demonstra a necessidade de uma língua que possibilite essa inte- gração de forma a compreender o que a rodeia, atribuindo assim, significados às suas experiências. Dessa forma, seus familiares, então, passam a adotar o “seu jeito” de se comunicar, e é nesse contexto que surgem os sinais, os quais denominamos de “sinais afetivos”5 (CORDEIRO, 2014).

Eu vou explicar, a minha família com minha mãe eu uso Libras e oralizo às vezes, mais Libras do que oralização, porque houve uma troca entre a gente, eu fui ensinando a ela a lín- gua de sinais e foi trocando os sinais caseiros pelos da Libras. Com minha irmã é tudo mistu- rado hoje. E papai mais oralização.

O aporte teórico/metodológico que sustenta a defesa deste termo fundamenta-se em Vygotsky (1998), o qual nos revela haver "uma conexão geral entre as emoções do homem e as reações afetivas e instintivas correspondentes que se observam no reino animal" (1998, p. 80), e que para a produção de emoções é ne- cessária uma vinculação com o contexto em que se vive, fundamental para a constituição dos sujeitos, na atribuição de significados para o que os cercam. O autor defende a relação dialética entre “cognição e afeti- vidade”, assumidos por diversos estudiosos posteriormente.

Observamos que a afetividade parece ter contribuído para a aprendizagem e o desenvolvimento de Caio. Nesse sentido, parece-nos importante observar e compreender as relações da afetividade com a formação cognitiva, linguística e psíquica dos sujeitos.

A partir desses construtos, acreditamos que os sinais afetivos são naturalmente criados pela necessidade de interação na sua construção simbólica e o problema se encontra no fato de os surdos ainda os manterem durante seu desenvolvimento, pois assim como os ouvintes, os surdos precisam avançar.

Podemos observar na fala de Caio como se davam as criações dos sinais afetivos e sua importância:

Antigamente eu aprendi os sinais básicos da língua de sinais, mas usava mais os sinais familiares ou sinais caseiros. Então por exemplo, não usava o sinal de “igreja” da Libras, eu usava esse sinal aqui de igreja (mostra o sinal caseiro pra “igreja”), que eu inventei obser- vando os cutlos.6

Para Vygotsky (1998), essa conexão afetiva, junto com as experiências vivenciadas pelos sujeitos na intera- ção, resultam no processo de desenvolvimento físico e mental e, no desenrolar deste processo, as emoções vão se transformando, constituindo-se em um fenômeno histórico-cultural, através dos domínios crescentes de ferramentas culturais.

Conclusões

No desenvolvimento deste trabalho, tivemos a oportunidade de ampliar nosso conhecimento sobre alguns conceitos que envolvem as limitações dos sujeitos com deficiências. Focando nossos estudos na surdez, per- cebemos que ela, em si, não é limitante do processo de ensino-aprendizagem, mas o modo como a socie- dade encara esse sujeito. Segundo Vygotsky:

El ciego seguirá siendo ciego y el sordo, sordo, pero dejarán de ser deficientes porque la defectividad es un concepto social (…) La ceguera en sí no hace al niño deficiente, no es una defectividad, es decir, una defi- ciencia, una carencia, una enfermedad. Llega a serlo sólo en ciertas condiciones sociales de existencia del ciego. Es un signo de la diferencia entre su conducta y la conducta de los otros. La educación social vencerá a la defectividad. (VYGOTSKY, 1997, p. 82)

Nossas reflexões, baseadas nas teorias estudadas, levam-nos a perceber as múltiplas interferências sociais, familiares, culturais e individuais no processo ensino-aprendizagem dos surdos, que podem gerar progresso ou estagnação.

Vygotsky (1997) traz à luz a importância de se focar nas capacidades e potencialidades dos sujeitos com de- ficiência e não em suas limitações, nem tampouco dar ênfase – como se fazia em sua época e, em muitos contextos, ainda hoje – à ideia de ‘normalizá-los’. Essa concepção diz respeito a moldar os sujeitos aos pa-

drões ditos normais, sem que se leve em consideração as suas necessidades e possibilidades de desenvolvi- mento reais, como ocorre na “visão clínica’’, que conceitua os surdos como deficientes, que devem ser “cu- rados’’ ou “padronizados”.

Ao observar as interações entre mãe e filho, podemos perceber a importância de sua percepção quando as capacidades de seu filho apenas como um ser diferente e não deficiente e de como aproveitou a afetividade para a superação dessa criança, culminando no sucesso alcançado.

Os dados nos mostraram que as interações são fatores que contribuíram para o desenvolvimento do sujeito de nossa investigação, e que estas levam em conta o histórico de vida, os vínculos afetivos, a superação, o reconhecimento das capacidades sobreposto à deficiência e principalmente a dedicação da família.

Reconhecemos um profundo empenho empregado, principalmente da mãe, em utilizar todas as suas forças e recursos metodológicos possíveis, mesmo que desconhecidos na teoria, para “facilitar” a interação de Caio com o mundo (ouvinte e surdo).

Essa mãe, comprometida com o desenvolvimento do seu filho, proporciona essa interação por meiodo con- tato de Caio com outros sujeitos em todos os âmbitos da sociedade, aproveitando as experiências vividas no seu dia a dia, através, por exemplo, de brincadeiras que aproveitem o contexto, do seu encontro com crianças ouvintes da vizinhança, ou da sua participação numa escola de surdos em idade anterior à permi- tida por Lei apenas para lhe proporcionar contato direto com seus pares surdos, ou mesmo as suas orienta- ções aos familiares mais distantes sobre quais ferramentas linguísticas utilizar na comunicação. Ela ainda busca intermediar a relação de Caio com o mundo exterior quando sinaliza com a escrita da Língua Portu- guesa todos os objetos dentro de sua casa, facilitando, mais uma vez, sua interação com o mundo simbó- lico, levando-o ainda a reconhecer o campo da escrita.

A relevância dada pela família à comunicação e, em especial, ao uso da Libras, denota a preocupação e apoio familiar, e pudemos observar, assim, a importância da criança surda aprender não somente a língua oral vivenciada no país e sua escrita, mas focar na cultura do surdo, que traz em seu cerne a sua língua de uso natural desde o nascimento: a língua de sinais.

Referências bibliográficas

CORDEIRO, S. P. R. L. (2014). Ensino-Aprendizagem do Sujeito Surdo: um estudo de caso. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Mestrado em Estudos de Linguagem do Instituto de Linguagens da Universidade Federal de Mato Grosso-UFMT, CuiabáMT.

FERNANDES, E. & CORREIA, C. (2005). Bilinguismo e Surdez: A evolução dos conceitos no domínio da lin- guagem; Cap. I, In. FERNANDES, Eulália (organizadora). Surdez e Bilinguismo. Porto Alegre: Mediação.

GIL, A. C. (1999). Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 5ª ed. São Paulo: Atlas.

http://www.akousis.com.br/como-a-audicao-funciona. Acesso em 21 de agosto de 2014.

VILLAR, M. A. M. & JUNIOR, J. C. L. (2008).Aspectos biológicos da deficiência auditiva. Rio de Janeiro: Editora UNIRIO.

VYGOTSKY, L. S. (2000). A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes.

_________. (1930) (1998). Implicações educacionais. In M. Cole, V. John-steiner, S. Scribner & E. Soberman (Orgs) (1978) A Formação Social da Mente: O desenvolvimento dos Processos Psicológicos Superiores: SP, Martins Fontes.

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Apoio a estudantes com necessidades especiais no Ensino Superior: a