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1.   FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 8

1.2   Panorama das mudanças ocorridas com relação ao papel da gramática 18

1.2.5   Propostas de foco na forma 38

No escopo do modelo de foco na forma, Nassaji e Fotos (2011) apresentam seis opções cuja proposta é integrar instrução gramatical e comunicação, sendo elas: instrução processual, realce textual, ensino de gramática baseado no discurso, feedback interacional, tarefas com foco na gramática e tarefas de produção colaborativas42. Julgamos que cada uma dessas propostas estimula diferentes aspectos do ensino-aprendizagem de gramática, como

noticing, insumo, interação e prática significativa, de modo que o foco na forma pode ser

significativamente trabalhado. No próximos subitens, apresentaremos suscintamente cada um desses modelos. Estamos cientes de que essas propostas de foco na forma foram planejadas e estudadas por diversos pesquisadores da área de ensino-aprendizagem de línguas. No entanto, por uma questão organizacional, nos pautaremos na discussão feita por Nassaji e Fotos (2011).

A base do modelo de Instrução Processual sugerido por VanPattern (2002) é como os alunos interpretam e processam input para o significado. De acordo com Nassaji e Fotos (2011), essa proposta é fundamentada no papel do input como essencial para aprendizagem de língua, de modo que os alunos podem aprender gramática mais eficazmente se estiverem envolvidos com ambientes ricos em input. É importante ressaltar que os autores, pautados em VanPattern (1996), definem input como uma amostra de linguagem à qual os aprendizes

estão expostos e a qual tentam processar para fazer sentido43. (NASSAJI; FOTOS, 2011, p.

20)

41No original: Since our motivation is driven by pedagogical considerations, we conceive of FonF as a series of

methodological options that, while adhering to the principles of communicative language teaching, attempt to maintain a focus on linguistic forms in various ways. Such a focus can be attained explicitly and implicitly, deductively or inductively, with or without prior planning, and integratively or sequentially.

42Nossa tradução para os seguintes termos: processing instruction, textual enhancement, discourse-based

grammar teaching, interactional feedback, grammar-focused tasks, collaborative output tasks.

Nessa proposta, a instrução explícita é combinada com atividades de processamento do insumo que auxiliam o aprendiz a estabelecer relações entre forma e sentido, conforme observamos na ilustração abaixo:

Figura 1. Instrução processual

Fonte: NASSAJI e FOTOS, 2011, p. 33

Nassaji e Fotos (2011) ressaltam que o termo chave desse modelo é “processamento”. Para VanPatten, processamento está relacionado com a construção do sentido por meio do

input, enquanto percepção é o registro dos sinais acústicos daquilo que o aprendiz ouve. Já o noticing refere-se ao registro consciente das formas, sendo que:

Ambos percepção e noticing podem ocorrer antes ou sem relacionar qualquer sentido a uma forma específica. No entanto, processamento envolve ambos, percepção e noticing, bem como relacionar sentido à forma.

Intake refere-se à parte do insumo que o aprendiz notou e guardou em sua

memória para processamento. Assim, intake é o que se torna a base da aprendizagem de língua. É o intake que se torna internalizado e incorporado à língua do aprendiz (NASSAJI e FOTOS, 2011, p. 21).

Assim, para VanPatten (2002), quando o aprendiz está exposto ao input, pode haver uma percepção da língua-alvo, seguida de um registro consciente, que seria o noticing. Para o autor, o ponto chave é a fase seguinte, ou seja, como o aprendiz vai processar esses registros buscando estabelecer relação entre forma e sentido. Esse processamento do insumo será o

intake, ou aquisição, isto é, aquilo que será internalizado pelo aprendiz. Compreendemos que

a proposta de VanPatten está associada ao modelo sugerido por Batstone de noticing as skill. No entanto, na instrução processual, há uma breve explanação explícita sobre determinado tópico gramatical que é seguida de atividades com foco no processamento do insumo para que tal explicação faça sentido aos aprendizes. Já no modelo de Batstone, o noticing pode ser mais

ou menos guiado pelo professor, sendo implícito ou explícito, mas é por meio das atividades feitas que os alunos conseguem compreender e formular as regras e não o oposto, conforme será detalhado no item 1.2.6.1.1.

Com base no exemplo a seguir, de Nassaji e Fotos, percebemos as diferenças da instrução processual para o noticing as skill de Batstone (1994). Segundo os autores, pautados no modelo de processamento de input, os alunos podem apresentar dificuldades para usar o “s” ao formar o plural em inglês, devido ao não processamento desse aspecto linguístico presente no insumo, já que uma frase como “He has two cars” pode ser redundante em termos de marcação de plural para os aprendizes. Além disso, eles podem compreender o sentido da mesma, sem atentar ao plural. Tendo essa dificuldade em mente, o professor pode fornecer explicações explícitas sobre a formação do plural em LI, chamando atenção deles para o fato desse elemento ser comumente ignorado por aprendizes. Na sequência, o professor trabalharia com atividades de processamento de input visando a auxiliar os alunos a processar a forma e o sentido do “s”.

Portanto, o foco dessa proposta é a associação forma e significado por meio do trabalho com insumo, oferecendo instrução explícita aos alunos. Por outro lado, de acordo com a sugestão de Batstone, nas atividades de noticing as skill, os aprendizes precisam refletir sobre aquilo a que estão sendo expostos para que sejam capazes de formular e entender o funcionamento de determinada estrutura gramatical.

Instrução processual assemelha-se à proposta de Batstone (1994) de structure by the

learner. De acordo com o autor, após notar determinado aspecto gramatical, os aprendizes

precisam trabalhar com esse elemento, testando suas hipóteses sobre o funcionamento da língua. Esse processo é denominado estruturação ou restruturação. O autor assevera que é preciso envolver os alunos em atividades de manipulação da linguagem; assim, nas atividades de estruturação pelo aprendiz, ele age em regras e princípios gramaticais que são foco do ensino de gramática como produto. Isso significa que o aprendiz não está apenas ativo, mas

ativamente envolvido44. (BATSTONE, 1994, p. 61)

Nassaji e Fotos (op. cit) apontam que uma das limitações do modelo apresentado por VanPatten é que a instrução processada pode ocorrer apenas para os conteúdos gramaticais que apresentam uma relação direta entre forma e sentido. Outro ponto é que a proposta não envolve produção dos alunos, apesar do autor enfatizar que o foco no input não exclui a importância do output.

Outro modelo que também valoriza o insumo é o “realce textual”. O objetivo é chamar atenção dos aprendizes para aspectos linguísticos destacando alguns elementos do insumo, como grifando partes de um texto ou repetindo trechos do insumo oral. A ideia é que tais destaques deixem as formas gramaticais mais notáveis e, consequentemente, possíveis de serem aprendidas.

Figura 2. Realce textual

Fonte: NASSAJI e FOTOS, 2011, p. 46

Uma das maneiras de focar determinado aspecto do insumo ao qual os aprendizes estão expostos é o chamado “input flood”, que poderia ser traduzido como abundância de insumo. Nessa proposta, a forma-alvo é destacada em vários exemplos orais e escritos. Nassaji e Fotos descrevem essa prática como um método implícito de foco na forma, já que o aluno é exposto a uma ampla ocorrência da forma em questão e não há intervenção direta.

Segundo Nassaji e Fotos (2011), embora as atividades de realce textual possam promover o noticing, elas podem não levar à aprendizagem. Por essa razão, elas precisam ser combinadas com práticas de produção e feedback. Os autores mencionam o alerta de Batstone (1994) de que os aprendizes precisam manipular a gramática, testando suas hipóteses sobre seu funcionamento, para aprender de maneira eficaz.

No modelo de ensino de gramática baseado no discurso, segundo Nassaji e Fotos (2011), há foco triplo: forma, sentido e uso. Além disso, diferentemente das abordagens tradicionais que focavam a gramática per se, nessa prática, o ensino de gramática é pautado no contexto. Levando em consideração a premissa de que é preciso reconhecer que uma

função essencial da gramática é seu sentido pragmático no contexto45 (p. 49), essa prática não foca a gramática isoladamente ou no nível da frase, mas visa a trabalhar com a forma no nível do discurso. Apresentamos, a seguir, duas ilustrações desse modelo:

Figura 3. Ensino de gramática baseado no discurso (exemplo 1)

Fonte: NASSAJI e FOTOS, 2011, p. 60

Figura 4. Ensino de gramática baseado no discurso (exemplo 2)

Fonte: NASSAJI e FOTOS, 2011, p. 62

Julgamos que a proposta de ensino de gramática baseada no discurso está em consonância com o modelo de ensino de gramática como habilidade. Em ambos, a gramática

é vista não apenas em termos de regras, mas de sentido e de uso pragmático da forma. Além disso, a gramática é trabalhada de maneira contextualizada. Nassaji e Fotos argumentam que a produção no nível do discurso pode amparar a instrução implícita e explícita, bem como estimular a conscientização das formas linguísticas. É justamente nesse sentido que o ensino de gramática como habilidade pode relacionar essas áreas de aprendizagem, promovendo o

noticing, a prática comunicativa e a reflexão. Esse modelo parece unir as propostas

apresentadas neste item, como instrução processual, realce textual e ensino baseado no discurso, além dos outros que serão discutidos a seguir.

No modelo de Feedback interacional, há a valorização da interação negociada como essencial para a aquisição de uma língua. De acordo com seus proponentes (PICA, 1994; GASS, 2003), é na interação e por meio da negociação que os aprendizes conseguem se comunicar e receber feedback da sua produção. Portanto, nessa proposta, os aprendizes focam na forma por meio de feedback ofertado durante práticas comunicativas. Os autores discutem diversas maneiras de feedback, como recasts, pedidos de esclarecimento, repetição, feedback metalinguístico, entre outros.

Nas figuras abaixo, ilustramos feedback interacional por meio de recast (figura 5) e feedback metalinguístico (figura 6):

Figura 5. Recast

Fonte: NASSAJI e FOTOS, 2011, p. 74

Figura 6. Feedback metalinguístico

Nassaji e Fotos ressaltam que, na proposta de feedback interacional, o foco está em atividades de interação, como apresentações, discussões, entre outros. Assim, os aprendizes estão envolvidos nessas atividades, cabendo ao professor chamar a atenção deles para os erros cometidos, o que pode ser feito por diversos modos, conforme apresentado anteriormente. Os autores argumentam que a proposta de feedback interacional pode apresentar resultados mais positivos se combinada com outros modelos de foco na forma, uma vez que a aprendizagem de línguas caracteriza-se como um processo complexo e gradual.

É importante apontar que as propostas de feedback sugeridas por Larsen-Freeman (2003), bem como a relevância dessa etapa no processo de ensino-aprendizagem de gramática, serão discutidos no item 1.2.6.1.3.

O modelo denominado “tarefas focadas na gramática”46 , também chamado de atividades de conscientização (consciousness-raising tasks), sugere o trabalho implícito ou explícito com a gramática por meio de tarefas. Nassaji e Fotos (op. cit.) nos lembram que o ensino baseado em tarefas tem focado, tradicionalmente, no sentido e não na forma, sendo que o objetivo é comunicar determinada mensagem. No entanto, conforme discutido por Batstone, no ensino de gramática como processo, estudiosos da área concordam que o foco exclusivo na comunicação pode ser problemático, ressaltando que as atividades de conscientização não precisam substituir as tarefas comunicativas, mas complementá-las.

Ellis (2003 apud NASSAJI e FOTOS, 2011) distingue tarefas comunicativas focadas e não focadas. As primeiras enfocam determinado aspecto gramatical, direcionando a atenção dos aprendizes para tal forma. Por outro lado, as tarefas não focadas envolvem sentido e não visam a trabalhar com a gramática. Na ilustração abaixo, observamos uma tarefa focada na gramática:

Figura 7. Tarefas focadas na gramática

Fonte: NASSAJI e FOTOS, 2011, p. 97

Julgamos que essa proposta esteja em consonância com a proposta de noticing as skill (BATSTONE, 1994), conforme discutido no item 1.2.6.1.1. Em ambos os modelos, há a valorização da reflexão sobre a língua. Estamos cientes de que há gradações nessas propostas, mas elas convergem na ideia de que o aprendiz precisa notar determinado aspecto da língua e refletir sobre o seu funcionamento.

Outra proposta de foco na forma é o modelo de “Tarefas colaborativas de produção “, que referem-se à atividades que estimulam a produção do aluno por meio da reflexão sobre a acuidade no uso da língua, de acordo com a seguinte definição: Esse método baseia-se no

pressuposto de que, durante atividades colaborativas de produção, os aprendizes recebem ajuda coletiva e apoio guiado como resultado da interação entre eles visando a solucionar

problemas linguísticos e produzir com acuidade47 (NASSAJI e FOTOS, 2011, p. 103).

Há diversas sugestões de produções colaborativas. Dentre elas, uma das mais conhecidas é a dictogloss, conforme ilustramos a seguir:

47No original: This method rests on the assumption that, during collaborative output activities, learners get

collective help and guided support as a result of interacting with each other in order to solve linguistic problems and produce output accurately.

Figura 8. Tarefas colaborativas de produção

Fonte: NASSAJI e FOTOS, 2011, p. 113

Nassaji e Fotos ponderam que tais tarefas têm demonstrado efeitos positivos na acuidade gramatical, visto que por meio da produção colaborativa os aprendizes têm a oportunidade de construir sentido coletivamente, desenvolvendo não apenas habilidades linguísticas, mas também de solução de problemas. Nessas atividades, os aprendizes têm a oportunidade de negociar forma e sentido, além de receberem feedback.

Em nossa compreensão, as propostas contemporâneas de foco na forma apresentadas neste capítulo são norteadas pelos princípios do ensino de gramática como habilidade: forma e comunicação devem estar integradas. Julgamos que esses modelos convergem com as teorias de Batstone (1994) e Larsen-Freeman (2003) na medida em que destacam o papel do

noticing e da prática significativa.

Nos próximos subitens, detalharemos a importância dessas fases no ensino- aprendizagem de gramática. Porém, antes de atentarmos a essas etapas, passaremos para a discussão dos modelos que tomam como elementos cruciais noticing e prática significativa para o ensino de gramática como habilidade.