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1.   FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 8

1.2   Panorama das mudanças ocorridas com relação ao papel da gramática 18

1.2.6   Ensino de gramática como habilidade 47

1.2.6.1   As três fases dos modelos de ensino de gramática como habilidade 51

1.2.6.1.1   Propostas de Noticing 51

O conceito de noticing foi introduzido por Schmidt (1990) quando esse autor investigou seu próprio aprendizado de Português (como L2). O pesquisador afirma que os aprendizes precisam notar a língua e refletir acerca de suas estruturas para internalizá-las, logo, noticing é a condição necessária para que o insumo (input) seja transformado em aquisição (intake). Ao defender o ensino-aprendizagem consciente de Segunda Língua (L2), o autor esclarece que há 3 níveis cruciais de consciência (consciousness/awareness). O primeiro é a percepção que está relacionada à organização mental e à habilidade de criar representações dos eventos externos. No entanto, tais percepções podem ser inconscientes, além da percepção subliminar também ser possível. No segundo nível, descrito como noticing ou consciência focal (focal awareness), Schmidt diferencia informação que é percebida daquela que é notada: quando estamos lendo, geralmente estamos cientes, ou seja, notamos, o conteúdo daquilo que está sendo lido, podendo não atentar ao estilo de escrita do autor ou se há música tocando em outro lugar ou algum barulho na rua, ou seja, essas são informações percebidas, mas não notadas. Porém, nós percebemos esses estímulos e podemos prestar

atenção neles se quisermos. Portanto, compreendemos que para o autor, percepção pode ser consciente ou inconsciente, ao contrário do noticing que requer essa tomada de consciência. O terceiro nível apresentado pelo autor refere-se à compreensão (understanding). Nesse plano, quando estamos cientes de algo, o analisamos e comparamos com o que já foi conscientemente notado.

Observamos que há gradações no noticing, desde a percepção ao entendimento, ou seja, à reflexão. Concordamos com a proposta de Schmidt (1990) na medida em que não basta apenas perceber, mas atentar ao funcionamento da língua para que o insumo a que o aprendiz está exposto seja internalizado. Tomando por base o papel da atenção focal para o ensino- aprendizagem de línguas, Schmidt defende que os alunos precisam aprender uma língua conscientemente, em oposição a adquiri-la inconscientemente, como argumentado por Krashen (1981), para que sejam capazes de acessar e usar os elementos linguísticos aos quais foram expostos.

Em um artigo sobre o papel da atenção na aquisição de uma segunda língua, Schmidt (2001) reitera que não há um consenso sobre a possibilidade de haver aprendizagem sem atenção. No entanto, assevera que aprendizagem consciente é superior, o que destaca a importância e necessidade da atenção para todos os aspectos da aprendizagem de uma língua, confirmando a sua hipótese de que, embora exista percepção subliminar, não há

aprendizagem subliminar53. Segundo o autor, aprendizagem no sentido de estabelecer

conhecimento novo ou modificado, memória, habilidades e rotinas é, portanto amplamente e

talvez exclusivamente, um efeito colateral do processamento consciente54

Schmidt (2001) pondera que a atenção do aprendiz deve ser direcionada para aspectos específicos da aprendizagem, ou seja, deve ser focada e não global, sendo importante guiar a atenção do aprendiz para determinado fator que ele, por si próprio, não notaria.

Pautado em Schmidt, Batstone também postula que o noticing é um passo essencial no ensino-aprendizagem de gramática. Segundo o autor, apenas a exposição à língua não é suficiente para os aprendizes, compartilhando a visão de Schmidt de que o insumo precisa ser internalizado. Para tanto, a língua precisa ser “perceptível”55 e significativa para o aluno. Batstone afirma que ao trabalhar com um modelo descendente (top-down)56, alguns elementos

53No original: (…) while there is subliminal perception, there is no subliminal learning. (1991, p. 26)

54 No original: Learning in the sense of establishing new or modified knowledge, memory, skills, and routines is

therefore largely, and perhaps exclusively, a side effect of attended processing. (2001, p. 29)

55

No original: noticeable (BATSTONE, 1994, p. 40)

56De acordo com Larsen-Freeman (2003), quando os alunos aprendem uma língua de maneira descendente, ou

seja, “top-down”, eles a aprendem por meio do uso dessa língua, sem focar em elementos específicos do sistema linguístico.

gramaticais podem não ser percebidos, defendendo que: é provável que aquisição ocorra

quando características gramaticais sobressaem-se de alguma maneira, especialmente quando o entendimento depende de uma certa forma ou expressão ser compreendida (BATSTONE,

1994, p. 40) 57.

Retomando os modelos de ensino de gramática como produto e como processo, destacamos, na primeira proposta, a distinção de noticing feito para o aluno e pelo aluno. Nas atividades de noticing feitas para o aluno, são apresentadas aos aprendizes informações

formuladas explicitamente sobre as formas e suas funções58 (BATSTONE, 1994, p. 72). A

figura a seguir ilustra essa prática, uma vez que destaca as estruturas em foco chamando a atenção do aluno para o uso dos elementos de referência:

Figura 10. Noticing para o aluno

Fonte: BATSTONE, 1994, p. 68

57No original: Intake is likely to occur, though, when features of the grammar stand out in some way, especially

when comprehension depends on a certain form or expression being understood.

Além da sugestão de noticing feita para o aluno, há também a proposta de estruturação da língua. No ensino de gramática como produto, o autor sugere que o noticing seja seguido de outra etapa importante: a estruturação, ou seja, oportunidades para os alunos testarem suas hipóteses acerca da língua. Portanto, é preciso que o professor promova momentos nos quais os aprendizes tenham a chance de notar a língua novamente, para que reflitam sobre seu funcionamento e a manipulem ativamente, o que poderia ser descrito como um tipo de prática controlada.

Nas atividades que promovem o noticing feito pelo aluno, o aprendiz tem a oportunidade de fazer algumas escolhas linguísticas o que favorece certa reflexão, conforme observamos no exemplo a seguir:

Figura 11. Noticing pelo aluno

Fonte: BATSTONE, 1994, p. 56

Ao defender o ensino de gramática como habilidade, o autor também argumenta com relação ao desenvolvimento de noticing como habilidade: essa abordagem, portanto, significa

ensinar os alunos a habilidade de usar e focar a gramática no uso da língua59 (BATSTONE, 1994, p. 99). A diferença entre esses “tipos” de noticing são bastante sutis. Julgamos que o ponto chave na proposta de noticing como habilidade é a necessidade de o aprendiz refletir sobre a língua para conseguir completar a atividade. Em nossa compreensão, esse modelo está relacionado ao nível 3 descrito por Schmidt (1990): entendimento. Não basta apenas perceber e notar, é preciso entender, ou seja, comparar e analisar o funcionamento da língua.

A figura a seguir ilustra uma proposta de noticing como habilidade. Trata-se de uma atividade com foco no Passado Perfeito. Após a leitura do texto, o aprendiz precisa identificar em que ordem os fatos aconteceram. Para que o aluno consiga completar essa atividade, é necessário que ele reflita sobre as relações de sentido entre os tempos verbais presentes no texto. Dessa forma, por meio da reflexão sobre a língua o aluno pode realizar tal atividade.

59(…) this approach, then, means guiding the learner’s own attention to grammar, and designing tasks which

Figura 12. Noticing como habilidade

Fonte: BATSTONE, 1994, p. 100

Percebemos, assim, a relevância do noticing para o ensino-aprendizagem de gramática, pois segundo afirma Batstone, esse passo é como a porta de entrada para a aprendizagem subsequente, uma vez que ao “notar” a língua, os aprendizes refletem sobre seu funcionamento e têm maior chance de descobrir e lembrar como essa língua opera no nível do discurso. Schmidt (2001) também enfatiza que o noticing é o primeiro passo na construção de uma língua e não o final do processo.

Tendo discutido as propostas de Batstone acerca do noticing, julgamos pertinente apresentar as discussões feitas por Larsen-Freeman (2003) para que possamos compreender como os proponentes do ensino de gramática como habilidade concebem esse conceito chave. A autora argumenta que terminologia é um fator importante na definição de noticing, pois pesquisadores já denominaram esse termo como: percepção (awareness), conscientização, detenção e atenção. Embora estudiosos desse tema não tenham chegado a um

consenso com relação aos tipos de noticing existentes ou qual seria a denominação mais apropriada, eles corroboram o fato de que noticing é condição necessária para insumo tornar- se internalização. Larsen-Freeman (2003) observa que o noticing pode ser promovido de diferentes maneiras, como grifar determinada estrutura ou expor os alunos a textos nos quais a estrutura em foco ocorre com alta frequência. Essas práticas foram descritas como maneiras menos explícitas de atenção focada na forma. Tarefas60 de conscientização (consciousness-

raising tasks – FOTOS e ELLIS, 1991) que focam na articulação explícita das regras

aparecem no outro extremo do contínuo. Larsen-Freeman afirma que ao trabalhar com essas tarefas, os aprendizes estão cientes de determinados elementos linguísticos, uma vez que precisam descobrir como esses elementos operam.

Em nossa compreensão, o conceito de conscientização envolve tanto noticing quanto tarefas de conscientização, podendo ser conduzido de maneira implícita, mas, em certo momento, pode se tornar explícito, já que o foco dessa prática é promover oportunidades para que os alunos fiquem cientes das características da língua-alvo. Quando o professor articula as regras explicitamente, isso pode ser feito indutivamente ou dedutivamente. Cabe retomar o que se entende por ensino explícito e implícito. De acordo com Finger e Vasques (2010), pautados em De Keyser (2003), na instrução explícita, os aprendizes recebem informações sobre como o insumo está organizado. Já no ensino implícito, os alunos são expostos ao insumo e devem descobrir as regras por si próprios, sendo guiados pelo professor por meio de perguntas ou atividades. Finger e Vasques nos lembram que explícito e implícito podem ser confundidos com dedutivo e indutivo. Contudo, os últimos estão associados ao ensino explícito, como mencionamos anteriormente: no dedutivo, as regras são apresentadas de antemão; no indutivo, o aluno parte dos exemplos para chegar às regras, sendo que em ambos há a formulação de regras.

Com o intuito de proporcionar oportunidades de reflexão sobre os elementos linguísticos, seria mais desejável trabalhar com atividades que lidam com a descoberta de regras indutivamente. Nesse sentido, a proposta de Batstone (1994) de noticing como habilidade parece preencher esse requisito pois, conforme já mencionado, nesse tipo de atividade a atenção do aluno é guiada de modo que, para que ele complete a atividade, é preciso focar na gramática e no uso da língua.

60Usamos o termo “tarefas” apenas como tradução do original “tasks”, compreendendo esse conceito como

atividades de conscientização. Estamos cientes de que “tarefa” na área de ensino-aprendizagem de línguas pode remeter a teoria de ensino baseada em tarefas. No entanto, neste estudo, entendemos tarefas como atividades.