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Será que o Centro Olímpico de Natação de Beijing é instável?

No documento Os mistérios dos números (páginas 74-82)

O Centro de Natação construído para as Olimpíadas de Beijing é uma visão extraordinariamente maravilhosa, em particular quando está iluminado, à noite, e parece uma caixa transparente cheia de bolhas. Seus projetistas, da Arup, foram felizes em captar o espírito dos esportes aquáticos praticados ali dentro, mas também quiseram dar à construção uma aparência natural, orgânica.

Eles começaram observando formas que pudessem ladrilhar uma parede, como quadrados, triângulos equiláteros ou hexágonos, mas concluíram que eram regulares demais, não captavam a qualidade orgânica que buscavam.

Pesquisaram outros meios pelos quais a natureza embala as coisas, como cristais ou estruturas celulares num tecido vegetal. Em todas essas estruturas há exemplos dos tipos de forma que Arquimedes descobriu para construir

boas bolas de futebol, mas a Arup se viu especialmente atraída pelas formas compostas de montes de bolhas embrulhadas juntas para formar a espuma.

Considerando-se que se levou até 1884 para provar que a esfera é a forma mais eficiente para uma única bolha, não surpreende o fato de que grudar várias bolhas para criar espuma seja uma das questões difíceis que ainda vexam a matemática hoje. Se você tem duas bolhas que contêm o mesmo volume de ar, que forma elas criam quando se juntam? A regra é sempre a mesma: as bolhas são preguiçosas e procuram formas com o mínimo de energia. A energia é proporcional à área da superfície, de modo que tentam fazer uma forma que tenha a menor área superficial de película de espuma. Como duas bolhas grudadas compartilham uma fronteira, elas podem criar uma forma com menor área superficial do que simplesmente duas bolhas se tocando.

Se você soprar bolhas, e duas delas com o mesmo volume se fundirem, a combinação será algo com a aparência da Figura 2.09.

FIGURA 2.09

As duas esferas parciais irão se encontrar num ângulo de 120° e estarão separadas por uma parede plana. Este é, com certeza, um estado estável — se não fosse, a natureza não deixaria as bolhas ficarem assim. Mas a questão é se poderia haver outra forma que tivesse ainda menos área superficial, e portanto menos energia, o que a tornaria ainda mais eficiente. Talvez fosse necessário colocar alguma energia nas bolhas para tirá-las de sua estabilidade atual, mas, quem sabe, há um estado de energia ainda mais baixa. Por exemplo, talvez duas bolhas fundidas pudessem ser melhoradas mediante alguma configuração esquisita, com menos energia, na qual uma bolha assume o formato de uma rosquinha e envolve a outra bolha, apertando-a numa forma semelhante a um amendoim (Figura 2.10).

FIGURA 2.10

A primeira prova de que as bolhas fundidas não poderiam ser melhoradas foi anunciada em 1995. Embora matemáticos realmente não gostem de pedir ajuda ao computador, pois isso não satisfaz seu senso de elegância e beleza, precisaram de um para executar e verificar os extensivos cálculos numéricos envolvidos nessa prova.

Cinco anos depois, foi anunciada uma prova no lápis e papel da conjectura da bolha dupla. Na verdade, ela provava uma conjectura mais genérica: se as bolhas não englobarem o mesmo volume, sendo uma menor que a outra, então elas se fundem de modo que a parede entre as bolhas não seja mais plana, mas se curve em direção à bolha maior. A parede é parte de uma terceira esfera e encontra as duas bolhas esféricas de um modo tal que as três películas de sabão tenham ângulos de 120° entre si (Figuras 2.11 e 2.12).

FIGURA 2.11

FIGURA 2.12

De fato, essa propriedade dos 120° é uma regra geral para a maneira como bolhas de sabão se fundem. Ela foi descoberta pelo cientista belga Joseph Plateau, nascido em 1801. Enquanto fazia sua pesquisa acerca do efeito da luz sobre o olho, fitou o Sol por meio minuto, e aos quarenta anos de idade estava cego. Então, com a ajuda de parentes e colegas, mudou seu interesse para a investigação do formato das bolhas.

Plateau começou por mergulhar estruturas de arame numa mistura para bolhas, examinando as diferentes formas que apareciam. Por exemplo, quando se mergulha uma estrutura de arame em forma de cubo na mistura, obtêm-se treze paredes que se encontram num quadrado no meio (Figura 2.13).

FIGURA 2.13

Só que não é exatamente um quadrado — as arestas sobressaem. À medida que Plateau foi pesquisando as diferentes formas que apareciam em estruturas de arame diferenciadas, ele começou a formular um conjunto de regras sobre como as bolhas se juntam.

A primeira regra era que películas de espuma sempre se juntam em grupos de três num ângulo de 120°. A aresta formada por essas três paredes

chama-se borda de Plateau, em homenagem a ele. A segunda regra tratava da maneira como essas bordas podem se encontrar. As bordas de Plateau se encontram em grupos de quatro, num ângulo de cerca de 109,47° (cos–1 (–

), para ser preciso). Se você pegar um tetraedro e desenhar linhas dos quatro vértices para o centro, obterá a configuração das quatro bordas de Plateau na espuma (Figura 2.14). Assim, as arestas no quadrado saliente no centro da estrutura cúbica de arame efetivamente se encontram a 109,47°.

FIGURA 2.14

Qualquer bolha que não satisfizesse as regras de Plateau era considerada instável, e, portanto, se desmancharia numa configuração estável que satisfizesse as regras. Foi só em 1976 que Jean Taylor, afinal, provou que o formato das bolhas na espuma devia satisfazer as regras estabelecidas por Plateau. Seu trabalho nos diz como as bolhas se conectam. Mas e quanto ao efetivo formato das bolhas na espuma? Como as bolhas são preguiçosas, a maneira de responder é encontrar as formas que englobem uma dada quantidade de ar em cada bolha na espuma, ao mesmo tempo minimizando a área superficial da película de espuma.

Abelhas de mel já descobriram a resposta para o problema em duas dimensões. O motivo de construírem suas colmeias usando hexágonos é que este utiliza a menor quantidade de cera para englobar uma quantidade fixa de mel em cada célula. Todavia, mais uma vez, foi somente uma descoberta muito recente que confirmou o teorema do favo de mel: não há nenhuma outra estrutura bidimensional que possa bater o favo hexagonal em termos de eficiência.

Uma vez que passemos a estruturas tridimensionais, porém, as coisas se tornam menos claras. Em 1887, Lord Kelvin, o famoso físico britânico, sugeriu que uma das bolas de futebol de Arquimedes era a chave para minimizar a área superficial das bolhas. Ele acreditava que, enquanto o hexágono era o bloco construtivo da colmeia eficiente, o octaedro truncado

— uma forma obtida cortando-se as seis pontas de um octaedro comum — era a chave para formar a espuma (Figura 2.15).

FIGURA 2.15

As regras que Plateau desenvolveu relativas a como as bolhas de espuma devem se juntar mostram que arestas e faces não são efetivamente planas, mas curvas. Por exemplo, as arestas de um quadrado se juntam formando 90°, mas, de acordo com a segunda lei de Plateau, isso não é permitido. As arestas de um quadrado de espuma saltam para fora, assim como na estrutura de arame cúbica, e as duas películas de espuma se encontram formando os exigidos 109,47°.

Muitos acreditavam que a estrutura de Kelvin devia ser a resposta para construir bolhas com área superficial mínima, mas ninguém conseguiu provar isso. Em 1993, Denis Weaire e Robert Phelan, na Universidade de Dublin, descobriram duas formas que se juntavam batendo a estrutura de Kelvin em 0,3% (advertência para quem pensa que provar coisas em matemática é perda de tempo).

As formas estavam ausentes da lista de Arquimedes. A primeira é composta de pentágonos irregulares embutidos num dodecaedro distorcido.

A segunda forma é chamada tetracaidecaedro, e consiste em duas faces hexagonais alongadas e doze faces pentagonais irregulares de dois tipos distintos. Weaire e Phelan descobriram que podiam aglutinar esses dois formatos para criar uma espuma mais eficiente que a proposta por Kelvin. E novamente, para satisfazer as regras de Plateau, as arestas e faces precisam ser curvas, não retas. Interessante notar que é bastante difícil entrar na espuma para ver o que está acontecendo realmente, e os formatos foram descobertos graças a experimentos que os dois cientistas fizeram usando computadores para simular espuma.

FIGURA 2.16: Espuma de octaedros truncados.

FIGURA 2.17: Formatos descobertos por Denis Weaire e Robert Phelan.

Será isso o melhor que as bolhas podem fazer? Não sabemos.

Acreditamos que essa é a rede de formatos mais eficiente. Mas, por outro lado, Kelvin também pensava ter encontrado a resposta.

Os projetistas da Arup vinham examinando nevoeiros, icebergs e ondas em busca de formas naturais interessantes que evocassem os esportes do Centro Olímpico de Natação. Quando casualmente depararam com as espumas de Weaire e Phelan, perceberam que aí havia potencial para criar algo nunca antes tentado no mundo da arquitetura. Para criar formas que não tivessem aparência regular demais, resolveram cortar a espuma num determinado ângulo. O que você vê na lateral do Cubo d’Água, nome informal do Centro de Natação, são, na verdade, as formas que as bolhas criariam se você introduzisse na espuma uma lâmina de vidro formando certo ângulo.

FIGURA 2.18: O Centro Olímpico de Natação de Beijing parece ter uma bolha instável na superfície.

Embora a estrutura da Arup pareça bastante aleatória, ela se repete ao longo da edificação, mas ainda dá a sensação orgânica que os arquitetos buscavam. Se você olhar atentamente, porém, há uma bolha que parece não satisfazer as regras de Plateau, pois tem ângulos de 90° no formato, além dos ângulos de 120° e 109,47° exigidos por Plateau. Então o Cubo d’Água é estável? Se fosse realmente feito de bolhas, a resposta seria não. Essa bolha com ângulo reto teria de mudar de formato para satisfazer as regras matemáticas que todas as bolhas devem obedecer. No entanto, as autoridades

da China não precisam se preocupar. O Cubo d’Água vai continuar de pé graças à matemática envolvida na criação de uma estrutura tão bela.

Não apenas a Arup e as autoridades chinesas se interessam pelo formato de montes de bolhas espremidas umas contra as outras. Compreender a configuração da espuma nos ajuda a descobrir o formato de muitas outras estruturas na natureza; por exemplo, a estrutura das células nas plantas, no chocolate, no creme batido e no colarinho de um chope. A espuma é usada para apagar incêndios, proteger a água de vazamentos radiativos e no processamento de minerais. Esteja você interessado em incêndios ou em assegurar-se de que o colarinho do seu chope não suma depressa demais, a resposta reside na compreensão da estrutura matemática da espuma.

No documento Os mistérios dos números (páginas 74-82)