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2 A estética da força no Sensacionismo de Fernando Pessoa

2.1. Como pensar uma estética não-aristotélica?

Em seu livro Os filhos do barro, Octavio Paz nos dá uma visão da modernidade, apontando os fatos e as mudanças que ocorreram desde sua origem até a segunda metade do século XX. O autor nos mostra que desde seu princípio a poesia moderna foi uma reação contra seu tempo, marcada por rupturas que destroem os vínculos que nos unem ao passado.

Sabe-se que, considerando as rupturas ocorridas no Modernismo português, dificilmente um poeta merece ser mais considerado do que Fernando Pessoa. Com seu Sensacionismo, o autor cria uma nova maneira de ver a poesia e a própria vida, ao propor uma estética baseada na sensação, que rompe com a antiga estética da beleza que marcou o pensamento sobre a Arte desde sua apropriação pelo Renascimento. Em 1924, Álvaro de Campos propõe uma poética não-aristotélica, mostrando, assim, como a força – que é a sensação –, não só pode como deve substituir a estética do belo. É com essa proposta que a avaliação de novas obras de arte se torna possível, o que não seria se o conceito aristotélico ainda prevalecesse. Todas as questões que se encontram na proposta de Campos estão presentes na construção do Sensacionismo de Fernando Pessoa.

Para uma melhor compreensão das propostas feita por Campos, em seu artigo: “Apontamentos para uma estética não-aristotélica” (Dez.1924 – Jan 1925), também analisaremos as teorias propostas por Fernando Pessoa em seu Sensacionismo, veremos suas teorias da analise das sensações e seus princípios. Dentro disso iremos tratar as questões encontradas nos textos separadamente, tentando dessa forma tornar mais claro o que nos é proposto no texto de Álvaro de Campos e nos textos de Pessoa.

Álvaro de Campos, em seu artigo “Apontamentos para uma estética não- aristotélica”, nos diz que toda a atividade é resultado de uma força, uma energia, e a mesma força que habita a obra de arte também estaria presente na vida. Dupla, essa força se define pelo confronto entre integração e desintegração, sempre em busca de um equilíbrio anulador das oposições: “a pura integração é a ausência de vida e a pura desintegração é a morte” (2004, p.437). Trata-se sempre de uma ação que acompanha uma reação.

Em seu texto, Campos define que a integração manifesta-se como coesão, tensão, assimilação e contração; já a desintegração, coloca-se como ruptibilidade, distensão, estiramento. Isso tudo é causado por influências internas e externas e essa dupla força precisa agir de forma integrada para que haja equilíbrio vital.

Como a sensibilidade é a vida da arte, segundo Campos, quando se trata de um objeto artístico é dentro dela que essas forças devem agir. Na sensibilidade, o princípio de coesão vem do indivíduo, que é caracterizado por essa sensibilidade, que será sempre uma forma específica dela, pois ela não é estável, tem diferentes níveis, então varia sua forma em seu sentido abstrato, que será responsável por essa individualização. Já quando pensamos a sensibilidade na ruptibilidade vemos que ela manifesta-se com as mais variadas forças, em sua maioria externas, porém, elas vão refletir no indivíduo na sua “não-sensibilidade”. Isto é, a força de ruptibilidade é responsável por desintegrar os elementos e reconstruí-los, agindo a partir da inteligência e da vontade. É através da inteligência que o indivíduo vai trabalhar a sensibilidade, vai causar nela suas rupturas, conseguindo dessa maneira transpor o que está no exterior para o interior, transformando a sua sensibilidade particular em sensibilidade humana, coletiva.

A vitalidade de um organismo está em sua força de reação, força que ocorre naturalmente no corpo, de forma automática, e quando essa reação ocorre, ela desencadeia um efeito – chamado por Fernando Pessoa de “força de ação”, de desintegração – que equilibra a ação em sua intensidade. Ela é equilibrada pois toda a força de reação irá gerar uma força de ação com a mesma intensidade. Para o autor, todas essas forças de ação e reação da arte, se encontram, assim, no campo da sensibilidade. E isto é importante para a concepção de poesia de Fernando Pessoa na qual a arte tem que vir de dentro

da vida e portanto deve nascer a partir da sensação. Pessoa se posiciona contra uma arte mecânica, técnica e que não se ligue às forças vitais.

Assim, ao contrario da esthetica aristotelica, que exige que o individuo generalize ou humanize a sua sensibilidade, necessariamente particular e pessoal, nesta theoria o percurso indicado é inverso: é o geral que deve ser particularizado, o humano que se deve pessoalizar, o “exterior” que se deve tornar “interior”. (CAMPOS, 2014, p. 439)

Vemos, então, que o poeta não compactua com a ideia, também utilizada pelos românticos, de que o poeta deverá colocar na arte o seu interior particular, privado. Ele quer que o poeta se aproprie dessas sensibilidades exteriores e que as transforme em seu interior, propondo portanto o caminho inverso da tradição romântica.

Fernando Pessoa defenderá sua teoria por meio de apontamentos sobre a Arte inspirado no conceito aristotélico: a beleza, ao basear-se naquilo que é geral, no que agrada e é compreensível, revela-se como uma máquina inorgânica, artificial e apreciável. Para o autor, como já dito anteriormente, toda a Arte parte da sensibilidade, enquanto que, para o artista aristotélico, a sensibilidade está subordinada à inteligência, com o intuito de torná-la agradável (Bela) aos olhos de seu espectador, isto é, a arte não parte da sensibilidade e sim da inteligência.

Em seu entender, o poeta deve dominar subjugando o leitor, forçando-o a sentir o que ele sentiu. Ou seja, a ideia de força deve estar presente na arte não-aristotélica, baseando-se na sensibilidade que subjuga. Em virtude de a sensibilidade ser algo subjetivo, no sentido de que quando cada um sente, é em seu corpo particular que de fato “sente”, através da sensação – compreendida aqui como força – é possível agir diretamente sobre o corpo de cada leitor. Aquele que escreve deve se valer da sensação para tentar fazer com que o outro sinta aquilo que ele pretendia passar, mas por tratar-se de uma unidade espontânea e orgânica, natural, é certo que ela pode ser ou não sentida pelo leitor. Mas o que importa a ele é a ideia de que o artista não- aristotélico torna-se “um foco emissor abstracto sensível”, que domina o outro

pela força. De acordo com tal proposta, as forças do poema e do poeta concentram-se na intensidade de suas sensações.

O filósofo Gilles Deleuze, em seu livro acerca do pintor Francis Bacon, trabalha a questão da sensação de um modo muito aproximado àquele que vemos em Pessoa. Para ele, cabe à arte antes apresentar forças do que “representar formas”. Sua lógica da sensação irá assim trabalhar justamente no sentido de uma arte que aciona forças:

Como poderia a sensação voltar-se suficientemente sobre si mesma, distender-se ou contrair-se, para captar, naquilo que nos dá, as forças não são dadas, para fazer sentir forças insensíveis e elevar-se até suas próprias condições? (DELEUZE, 2007, p.62)

Para Deleuze, o ritmo de uma obra residirá justamente nos movimentos de sístole e diástole, contração e distensão, de que seus elementos internos seriam portadores. O ritmo, dirá ele, é uma força básica, que se faz presente em todas as artes e é através dele que o espectador vivencia a obra.

Não é dessa forma que a linguagem de Fernando Pessoa se apresenta? A estética da foça de Campos baseia-se na dinâmica de expansão e contração que é capaz de fazer um poema respirar, assim como um corpo vivo. Desse modo, o poeta poderá forçar o leitor a sentir as coisas de forma diferente, forçá- lo a ter novas sensações. Fernando Pessoa, ao narrar o processo de criação sensacionista, nos mostra como nos apropriar dessas forças para a construção poética. Podemos pensar aqui no processo de intelectualização da sensação que Pessoa irá propor: através desse processo, consegue-se extrair a força que se fará presente no poema. Veremos essas questões mais adiante.