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Como sabemos que não vivemos num planeta com forma de rosquinha?

No documento Os mistérios dos números (páginas 109-113)

Em tempos antigos, admitia-se que a Terra era plana. Mas assim que as pessoas começaram a viajar distâncias maiores, a questão da forma da Terra em grande escala tornou-se mais importante. Se o mundo era plano, então — todos estavam de acordo — se você viajasse longe o suficiente acabaria caindo pela borda — a menos que jamais alcançasse a borda, porque o mundo continuaria para sempre.

Muitas culturas começaram a perceber que a Terra provavelmente era curva e finita. A proposta mais óbvia para esse formato é uma bola, e vários matemáticos antigos fizeram cálculos incrivelmente precisos para o tamanho dessa bola, com base apenas na análise de como as sombras se modificam durante o dia. Todavia, como os cientistas podiam estar seguros de que a superfície da Terra não era enrolada em algum outro formato interessante?

Como podiam ter certeza de não viver, por exemplo, na superfície de um enorme pneu, parecido com o universo do astronauta do Asteroids, preso em seu mundo bidimensional em forma de rosca?

Um modo de saber isso é fazer uma viagem imaginária nesses mundos alternativos. Coloquemos então um explorador na superfície de um planeta,

dizendo-lhe que ele tem o formato de uma esfera perfeita ou de uma rosca perfeita. Como podemos distinguir os dois? Fazemos com que ele parta em linha reta ao longo da superfície do planeta, com um pincel e uma lata de tinta branca, que usará para marcar o trajeto. O explorador acabará voltando ao ponto de onde saiu, tendo traçado seu caminho como um gigantesco círculo branco em torno do planeta.

FIGURA 2.41: Dois trajetos sobre uma esfera se cruzam em dois lugares.

Agora lhe damos uma lata de tinta preta e lhe dizemos para partir em outra direção. Num mundo esférico, qualquer que seja a direção escolhida, o trajeto preto sempre cruzará o branco antes de ele voltar ao ponto de partida.

Lembre-se de que o explorador está sempre viajando em linha reta sobre a superfície. O ponto onde os dois caminhos se cruzam será o “polo” oposto ao ponto onde o explorador começou a viagem.

Na superfície de um planeta com formato de rosca, as coisas são bastante diferentes. A jornada branca poderia levá-lo a dar a volta na rosca, entrando no buraco e saindo do outro lado. Mas se, em sua viagem de tinta preta, ele partir numa direção que forme um ângulo de 90° com o trajeto branco, ele daria a volta no buraco sem entrar. Então, é possível fazer dois trajetos que se cruzem apenas no ponto de partida.

FIGURA 2.42: Há trajetos sobre um toro que se cruzam apenas uma vez.

O problema é que a superfície de um planeta geralmente não é perfeitamente esférica nem perfeitamente em forma de rosca — é distorcida.

Na superfície, há entalhes e saliências de pontos atingidos por meteoritos, forçados para dentro ou para fora do formato geral; assim, se o explorador viajar em linha reta e deparar com um desses entalhes ou saliências, poderá se desviar e seguir em outra direção. Na verdade, é bem possível que se o explorador seguir em linha reta jamais retorne ao ponto de partida. Já que as formas entalhadas ou salientes são simples versões da esfera ou da rosca, será que há outras maneiras de distingui-las? É aí que a matéria da topologia se torna poderosa, porque ela se preocupa não tanto com o menor caminho entre dois pontos, mas com a possibilidade ou não de um caminho ser moldado em outro.

Enviemos agora nosso explorador munido de uma corda elástica branca, que ele deixa cair atrás de si. Ele segue andando até voltar ao começo, e então junta as pontas da corda de maneira a ter um laço corrediço em torno do planeta. Aí parte novamente em outra direção com uma corda elástica preta, e mais uma vez segue até voltar ao ponto de partida. Se o planeta for uma bola ou esfera com algumas reentrâncias e saliências, então, sem cortar nenhuma das cordas, o explorador sempre conseguirá mover a corda preta de modo que ela fique totalmente sobre a branca. Mas num planeta em forma de rosca isso nem sempre é possível. Se a corda preta for enrolada em torno da parte interna da rosca, e a corda branca formando um círculo abrangendo o anel externo, então não há meio de puxar a corda preta para se ajustar perfeitamente à branca sem cortá-la. Assim, o explorador sabe se existe um furo no planeta fazendo viagens em torno dele, sem nunca abandonar a superfície para descobrir qual o seu formato.

Eis aqui duas outras maneiras curiosas de dizer se você está num planeta em forma de bola ou de rosca. Imagine que ambos os planetas estejam

cobertos de pelos. O explorador na rosca peluda descobrirá que pode orientar os pelos de uma maneira que eles se assentem direitinho, por exemplo, penteando-os para dentro do buraco e saindo do outro lado. Mas o explorador na bola peluda vai se dar mal. Por mais que tente pentear os pelos nesse planeta, sempre haverá um ponto onde os pelos não se encaixam e formam uma crista.

De modo bizarro, isso tem uma implicação estranha sobre o clima nos dois planetas, pois os pelos podem ser pensados como a direção que o vento sopra em cada um deles. No globo há sempre um lugar onde não há vento soprando — a crista —, mas na rosca é possível que haja vento soprando em toda a superfície.

Outra diferença entre os dois planetas está nos mapas que podem ser desenhados sobre eles. Divida cada planeta em diferentes países e então tente colorir os mapas de modo que não haja dois países com fronteira comum que tenham a mesma cor. Na superfície da Terra esférica, é sempre possível ajeitar-se com apenas quatro cores. Num mapa da Europa, veja como Luxemburgo está espremido entre Alemanha, França e Bélgica — você percebe que necessita, pelo menos, de quatro cores. Mas o extraordinário é que você não precisa de mais cores — não há como redesenhar as fronteiras da Europa de modo a forçar os cartógrafos a usar a quinta cor. No entanto, não foi nada fácil provar isso. A prova de que não havia realmente algum mapa maluco que precisasse de uma quinta cor foi uma das primeiras na matemática a recorrer ao computador para verificar vários milhares de mapas que levariam muito tempo para se colorir a mão.

FIGURA 2.43: Quatro cores são necessárias para colorir o mapa da Europa.

De quantos potes de tinta os cartógrafos que vivem num planeta em forma de rosca vão precisar? Há mapas nesse planeta que chegam a necessitar de sete cores. Lembre-se do jogo Asteroids, em que enrolamos a tela retangular de modo a criar uma rosca onde o topo e a base se juntam para formar um cilindro, e aí os lados direito e esquerdo que formam as extremidades do cilindro são unidas para formar a rosca. Eis um mapa (Figura 2.44), desenhado na superfície da rosca antes de se juntarem as extremidades, que necessita de sete cores ao ser unido.

FIGURA 2.44: Enrole este mapa para formar uma rosca juntando a parte de cima à de baixo e depois juntando as duas pontas. Você descobrirá que precisa de sete cores para pintá-lo.

E agora, tendo viajado pela matemática de bolhas e roscas, espuma e fractais, estamos prontos para enfrentar a questão final da forma na matemática.

No documento Os mistérios dos números (páginas 109-113)