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1.   FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 8

1.2   Panorama das mudanças ocorridas com relação ao papel da gramática 18

1.2.6   Ensino de gramática como habilidade 47

1.2.6.1   As três fases dos modelos de ensino de gramática como habilidade 51

1.2.6.1.3   Prática significativa e Feedback 59

Em consonância com a proposta de Batstone (1994), Larsen-Freeman (2003) sugere que forma e comunicação estejam integradas. A autora também argumenta que os aprendizes precisam “notar” a língua, praticá-la significativamente e receber feedback referente às suas produções. Conforme mencionado anteriormente, a autora defende a dinamicidade da gramática e seu caráter tridimensional, ou seja, a gramática está relacionada à forma, ao sentido e ao uso.

Para que a gramática seja dinamicamente desenvolvida, ou seja, para que grammaring seja estimulada, três etapas precisam ser levadas em consideração: conscientização, prática e feedback (consciousness-raising, practice e feedback). A primeira fase está relacionada ao processo de despertar a consciência dos alunos para os elementos gramaticais. Larsen- Freeman pondera que conscientização é um termo amplo e pode referir-se a um contínuo no qual os aprendizes podem estar apenas expostos aos aspectos gramaticais até práticas que enfatizam a explicação explícita das regras.

Devido à abrangência dessa etapa, pesquisadores têm investigado diferentes tipos de práticas, tais como, noticing, atividades de conscientização, processamento de insumo, diálogos colaborativos, conversações instrucionais ou prolepses, e diálogos comunitários de aprendizagem de língua62. Neste trabalho, focamos nas características do noticing e

62Termos em inglês: promoting noticing, consciousness-raising tasks, input processing, collaborative dialogues,

instructional conversations or prolepsis and community language learning dialogues. É importante esclarecer que estamos nos embasando em Larsen-Freeman (2003) para apresentarmos brevemente essas propostas de noticing. Julgamos não ser necessário retomar o noticing e o processamento de insumo visto que eles já foram discutidos neste trabalho. Portanto, focaremos nos outros modelos. De acordo com Larsen-Freeman (2003), citando Fotos e Ellis (1991), atividades de conscientização propõem a articulação explícita das regras. Os aprendizes trabalham em grupos para tentar solucionar problemas envolvendo a gramática da língua alvo. Já os diálogos colaborativos têm o objetivo de promover a atenção do aluno à forma por meio da interação. É durante a produção (output) colaborativa, ou seja, usando a língua alvo, que os alunos percebem as lacunas entre o que eles querem dizer e aquilo que conseguem dizer. Nas conversações instrucionais ou prolepses, professor e alunos interagem para que os aprendizes consigam completar determinada atividade, sendo guiados pelo professor. O professor não fornece a resposta pronta ao aluno, mas o guia a fim de solucionar a atividade sugerida. Os diálogos comunitários de aprendizagem de língua são baseados no método chamado Aprendizagem de Língua Comunitária (Community Language Learning), cujo princípio fundamental incide no fato de que o aluno precisa sentir-se seguro para aprender uma língua. Nesses diálogos, os próprios alunos escolhem o que querem aprender sobre a língua alvo. Eles usam a L1 para se comunicar e o que dizem é traduzido para a L-alvo. Essa conversa é gravada e transcrita. Os alunos são convidados a refletir sobre o diálogo transcrito, focando na relação entre forma e sentido.

conscientização pela representatividade e relevância desses modelos em termos de pesquisa e prática na área de ensino-aprendizagem, conforme discutido anteriormente.

Larsen-Freeman (2003) afirma que tanto a instrução implícita quanto a explícita são necessárias aos aprendizes e cita MacWhinney (1997, p. 278) para expressar seu ponto de vista: fornecer aos aprendizes instrução explícita em conjunto com exposição implícita

padrão parece ser uma proposição sem perdas63. Ela defende, em vários momentos de suas

obras, que os estudiosos da área corroboram o fato da conscientização ser um componente necessário na aquisição de gramática. Entretanto, os pesquisadores ainda não chegaram a um consenso sobre o papel da produção, ou seja, se as atividades de conscientização devem ser seguidas de algum tipo de produção. Autores contrários às atividades de produção geralmente as associam com exercícios estruturais e repetições, comumente praticados a partir do método áudio-lingual. No entanto, a prática defendida por Larsen-Freeman e outros autores não se destina à memorização de regras ou repetição mecânica das formas, mas tem por objetivo promover a oportunidade para os alunos usarem as estruturas alvo para propósitos comunicativos.

De acordo com Larsen-Freeman, a prática (ou output practice, no original) no ensino- aprendizagem de gramática refere-se ao uso dos padrões ou estruturas da língua de maneira focada e significativa. A autora enfatiza a relevância da prática argumentando que, na maioria das vezes em que os alunos não querem falar ou quando não usam a estrutura alvo esperada, demonstra-se que as oportunidades de prática não foram suficientes. Além disso, os aprendizes não passarão diretamente da conscientização sobre a língua para o uso da língua. Portanto, a prática é um componente fundamental para estabelecer essa ligação entre o entendimento e o uso:

Grammaring é uma habilidade, e em sendo uma habilidade, requer prática.

Prática significativa de um tipo particular não apenas ajuda os aprendizes a consolidarem seu entendimento ou seus traços de memória ou atingir a fluência; ela também os ajuda a avançar em seu desenvolvimento gramatical64 (LARSEN-FREEMAN, 2003, p. 99).

63

(…) providing learners with explicit instruction along with standard implicit exposure would seem to be a no- lose proposition.

64

No original: Grammaring is a skill, and as a skill, requires practice. Meaningful practice of a particular type not only helps learners consolidate their understanding or their memory traces or achieve fluency, it also helps them to advance in their grammatical development.

Embora alguns pesquisadores aleguem que a prática não seja um componente necessário, outros estudiosos argumentam que a prática é importante por várias razões. Uma delas refere-se ao problema do conhecimento inerte65, ou seja, os alunos têm conhecimento sobre a língua, mas não sabem como usar esse conhecimento. Quando esses aprendizes estão diante de situações comunicativas, o que eles sabem a respeito da língua não é transferido para o uso real. Outro argumento é que, por meio da interação, alunos aprendem a negociar sentidos, o que pode proporcionar reflexão acerca da língua que estão produzindo e se são capazes de dizer o que realmente desejam. Larsen-Freeman (2003, p. 104) destaca o potencial da prática para facilitar o noticing, testar hipóteses, incentivar a análise da língua e demandar mais insumo.

Para a autora (2003), as atividades de prática devem apresentar duas características principais. Primeiro, elas devem ser significativas e engajadoras, para que os alunos trabalhem com situações nas quais o uso da estrutura seja relevante e expressivo, não apenas uma prática mecânica e descontextualizada. É preciso também que os alunos estejam motivados para concentrarem-se nesses tipos de atividades. A segunda característica está relacionada a um dos desafios de aprendizagem: é preciso que as atividades foquem em uma das três dimensões – forma, sentido e uso. Como a frequência é um fator importante para aprender a forma, as atividades que enfatizam essa dimensão devem oferecer oportunidades para os alunos usarem as estruturas por meio de uma prática sistematizada, mas ao mesmo tempo, significativa. Quando o foco é trabalhar com o sentido, o desafio deve ser a proposta de associação entre forma e significado. Já com relação ao uso, os alunos enfrentam o desafio de escolher qual a estrutura mais apropriada para determinado contexto.

A pesquisadora propõe uma estrutura para avaliar atividades, a qual é composta por um contínuo que se inicia com as atividades minimamente significativas até as comunicativas psicologicamente autênticas. Essas são descritas como atividades em que os aprendizes são expostos às pressões psicológicas que são comumente enfrentadas quando estamos engajados em comunicações reais. A autora atesta que para que os alunos pratiquem o uso significativo da gramática, eles precisam lidar com o processamento apropriado da transferência (ROEDIGER; GUYNN, 1996 apud LARSEN-FREEMAN, 2011). Dessa maneira, para que os alunos superem o problema do conhecimento inerte e sejam capazes de transferir o conhecimento adquirido para o uso, é preciso que as condições de aprendizagem e as de uso sejam psicologicamente semelhantes. (LARSEN-FREEMAN, 2011, p. 526).

Similarmente, Batstone chama a atenção para a necessidade de elaboração de atividades que visem a fornecer oportunidades para os aprendizes procedimentarem o conhecimento adquirido. O autor afirma que o trabalho de processo regulado

cuidadosamente pode fornecer aos aprendizes oportunidades repetidas de notar e reestruturar suas hipóteses sobre a língua, bem como procedimentar progressivamente esse

conhecimento66 (BATSTONE, 1994, P. 79). Para tanto, no ensino como processo, o autor

destaca o papel da regulação, ou seja, de algum tipo de controle de determinadas variáveis que podem garantir o sucesso da atividade.

Nesse sentido, é preciso considerar dois fatores essenciais: pressão do tempo e conhecimento compartilhado, ou seja, aquilo que já é conhecido (dado) pelos alunos. Com relação ao primeiro, o autor pondera que, se o objetivo é unir gramática e comunicação, é preciso estipular determinado tempo para que o aprendiz possa planejar o que será produzido. Tal planejamento reduz a pressão a que o aluno está exposto e ele tem a oportunidade de organizar seu pensamento e usar a gramática de maneira eficaz. Outro elemento associado à questão do tempo de planejamento é a familiaridade com o tópico. Quando o tema é familiar ou se trata de uma revisão, os alunos têm maiores oportunidades de procedimentar e reestruturar o conhecimento, o que pode influenciar a qualidade de língua que está sendo produzida.

Visando à produção eficaz dos alunos, é importante considerar a regulação do conhecimento compartilhado, ou seja, é preciso estimular a comunicação daquilo que não faz parte do conhecimento compartilhado, gerando assim, uma lacuna de contexto. Batstone esclarece que a lacuna de informação remete ao ensino de gramática como produto, pois há uma troca controlada de informações. O autor defende a lacuna de contexto, referente ao conhecimento que já é e que será compartilhado, além do que é necessário para completar a atividade. Segundo ele, toda prática no ensino como processo pressupõe uma lacuna de contexto que será reduzida ou concluída pelo aprendiz por meio do uso da linguagem. Na figura a seguir, a título de ilustração, observamos a questão do tempo, isto é, há a regulação do tempo, bem como a lacuna de contexto a ser preenchida pelo aluno:

66Carefully regulated process work can give learners repeated opportunities to notice and restructure their

Figura 14. Regulação de tempo e lacuna de contexto

Fonte: BATSTONE, 1994, p. 94

Norteados pela discussão proposta pelos autores acerca da prática significativa, estamos cientes de que há um contínuo que engloba as atividades mais significativas até as menos significativas. Compreendemos como prática significativa as atividades que buscam integrar forma e comunicação, ou seja, que estimulam o trabalho com uma das três dimensões da gramática em conjunto com um objetivo comunicativo. Para que essa meta seja atingida, os alunos precisam ter tempo de planejamento para que seja possível focar na gramática e não apenas comunicar (passar a mensagem), é preciso haver a lacuna de contexto, para que os aprendizes estejam engajados na atividade buscando completá-la por meio da reflexão sobre a língua. Contudo, o tempo deve ser gradualmente diminuído a fim de que os aprendizes aproximem-se cada vez mais da pressão psicológica presente em interações reais (frente a interlocutor(es) que esperam respostas/reações imediatas).

Retomando a apresentação dos dois elementos chave na proposta de grammaring (conscientização e prática significativa), passamos a apresentar a terceira etapa: feedback. Essa fase foi descrita por Larsen-Freeman (2003, p. 123) como informação avaliativa

disponível aos aprendizes acerca do seu desenvolvimento linguístico67. A autora difere

feedback de correção de erros, uma vez que o último geralmente está associado a um feedback negativo. Para ela, erros não devem ser considerados negativos ou algo que deva ser evitado, já que representam oportunidades de aprendizagem. Larsen-Freeman argumenta que o feedback deve ser focado e apresentar suporte afetivo, visando a auxiliar o aprendiz a produzir o que ele deseja.

Neste trabalho, optamos por focar em dois pontos centrais da teoria de gramática como habilidade: noticing e prática significativa, por julgarmos que essas etapas sejam fundamentais nessa teoria, conforme foi mencionado na introdução deste estudo e será também detalhado no capítulo de metodologia.

Passamos agora a refletir acerca das contribuições dos trabalhos cujo foco foi o ensino-aprendizagem de gramática como habilidade.

1.2.7 Contribuições de pesquisas com foco na gramática como habilidade em contexto