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Princípios como parte do sistema do Direito e modalizadores do comportamento

1. PREMISSAS EPISTEMOLÓGICAS

1.2. Princípios de Direito

1.2.2. Princípios como parte do sistema do Direito e modalizadores do comportamento

Posta essa noção de princípios como consolidadores de valores plasmados, por meio do processo democrático, no sistema jurídico, convém agora entender outras duas ponderações importantes, que pretendemos trabalhar paralelamente por estarem imbricadas de modo quase indissociável. A primeira, de que princípios são elementos componentes do sistema jurídico e, a segunda, justamente por serem componentes do sistema, possuem conteúdo normativo, pondo-se a efetivamente regular os comportamentos humanos.

Ensina Paulo Bonavides59 que no início do século XX, autores componentes daquilo que ele chama de “velha hermenêutica”60, julgavam que aos princípios cabia uma função meramente informadora do sistema jurídico-político, funcionando programaticamente, como diretivas genéricas para formulação das normas positivas,

56 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e interpretação constitucional. São Paulo: Celso Bastos Editor: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, 1997, p. 130.

57 Não há, porém, confundi-los. Os valores são parte relevantíssima, cremos, indissociável da realidade dos princípios do sistema jurídico, mas reduzi-los, um a outro, é tanto uma agressão a ambos, quanto um exagero injustificável. O sistema do direito opera na região deontológica, do dever-ser. Os valores estão na base do estudo da axiologia, e operam não pelo dever-ser, mas pelo ser, ontológico.

58 CARVALHO, Augusto Cesar Leite de. Princípios de direito do trabalho sob a perspectiva dos direitos humanos. São Paulo: LTr, 2018, p. 11.

59 BONAVIDES, Paulo, 2008, p. 255 e ss. 60 Ibid., p. 258.

inspirando o legislador; e também como máximas gerais que orientavam a aplicação para o intérprete, ou seja, como dirigentes da interpretação. Aos princípios se relegava uma mera função, por assim dizer, inspiradora: sugere-se ao legislador como legislar e ao intérprete como interpretar. Meras sugestões.

Referido autor cita, por exemplo, F. de Clemente, para quem “princípio de direito é o pensamento diretivo que domina e serve de base à formação das disposições singulares de Direito de uma instituição jurídica, de um Código ou de todo um Direito Positivo”61.

É conhecida entre nós a definição de Celso Antônio Bandeira de Mello para princípios:

[...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.62

Essa definição não é ruim ou imprópria. Parece apenas pouco substanciosa, no esteio daquele paradigma filosófico de superação do positivismo normativista ou exegético, de que se falou a pouco, em que a Moral interpenetra o Direito.

Na medida em que passa ao largo de uma das dimensões mais importantes dos princípios – a normativa, essa primeira fase programática não nos satisfaz.

Um tal papel meramente informativo dos princípios parece também defendido no discurso de José Afonso da Silva quando este versa:

Tais princípios gerais distinguem-se das normas constitucionais de princípio, de um ponto de vista ontológico, pois não constituem normas, como estas últimas, mas princípios induzidos de um conjunto de normas. Que os princípios gerais do Direito (seja do Direito como ordenação jurídica, seja de um ramo particular da ciência jurídica) não são normas, como imperativos, é coisa sobre que a doutrina não controverte.

Há quem os considere como princípios institucionais que funcionam como critérios informadores das leis existentes.63

61 CLEMENTE, F. de. “El método en la aplicación del Derecho Civil”. Revista de Derecho privado, v. IV, n. 37, out., p. 290. In: BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 256.

62 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 450-451.

63 SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 119.

Com todo o respeito que se deve à nobilíssima lição – que aliás guarda profunda coerência interna, na medida em que a doutrina de José Afonso da Silva classifica as normas constitucionais em função de sua eficácia (plena, contida e limitada, basicamente) – parece-nos que a orientação que aparta princípios de normas jurídicas já é, sim, controvertida. A dizer com Bonavides64, aliás, já desde a segunda metade do século XX. Este último autor, ressalte-se, – no capítulo 8 de seu Curso de Direito

Constitucional, especialmente no item 4 – detalha, percucientemente, o processo histórico

por meio do qual os princípios saltam de “válvulas de segurança” (Gordillo Cañas) dos Códigos, com função comezinha de estender a eficácia da lei e colmatar vazios normativos, para um patamar completamente diferente, no bojo das Constituições, de onde não apenas imantam todo o sistema, mas também, e efetivamente, normatizam as relações jurídicas.

A crítica que Bonavides faz ao pensamento juspositivista tradicional, que prestigia a norma sobre tudo, é bastante lúcida: “[...] o juspositivismo, ao fazer dos princípios na ordem constitucional meras pautas programáticas supralegais, tem assinalado, via de regra, a sua carência de normatividade, estabelecendo, portanto, a sua irrelevância jurídica”65.

Necessária, portanto, a superação dessa diretriz que permitiu baixar os princípios de um olimpo normativo, intangível, e por isso mesmo irrelevante na terra dos homens; e conceder-lhes braços e pernas com que operar e caminhar juntamente com as demais normas do sistema.

Em Bobbio veem-se que os argumentos para sustentar que princípios são normas são, basicamente, dois:

[...] se são normas aquelas das quais os princípios gerais são extraídos, através de um procedimento de generalização sucessiva, não se vê por que não devam ser normas também eles: se abstraio de espécies animais obtenho sempre animais, e não flores ou estrelas. Em segundo lugar, a função para a qual são abstraídos e adotados é aquela mesma que é cumprida por todas as normas, isto é, função de regular um caso.66

Ora, se os princípios não “caem do céu”, e são construídos a partir dos mesmos índices prescritivos do sistema, do mesmo suporte físico constantes dos dispositivos

64 BONAVIDES, Paulo, 2008, p. 257 e 259. 65 Ibid., p. 263.

66 BOBBIO, Norberto. Teoria dell’Ordinamento Giuridico, p. 181-182. In: BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 264.

positivados, estamos, então, diante de um problema de lógica formal, de definição do gênero próximo e da diferença específica. Não é lógico ou coerente presumir que de uma caixa de normas outra coisa sairá que não uma norma.

Vezio Crisafulli leciona que “os princípios (gerais) estão para as normas particulares como o mais está para o menos, como o que é anterior e antecedente está para o posterior e o consequente”67.

Carmen Lúcia Antunes Rocha ensina que “a norma que dita um princípio constitucional não se põe à contemplação, como ocorreu em períodos superados do constitucionalismo; põe-se à observância do próprio Poder Público do Estado e de todos os que à sua ordem se submetem e da qual participam”68.

Para Aurora Tomazini de Carvalho:

Com relação à aplicação dos princípios como forma de implementação de lacunas do direito. Parece-nos que, quando se aplica um princípio, não há que se falar em existência de lacuna (considerada aqui como ausência de norma jurídica), pois há, no sistema, uma regra a ser aplicada. O princípio é uma proposição jurídica que pertence ao direito posto, pois construída a partir dos enunciados que compõem seu plano de expressão. Aplicar um princípio, assim, é aplicar uma norma pertencente ao sistema.69

Afinal, “é possível Direito que não seja norma ou desprovido de normatividade, ou, o que é o mesmo, Direito sem juridicidade?”70 Cremos que não, e é com essa retórica que se percebe que os princípios evoluem de simples ratio legis para o patamar lex71, ou seja, deixam de ser inspiração da fabricação e aplicação das leis, para serem leis mesmas. Lourival Vilanova chama de “homogeneidade estrutural”72 a essa característica do direito positivo, que iguala todas normas sob a mesma estrutura lógico-formal. Todas as normas do sistema possuem, no antecedente normativo, uma hipótese fática, ligada,

67 “Per la determinazione del concetto dei principi generali del Diritto”. (CRISAFULLI, Vezio. Studi sui principi Generali dell’Ordinamento Giuridico, p. 240. In: BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 272).

68 ROCHA, Carmen Lucia Antunes, 1994, p. 26. 69 CARVALHO, Aurora Tomazini de, 2016, p. 518. 70 BONAVIDES, Paulo, 2008, p. 270.

71 Ibid., p. 272.

72 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 4. ed. São Paulo: Noeses, 2010, p. 51.

por um modal deôntico, a uma consequência jurídica que, por um vínculo jurídico, conecta os sujeitos da relação jurídica estabelecida no consequente dessa norma.73

Em outras palavras, é dizer que todos os componentes do direito positivo são normas, e por isso estão absorvidas na mesma estrutura sintática.

Decerto que garantir normatividade às aos princípios não é tarefa fácil, especialmente por estarem alocadas maciçamente no âmbito do texto constitucional. José Joaquim Gomes Canotilho diz que:

A complexa articulação da “textura aberta” da constituição com a positividade constitucional [...] não é tarefa fácil, mas se o direito constitucional é direito positivo, se a constituição vale como lei, então as regras e princípios constitucionais devem obter normatividade regulando jurídica e efetivamente as relações da vida (P. Heck), dirigindo as condutas e dando segurança a expectativas de comportamentos (Luhmann).74

Ao notarmos isso, “[...] fica para trás, já de todo anacrônica, a dualidade, ou, mais precisamente, o confronto princípio versus norma, uma vez que pelo novo discurso metodológico a norma é conceitualmente elevada à categoria de gênero, do qual as espécies vêm a ser o princípio e a regra”75.

Essa é a mesma construção é empregada por Ronald Dworkin76, Robert Alexy77, Norberto Bobbio78, José Joaquim Gomes Canotilho79; Humberto Ávila80, Paulo Bonavides81, André Araújo Molina82, Rodney Cláide Bolsoni Elias da Silva83, Walter Claudius Rothenburg84, e tantos outros.

Por todos, em resumo, tomamos a lição de Eros Roberto Grau:

73 Um exemplo: se uma empregada engravidar no curso de seu contrato (hipótese fática, no antecedente normativo), então é obrigação de seu empregador não dispensá-la (senão por justa causa). A hipótese é, sucintamente, a ocorrência da gravidez no curso do contrato de trabalho; o consequente normativo é o estabelecimento de um dever jurídico que obriga (modal deôntico) o empregador (sujeito passivo da relação jurídica) a manter o contrato íntegro e não dispensar sua empregada (sujeito ativo do vínculo obrigacional). 74 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Edições Almedina, 2003, p. 1176.

75 BONAVIDES, Paulo, 2008, p. 276. 76 DWORKIN, Ronald, 2010. 77 ALEXY, Robert, 2009.

78 BOBBIO, Norberto. Teoria dell’Ordinamento Giuridico, p. 181-182. In: BONAVIDES, Paulo, 2008, p. 264.

79 CANOTILHO, José Joaquim Gomes, 2003. 80 ÁVILA, Humberto Bergmann, 2016. 81 BONAVIDES, Paulo, 2008.

82 MOLINA, André Araújo, 2013.

83 SILVA, Rodney Cláide Bolsoni Elias da, 2006. 84 ROTHENBURG, Walter Claudius, 2003.

Pois bem, quanto aos princípios positivos do Direito, evidentemente reproduzem a estrutura peculiar das normas jurídicas. Quem o contestasse, forçosamente teria de admitir, tomando-se a Constituição, que nela divisa enunciados que não são normas jurídicas. Assim, p. ex., quem o fizesse haveria de admitir que o art. 5º, caput, da Constituição de 1988 não enuncia norma jurídica ao afirmar que “todos são iguais perante a lei [...]”.

Isso, no entanto, é insustentável, visto que temos aí, nitidamente – tal como nos arts. 1º, 2º, 17, 18, 37, v.g. – autênticas espécies de norma jurídica. Ainda que a generalidade dos princípios seja diversa da generalidade das regras, tal como o demonstra Jean Boulanger, os primeiros portam em si o pressuposto de fato (Tatbestand, hipótese,

facti species), suficiente à sua caracterização como norma. Apenas o

portam de modo a enunciar uma série indeterminada de facti species. Quanto à estatuição (Rechtsfolge), neles também comparece, embora de modo implícito, no extremo completável com outra ou outras normas jurídicas, tal como ocorre em relação a inúmeras normas jurídicas incompletas. Estas são aquelas que apenas explicitam ou o suposto de fato ou a estatuição de outras normas, não obstante configurando norma jurídica na medida em que, como anota Larenz, existem em conexão com outras normas jurídicas, participando do sentido da validade delas.85

Em resumo, normas jurídicas são um grande gênero do sistema do Direito, conceituáveis, também de modo sucinto, como descrições de comportamentos ou situações hipotéticas, para as quais o sistema prevê consequências obrigatórias, permitidas ou proibidas, e que enlaçam sujeitos de direitos em relações jurídicas em torno dessas consequências.

As normas são divisíveis, basicamente, duas espécies distintas – princípios e regras.

1.2.2.1.Densidade normativa dos princípios

Em que pese sejam, princípios e regras, ambos espécies normativas e componentes do mesmo sistema do direito, há inegáveis diferença entre eles.

Antes, porém, convém introduzir um conceito importante, que nos servirá para entender melhor essas diferenças mais adiante, o de densidade normativa.

A lição nos vem de José Joaquim Gomes Canotilho:

85 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988 – interpretação e crítica. São Paulo, RT, 1990; 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 125. In: BONAVIDES, Paulo, 2008, p. 295. Por lealdade ao leitor, convém manter esta citação em nível indireto, pois, apesar de termos tido à obra citada em versão posterior – 13. ed. – nesta não localizamos o trecho mencionado por Paulo Bonavides, possivelmente por se tratar de edição mais antiga.

Dizer quais as «normas constitucionais abertas» e quais as «normas constitucionais densas» não é uma tarefa susceptível de ser a esquemas fixos e totalizantes. Como tendência, assinala-se a abertura normas constitucionais em assuntos: (l) sobre os quais há um consenso geral; (2) em relação aos quais é necessário criar um espaço de conformação política; (3) em relação aos quais podem ser justificadas medidas correctivas ou adaptadoras.

A densidade da norma constitucional impõe-se: (l) quando há necessidade de tomar decisões inequívocas em relação a certas controvérsias; (2) quando se trata de definir e identificar os princípios identificadores da ordem social; (3) quando a concretização constitucional imponha, desde logo, a conveniência de normas constitucionais densas (G.Schmid).86

Dessa construção, uma nota bastante expressiva se destaca: as normas jurídicas não possuem, todas, a mesma potência regulamentar. Não incidem sobre a realidade da vida social com a mesma força de concretização.

Esta diferença de potência regulamentar, ou densidade normativa – não só para repetir Canotilho, mas para escapar intencionalmente à expressão hierarquia87 – encontra- se também na doutrina de Humberto Ávila:

[...] a homogeneidade conceitual mínima não pode esconder a heterogeneidade eficacial dos princípios constitucionais – há princípios que se ombreiam com outros, assim como a princípios que fundam e instrumentalizam a eficácia de outros; há princípios cuja eficácia é gradual e móvel, assim como há princípios cuja eficácia é estrutural e imóvel e que não podem ter o seu afastamento compensado com a promoção de outro princípio. Os princípios constitucionais não formam, portanto, uma massa homogênea ou um bloco monolítico.88

Resta que o legislador e o aplicador da lei estão vinculados pelos preceitos principiais em diferentes graus de intensidade89. Há uns mais rígidos, que inadmitem flexibilização aguda de seus termos quando em confronto com outros. Sua incisividade sobre as situações da vida a ser regulada é mais pungente. Outros, porém, admitem maior elasticidade, por serem menos densos.

José Joaquim Gomes Canotilho propõe, deste partir, uma espécie de classificação, que convém reproduzir.

86 CANOTILHO, José Joaquim Gomes, 2003, p. 1181.

87 Não se trata de hierarquia entre as normas, afinal, como bem leciona José Joaquim Gomes Canotilho, “[...] as normas contidas numa constituição formal tem igual dignidade (não há normas só formais, nem hierarquia de supra-infra-ordenação dentro da lei constitucional”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes, 2003, p. 1183.

88 ÁVILA, Humberto, 2016, p. 157. 89 GRAU, Eros Roberto, 2008, p. 359-360.

Não se trata, contudo, de uma classificação hierárquica, ou baseada na prevalência ou sujeição de uma norma sobre a outra; em que pese a ilustração proposta pelo constitucionalista português se dê na forma de uma pirâmide. Antes, está baseada em um critério de derivação legitimativa e aproximação com a realidade factual, de modo que as normas superiores fundamentam a validade das inferiores, e estas especificam cada vez mais os objetivos e valores daquelas, na proporção direta com que se aproximam da realidade social. Vejamos:

A articulação de princípios e regras, de diferentes tipos e características, iluminará a compreensão da constituição como um sistema interno assente em princípios estruturantes fundamentais que, por sua vez, assentam em subprincípios e regras constitucionais concretizadores desses mesmos princípios. Quer dizer: a constituição é formada por regras e princípios de diferente grau de concretização (= diferente densidade semântica).

Existem, em primeiro lugar, certos princípios designados por princípios estruturantes, constitutivos e indicativos das ideias directivas básicas de toda a ordem constitucional. São, por assim dizer, as traves-mestras jurídico-constitucionais do estatuto jurídico do político. Na ordem constitucional portuguesa considerar-se-ão (a título indicativo sem pretensões de exaustividade) como princípios estruturantes:

- o princípio do Estado de direito (arts. 2.° e 9.°); - o princípio democrático (arts. 1.º, 2.º, 3.º/1 e 10.º); - o princípio republicano (arts. 1.º, 2.º, 11.º e 228.º/b).

Estes princípios ganham concretização através de outros princípios (ou subprincípíos) que «densificam» os princípios estruturantes, iluminando o seu sentido jurídico-constitucional e político- constitucional, formando, ao mesmo tempo, com eles, um sistema interno (a uma «união perfeita» alude Larenz). Assim, por exemplo, o princípio do Estado de Direito é «densificado» através de uma série de subprincípios: o princípio da constitucionalidade (cfr. art. 3.°/3), o princípio de legalidade da administração (cfr., por ex., art. 112.°/7 e 8), o princípio da vinculação do legislador aos direitos fundamentais (cfr. art. 18.°), o princípio da independência dos Tribunais (art. 203.°). Estes princípios gerais fundamentais podem, por sua vez, densificar-se ou concretizar-se ainda mais através de outros princípios constitucionais especiais. Por exemplo, o princípio da legalidade da administração é «concretizado» pelo princípio da preeminência ou prevalência da lei e pelo princípio da reserva de lei (cfr. art. 112.°/6 e 7); o princípio da vinculação do legislador aos direitos fundamentais é «densificado» por outros princípios especiais tais como o princípio da proibição do excesso (cfr. art. 18.°/2) e o princípio da não-retroactividade de leis restritivas (cfr. art. 18.°/3). O mesmo acontece com o princípio democrático. Como princípios constitucionais gerais densificadores podem apontar-se o princípio da soberania popular (arts. 1.° e 3.°/1), o princípio do sufrágio universal (art. 10.°), o princípio da participação democrática dos cidadãos (art. 9. °/c), o princípio da separação e interdependência dos órgãos de soberania (art. 111.°). Estes princípios

são ainda susceptíveis de «densificações» especiais: o princípio democrático do sufrágio é concretizado pelos princípios da liberdade de propaganda, igualdade de oportunidades e imparcialidade nas campanhas eleitorais (cfr. art. 113.°/3); o princípio da soberania da vontade popular densifica-se através do princípio de renovação dos titulares de cargos políticos (cfr. art. 118.°); o princípio da separação e interdependência «concretiza-se» através do princípio da tipicidade dos órgãos de soberania e pelo princípio da reserva constitucional no que respeita à formação, composição, competência e funcionamento dos mesmos órgãos (art. 110.°). Finalmente, o princípio republicano ganha densidade através de outros subprincípios como, por ex., o princípio de não-vitaliciedade dos cargos políticos (art. 118.°) e o princípio da igualdade civil e política (art. 13.°).

Os princípios estruturantes não são apenas densificados por princípios constitucionais gerais ou especiais. A sua concretização é feita também por várias regras constitucionais, qualquer que seja a sua natureza. Assim, as normas garantidoras do direito de recurso contencioso contra certos actos da administração (art. 268.°/4 e 5) constituem uma concretização do princípio geral da legalidade da administração e do princípio especial da prevalência da lei e do princípio estruturante do Estado de Direito. As normas reconhecedoras de direitos económicos, sociais e culturais, densificam o princípio da socialidade que, por sua vez, concretiza o princípio democrático na sua dimensão de democracia económica, social e política.

Os princípios estruturantes → princípios constitucionais gerais → princípios constitucionais especiais → regras constitucionais, constituem um sistema interno, cuja ilustração gráfica se poderá apresentar da forma seguinte:

Princípios estruturantes

Princípios constitucionais gerais

Princípios constitucionais especiais

Regras constitucionais

Este esquema não se desenvolve apenas numa direcção, de cima para baixo, ou seja, dos princípios mais abertos para os princípios e normas mais densas, ou de baixo para cima, do concreto para o abstracto. A formação do sistema interno consegue-se mediante um processo bi- unívoco de «esclarecimento recíproco» (Larenz). Os princípios estruturantes ganham densidade e transparência através das suas concretizações (em princípios gerais, princípios especiais ou regras), e estas formam com os primeiros uma unidade material (unidade da

Constituição). Todos estes princípios e regras poderão ainda obter