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No jogo de computador Asteroids, qual o formato do Universo?

No documento Os mistérios dos números (páginas 105-109)

Em 1979, a empresa de jogos de computador Atari lançou seu jogo mais popular, o Asteroids. O objetivo do jogo era atingir e destruir asteroides e discos voadores, ao mesmo tempo tentando não colidir com asteroides que

passam, nem ser atingido por discos voadores que revidam o fogo. A versão Arcade fez tanto sucesso nos Estados Unidos que muitas máquinas do jogo tiveram de adaptar caixas de dinheiro maiores para conter todas as moedas e fichas introduzidas.

Mas é a geometria do jogo que nos interessa do ponto de vista matemático: assim que uma nave espacial some pela parte superior da tela, ela reaparece magicamente na base inferior. De maneira semelhante, se você sai da tela pelo lado esquerdo, a nave espacial reaparece entrando na tela pela direita. O que acontece é que o nosso astronauta está encalhado num mundo bidimensional, no qual seu universo inteiro pode ser visto na tela.

Embora seja um universo finito, ele não tem fronteiras. Como o astronauta jamais chega a um limite, ele não vive num retângulo, mas voa num espaço muito mais interessante. Podemos descobrir qual o formato desse universo?

Se o astronauta sai da tela pelo alto e reaparece embaixo, então esses trechos de universo precisam estar conectados. Imagine que a tela do computador seja feita de borracha flexível, de modo que possa ser dobrada unindo o topo com a base. Quando o astronauta voa verticalmente, vemos agora que ele simplesmente viaja dando voltas e mais voltas num cilindro.

E quanto à outra direção? Quando ele sai da tela pela esquerda, reaparece pela direita, então, as duas extremidades do cilindro horizontal também devem estar ligadas. Se marcarmos os pontos onde estão ligadas, descobrimos que precisamos dobrar o cilindro e juntar a parte de cima com a de baixo. Logo, o nosso astronauta, na verdade, vive numa rosquinha, ou naquilo que os matemáticos chamam de toro.

O que descrevi com esse pedaço de borracha é uma nova maneira pela qual os matemáticos começaram a ver as formas cerca de cem anos atrás.

Para os gregos antigos, a geometria (palavra que vem do grego e significa, literalmente, “medir a Terra”) tratava de calcular distâncias entre pontos e ângulos. Mas analisar o formato do universo do astronauta no jogo Asteroids não diz respeito tanto a distâncias reais no universo do astronauta, e sim à maneira como esse universo está todo conectado. A nova maneira de olhar as formas, na qual posso empurrá-las e puxá-las de um lado a outro como se fossem feitas de borracha ou massa de modelar, chama-se topologia.

Muita gente usa mapas topológicos diariamente. Você reconhece o mapa da Figura 2.38? É um mapa geométrico do metrô de Londres. Porém, embora seja geograficamente preciso, não serve muito bem para você achar seu caminho. Em vez disso, os londrinos usam um mapa topológico,

desenhado pela primeira vez em 1933 por Harry Beck, no qual ele puxou e empurrou o mapa geométrico de modo a obter algo de uso muito mais fácil e agora familiar no mundo todo.

FIGURA 2.38: Um mapa geométrico do metrô de Londres.

Entender se é possível desfazer um nó também é uma questão de topologia, porque temos permissão de puxar os fios de um lado a outro, mas não de cortá-los. Isso é de importância fundamental para biólogos e químicos, pois o DNA humano tende a se entrelaçar formando estranhos nós. Algumas doenças, como o mal de Alzheimer, podem estar relacionadas ao modo de o DNA criar nós em si mesmo, e a matemática tem o potencial de desfazer esses mistérios.

No começo do século XX, o matemático francês Henri Poincaré começou a se perguntar quantas superfícies topologicamente distintas haveria. Isso é como observar todas as possíveis formas que nosso astronauta bidimensional da Atari poderia habitar. Poincaré estava interessado nesses universos da perspectiva topológica, de modo que dois universos poderiam ser encarados como o mesmo se um deles pudesse ser transformado no outro continuamente e sem nenhum corte. Por exemplo, a superfície bidimensional de uma esfera é topologicamente a mesma que a superfície bidimensional de uma bola de rúgbi porque podemos moldar uma a partir da outra. Mas esse universo esférico é uma forma topológica diferente do toro no qual nosso

astronauta da Atari voa, pois não se pode transformar uma esfera numa rosca sem cortar ou colar. Mas que outras formas existem?

FIGURA 2.39: As quatro primeiras formas na classificação topológica de Henri Poincaré de como enrolar superfícies bidimensionais.

Poincaré foi capaz de provar que, por mais complicada que uma forma seja, é sempre possível transformá-la numa das seguintes formas: esfera, toro com um furo, toro com dois furos, toro com três furos ou qualquer número finito de furos. Do ponto de vista topológico, essa é uma lista completa de universos possíveis para nosso astronauta. É o número de furos — a que os matemáticos se referem como genus — que caracteriza a forma. Por exemplo, uma xícara de chá é topologicamente idêntica a uma rosca porque ambas têm um furo. Uma chaleira tem dois furos, um na boca e outro no bico, e pode ser moldada para ter a aparência de um pretzel com dois buracos. Talvez seja mais desafiador entender por que a forma na Figura 2.40, que também tem dois furos, pode ser moldada num pretzel de dois buracos. Com a parte da massa interligada atravessando os furos, parece que

seria necessário cortar para ter êxito na moldagem, mas isso não é preciso.

No final do capítulo eu explico como desfazer os anéis sem cortar.

FIGURA 2.40: Como desfazer os dois anéis interligados através dos furos moldando-os continuamente e sem cortá-los?

Como sabemos que não vivemos num planeta com forma de

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