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Comparando trabalhos – a construção dialética da parêmia trabalho igual – salário igual

2. IGUALDADE NA “REALIDADE REALMENTE REAL”

2.5. Comparando trabalhos – a construção dialética da parêmia trabalho igual – salário igual

Já ficou demonstrado que o espaço onde a dialética se faz tecnicamente viável é aquele formatado entre proposições contrárias, onde é possível que uma afirmação e uma negação sobre um determinado sujeito universal sejam concomitantemente falsas. Só aí, e precisamente aí, é possível que tese (afirmação) e antítese (negação) se superem em algo novo e superior, a síntese.

O ponto em que a construção de uma igualdade (real) dialética é possível, então, é do entroncamento das seguintes proposições: “todos os homens são iguais” e “todos os homens são não iguais”.

Já também por diversas vezes neste texto se fez repetir que o mote fundamental da pesquisa é a igualdade salarial, a isonomia de tratamento em termos de remuneração pelo trabalho admitido como igual. Mais propriamente, as premissas poderiam ser assim reescritas: “todos os empregados trabalham de forma igual” e “todos os empregados trabalham de forma não igual”.

Entretanto, esse ainda é ainda um espaço de opostos indeterminados, imprecisos. Os dois últimos subitens foram inteiramente dedicados a provar que: a) convivem na história da filosofia dois sistemas lógicos na forma de pensar – um deles, analítico, que separa, divide e sublima o mundo em conceitos eternos e imutáveis; o outro, dialético, que reúne, contextualiza, e “historiciza” o mundo, pensando-o em suas contradições e seus movimentos de transformação; b) somente a convivência desses dois sistemas nos oferece um conhecimento pleno, real e completo sobre o mundo; e c) que a construção dos opostos em interação dialética é artificial, na medida em que depende de critérios forjados pelo pensador, pelo cientista, sendo esta a porta aberta para a entrada da linguagem e da história na formação e na evolução dos objetos do conhecimento.

Neste último subitem, a missão a que nos dedicamos é a de construir uma oposição determinada e específica para a noção de trabalho igual, a atrair um tratamento jurídico de isonomia193 salarial.

Em outras palavras, o que se quer evidenciar é se é viável, num espaço jurídico- normativo, afirmar que duas pessoas merecem receber do Direito do Trabalho uma resposta igualitária, permeada pelo princípio básico de trabalho igual – salário igual não apenas quando seus trabalhos são idênticos, sob uma matriz de uma igualdade analítica, mas também quando em questão um trabalho semelhante, sob a matriz de uma igualdade dialética e concreta.

Tal tarefa só parece viável se houver espaço para a construção de uma igualdade, por assim dizer, gradativa, não absoluta ou metafísica. Isso desafia o redirecionamento de toda formação da ontologia da igualdade para uma oposição não só do “desigual” ou do “diferente”, mas também para a síntese do “semelhante” ou do “proporcional”.

Em suma, a questão-chave é determinar qual o oposto dialético (determinado e específico) da igualdade de trabalho, em termos de isonomia salarial.

Por certo não será tarefa simples, e nem tampouco suas conclusões serão inumes a críticas. Mas consideramos fundamental fazê-lo.

Um dos autores mais respeitados do Direito do Trabalho, José Martins Catharino, abre o capítulo décimo de seu Tratado Jurídico do Salário falando com precisão dessas que nos parecem ser as razões mais justas e apropriadas para promover uma tal investigação:

Todo o Direito está animado pela idéia de ser necessário tornar a igualdade menos imperfeita e mais efetiva. Com isso não queremos dizer seja finalidade do Direito conseguir uma igualdade mecânica e injustamente niveladora. Longe disto. A igualdade, como regra jurídica fundamental, é essencialmente relativa porque não há igualdade sem que se distingam pessôas e situações diversas.

[...]

Sendo a ideia da igualmente imanente à de justiça, nada mais conseqüente que se projete nos quadros do Direito, o esfôrço para sua concretização. Assim sendo, o problema da igualdade não é somente

193 Neste ponto, estamos empregando a expressão isonomia como sinônimo direto e equivalente de igualdade. Eventuais dissenções entre as expressões são encontradas na doutrina. Não entendemos necessário ainda aqui fazê-lo. Voltaremos a tratar do tema mais adiante, nos itens dedicados à igualdade jurídica.

matéria de especulação filosófica. É, também, uma questão jurídica dinâmica que se reflete nas leis.

[...]

Estamos defronte de um caso típico de controle legal, inspirado no propósito de tornar o salário menos injusto. A consequência imediata da função da lei é a de restringir a liberdade contratual individualmente

considerada em favor da noção objetiva e social da própria liberdade.194

Eis, assim, a hipótese a investigar: o sistema do direito positivo brasileiro, no momento histórico da atualidade, encara o princípio da isonomia salarial, majoritariamente, sob o aspecto da igualdade analítica, ou seja, exige a identidade absoluta no trabalho de duas pessoas para assegurar-lhes tratamento isonômico – salário idêntico. Se a identidade absoluta não existir, o sistema relega os interessados a um vazio normativo, ainda que haja profunda proximidade entre esses trabalhos.

A testar essa hipótese faremos dois ensaios distintos:

Primeiro – uma análise crítica dos principais institutos da legislação que versam sobre a concretização do princípio da isonomia de tratamento salarial.

Segundo – uma pesquisa jurisprudencial com investigação acerca de como se posicionam os Tribunais do Trabalho do nosso país sobre o tratamento isonômico em hipóteses de trabalhos não idênticos.

Se provada tal hipótese, ter-se-á autoridade para trazer a história para dentro do raciocínio, e torna-lo dialético. Ou seja, poderemos reconduzir, de forma concreta e real, a construção de uma oposição para a “igualdade” de trabalho, e construir uma nova dimensão da isonomia par ao Direito do Trabalho.

194 CATHARINO, José Martins. Tratado jurídico do salário. Ed. fac-similada. São Paulo: LTr, 1994, p. 347-348.

3. IGUALDADE PARA O DIREITO E A ISONOMIA SALARIAL

A igualdade para o mundo da “realidade realmente real” – expressão já explicada e referenciada no capítulo antecedente –, já compreendemos, não necessita ser uma igualdade de termos absolutos, de idênticos perfeitos.

Neste capítulo, buscaremos compreender como essa igualdade que vemos no mundo das relações sociais entra para o universo jurídico-normativo. Como a disciplina jurídica define as condições em que dois homens são merecedores de um tratamento salarial isonômico para fins do contrato de trabalho. Em especial, impende entender se, do ponto de vista constitucional, encontram-se disposições apenas para versar sobre a igualdade entre idênticos, do tipo analítica, ou se a inexatidão admitida pela dialética também encontra ressonância no Texto Maior.