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1.   FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 8

1.2   Panorama das mudanças ocorridas com relação ao papel da gramática 18

1.2.3   Abordagens com foco na comunicação 29

1.2.3.1   Competência comunicativa 29

Um dos precursores dessa competência foi o pesquisador Henry Widdowson. Em 1978, o autor definiu o objetivo da aprendizagem de uma língua como sendo a aquisição da habilidade comunicativa, ou seja, a habilidade de usar e interpretar sentidos na comunicação real, não apenas a aprendizagem de regras gramaticais e estruturas. Littlewood (1981) também destaca a importância das oportunidades de participação em situações comunicativas, tendo como foco primário o significado, de modo que o aprendiz não seja pressionado a considerar apenas a forma.

A importância do uso significativo da língua também é ressaltada por Canale (1983), que enfatiza a necessidade do aprendiz de uma segunda língua participar de interações que sejam comunicativas e expressivas. O foco no sentido e no significado também é salientado na definição de Almeida Filho (2005, p. 36): métodos comunicativos têm em comum uma

primeira característica – o foco no sentido, no significado e na interação propositada entre sujeitos na língua estrangeira.

Uma das teorias mais influentes nessa área foi a da competência comunicativa proposta por Hymes, 1972. Segundo o autor, competência é o termo mais geral das capacidades de uma pessoa. Competência é dependente de ambos conhecimento (tácito) e

(habilidade para) uso. Conhecimento é distinto, portanto, tanto da competência (como sua

parte) quanto da possibilidade sistêmica (com a qual sua relação é uma questão empírica)28

(p. 282).

Hymes foi o primeiro a incorporar a dimensão social ao conceito de competência. Ao cunhar o termo competência comunicativa, uniu as noções que eram opostas em Chomsky (1965): competência e desempenho. Widdowson (1989, p. 129) esclarece que, para Chomsky,

competência é o conhecimento de algo mais abstrato que a língua: é o conhecimento dos sistemas de regras, dos parâmetros ou princípios, configurações na mente para as quais a

língua serve como evidência.29 Widdowson argumenta que, na visão de Chomsky,

competência é conhecimento gramatical e não está relacionada à habilidade. Por outro lado, para Hymes, competência é a habilidade de usar a língua. Assim, o conhecimento gramatical é visto como recurso e não como configuração abstrata cognitiva.

Com o intuito de acrescentar a questão do léxico à discussão iniciada com a proposta de Hymes, Widdowson (1989) salienta que a competência comunicativa foi proposta em oposição ao conceito de competência gramatical, com o intuito de diminuir a ênfase na gramática e permitir que o léxico também fosse considerado. Para o autor, o estudo das línguas não deve ser centralizado no estudo da gramática pois, embora existam regras de uso, essas são inúteis quando o contexto e as condições para o uso não são compreendidos.

Julgamos pertinente a preocupação do autor, visto que o ensino de línguas não pode centralizar-se apenas no estudo das estruturas linguísticas. O léxico é um aspecto fundamental que também deve ser enfatizado. No entanto, acreditamos que a afirmação do autor de que a

gramática deve ser colocada em seu lugar30 pode ter contribuído para uma postura de quase

abandono de qualquer foco na forma. Sabemos que a comunicação, a interação e a negociação de sentido devem ser enfatizadas no processo de ensino-aprendizagem de línguas que se julga

28 No original: Competence is dependent upon both (tacit) knowledge and (ability for) use. Knowledge is distinct,

then, both from competence (as its part) and from systemic possibility (to which its relation is an empirical matter).

29

No original:For Chomsky, competence is the knowledge of something much more abstract than language: it is the knowledge of systems of rules, of parameters or principles, configurations in the mind for which language simply serves as evidence.

comunicativo. Ao reconhecer que gramática não está apenas relacionada com a forma, mas também com o sentido e o uso, conforme assevera Larsen-Freeman (2001), percebemos que é possível focar na forma e na comunicação. Essa afirmação e as maneiras pelas quais essa combinação pode ocorrer serão discutidas no item 1.2.4 deste capítulo.

Essa asserção de Widdowson pode ter sido compreendida equivocadamente por alguns estudiosos, o que os levou a adotar postura mais radical e a abandonar qualquer foco na gramática, visando apenas à comunicação. Batstone (1994) discute que a tendência é que a aprendizagem ocorra do léxico para a gramática. Segundo ele, os alunos não aprendem gramática da noite para o dia, eles mudam gradualmente de palavras para gramática31. No entanto, o autor advoga a favor da integração do léxico e da gramática por meio da gramaticização (grammaticization). Nessa prática (que será detalhada no item 1.2.6.1.2), os alunos têm a possibilidade de fazer escolhas, ou seja, são responsáveis pela seleção dos elementos linguísticos. Além disso, eles estão envolvidos com negociação de sentido.

Retomando a discussão acerca da competência comunicativa, Savignon (1976, p. 5) aponta:

Competência comunicativa não é um método. É uma maneira de descrever o que um falante nativo sabe que permite que ele interaja eficazmente com outros falantes nativos. Esse tipo de interação é, por definição, espontânea, ou seja, não é ensaiada. Requer muito mais do que o conhecimento do código linguístico. O falante nativo sabe não apenas como dizer algo, mas o que dizer e quando dizer. 32

Observamos que a definição da autora é pautada na interação espontânea entre nativos, ou seja, na comunicação real. Ela salienta três aspectos fundamentais da competência comunicativa: como, o quê e quando dizer. Nesse sentido, é preciso atentar à forma (como), ao significado (o quê) e ao uso (quando), conforme também recomendado por Larsen- Freeman (2001).

Com o desenvolvimento da área de Linguística Aplicada e de pesquisas envolvendo o conceito da competência comunicativa, alguns modelos foram propostos, e talvez o mais conhecido e utilizado seja o de Canale e Swain (1980), ampliado por Canale em 1983. É importante ressaltar que o objetivo dos autores não foi a criação de um modelo, mas a apresentação de um arcabouço teórico voltado para a área de ensino-aprendizagem de línguas.

31 No original: Instead, they appear to shift gradually from words to grammar. (p. 104) 32

Communicative competence is not a method. It is a way of describing what it is a native speaker knows which enables him to interact effectively with other native speakers. This kind of interaction is, by definition, spontaneous, i.e. unrehearsed. It requires much more than a knowledge of the linguistic code. The native speaker knows not only how to say something but what to say and when to say it.

Pautando-nos em Canale (1983) e Savignon (2001), procuramos organizar os conceitos das quatro competências mencionadas. A gramatical está relacionada ao domínio das formas linguísticas, das regras e estruturas da línguas. A competência discursiva privilegia o cuidado com a coesão e coerência, de modo que o usuário precisa combinar forma e sentido para estruturar um texto falado ou escrito, adequado aos diferentes gêneros. Na competência sociolinguística, o foco está no uso apropriado da língua em diferentes contextos e envolvendo diversos aspectos, como o estilo ou o papel dos participantes, o propósito, as normas e convenções da interação. A competência estratégica é composta de estratégias verbais e não verbais que podem ser usadas quando há uma falha na comunicação, como o esquecimento de uma ideia ou aspecto linguístico, ou até mesmo por alguma falha em outras áreas da competência comunicativa

Julgamos que, para o escopo da competência comunicativa, a proposta de abranger as quatro competências que a compõem seja bastante pertinente. No entanto, cabe ressaltar que na perspectiva de gramática como habilidade defendida por Larsen-Freeman (2003), a gramática não é uma única competência (embora a autora não use essa terminologia), mas engloba todas as outras, uma vez que não está relacionada apenas às regras linguísticas, mas também ao sentido e ao uso, ou seja, quando (e quanto) a forma está apropriada a determinado contexto.