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Competência constitucional-tributária e seu exercício: abordagem doutrinária

Competência tributária é signo ambíguo e que comporta as mais variadas definições,236 dependendo dos objetivos traçados pelo intérprete e do ângulo em que esta matéria será por ele abordada.

Dentre as várias significações de competência tributária, a doutrina pátria237 tem optado por iniciar esta análise cotejando-a com a expressão “poder tributário”. Nas palavras de REGINA HELENA COSTA:

“O poder tributário é expressão de poder político, consequência do jus imperium do Estado. Como manifestação da soberania estatal, é originariamente ilimitado. Uma vez definida a organização jurídica do Estado, o poder tributário, ate então ilimitado, passa a sujeitar-se a normas definidoras de seu exercício: nasce, assim, a competência tributária, que se traduz no poder tributário juridicamente delimitado.”238

235

STF, Tribunal Pleno, RE 390.840/MG, rel. Min. Marco Aurélio, DJU 15.08.2006, p. 25; STF, Tribunal Pleno, RE 346.084/PR, rel. Min. Ilmar Galvão, red. p/ acórdão Marco Aurélio, DJU 01.09.2006, p. 19.

236

Comprovando a ambiguidade do termo “competência”, TÁREK MOYSÉS MOUSSALEM identificou seis acepções com que o mesmo é trabalhado. São elas: “(1) indicativo de uma norma jurídica; (2) qualidade jurídica de um determinado sujeito; (3) relação jurídica (legislativa) modalizada pelo functor permitido entre o órgão competente (direito subjetivo) e os demais sujeitos da comunidade (dever jurídico de se absterem); (4) hipótese da norma de estrutura que prescreve no seu consequente o procedimento para a produção normativa (...); (5) previsão do exercício da competência que, aliada ao procedimento para a produção normativa, resulta na criação de enunciados prescritivos que a todos obrigam, e a que denominaremos norma sobre a produção jurídica; e (6) veículo introdutor que tem no seu antecedente a atuação da competência e do procedimento previstos na norma sobre a produção jurídica, dando por resultado uma norma específica, que também a todos obriga” (Fontes do direito

tributário, p. 97/98).

237

HUGO DE BRITO MACHADO diz que o poder tributário seria limitado, e que da regulamentação jurídica desse poder resultaria a competência tributária. In Curso de direito tributário. 18ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 212.

238

Este entendimento também é defendido, dentre outros, por BERNARDO RIBEIRO DE MORAES, que definiu competência tributária como “uma parcela do poder fiscal atribuída à pessoa jurídica de direito público, que lhe dá a possibilidade de criar o tributo”.239 Esta competência tributária, complementa, “compreende uma competência legislativa plena”.240

Não obstante a impropriedade de se falar em “poder tributário”241

ao analisar o sistema de direito positivo,242 tal qual reconhece REGINA HELENA COSTA, decidiu o legislador constituinte originário utilizar-lhe na mesma acepção de competência tributária.

ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA, empregando uma interpretação normativista do signo competência tributária, entende-o como “a possibilidade de criar, in abstracto, tributos, descrevendo legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas. Como corolário disto, exercitar a competência tributária é dar nascimento, no plano abstrato, a tributos”. Sua definição de competência tributária, portanto, não abrange a permissão para a instituição de obrigações acessórias por parte do respectivo ente político.

Outros, como PAULO DE BARROS CARVALHO, preferem trabalhar o símbolo competência tributária enquanto “uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes das quais são portadoras as pessoas políticas, consubstanciada na faculdade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos”.243

Ao vincular o exercício da competência tributária à produção de normas sobre tributos,244 e não apenas daquelas que instituam tributos, PAULO DE BARROS CARVALHO dá a amplitude que o tema merece e que, acreditamos, foi enunciado no texto constitucional.

239

MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, vol. 1, p. 272.

240

MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário, p. 273.

241 Entendemos que a Constituição Federal de 1988 utilizou o signo “poder tributário” (Título VI,

Capítulo I, Seção II) enquanto “competência tributária”, e não em sua acepção de base.

242

Razão assiste a CRISTIANE MENDONÇA ao afirmar que: “A partir de uma análise estritamente jurídica, podemos asseverar que o poder preexiste ao ordenamento jurídico-positivo. É pré-jurídico. Não constitui objeto de investigação da Dogmática Jurídica. (...)”. (Competência tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 40).

243

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método, p. 236.

244

Acreditamos que PAULO DE BARROS CARVALHO empregou o termo tributo enquanto norma, fato e relação, pois, no seu entender, esta teria sido a definição positivada pelo artigo 3° do Código Tributário Nacional (cf. Curso de direito tributário, p. 23/24).

TÁCIO LACERDA GAMA, de forma ainda mais analítica, define competência tributária “como a aptidão, juridicamente modalizada como permitida ou obrigatória, que alguém detém, em face de outrem, para alterar o sistema de direito positivo, mediante a introdução de novas normas jurídicas que, direta ou indiretamente, disponham sobre a instituição, arrecadação e fiscalização de tributos”.245

Optamos, neste trabalho, por adotar uma definição de competência tributária similar àquela engendrada por TÁCIO LACERDA GAMA. Apenas destacamos que a aptidão para introduzir normas que disponham, direta ou indiretamente, sobre a instituição, arrecadação e fiscalização de tributos, não abrange aquelas introduzidas por emenda constitucional.

Caso se introduza, por emenda constitucional, um enunciado-enunciado que institua um tributo, não se poderá falar no exercício de competência tributária, e sim de sua própria alteração.246

Por estes motivos definimos competência constitucional-tributária como a aptidão, encartada em enunciado-enunciado da Constituição Federal de 1988 ou Emenda Constitucional, juridicamente modalizada como permitida ou obrigatória que alguém detém, em face de outrem, para alterar o sistema de direito positivo mediante introdução, pelo veículo introdutor prescrito pelo ordenamento jurídico (que não seja da espécie Emenda Constitucional), de enunciado-enunciado que, direta ou indiretamente, disponha sobre a instituição, arrecadação e fiscalização de tributos.

A definição de competência constitucional-tributária comporta, ainda, um corte complementar. Caso a relação jurídica prevista no consequente de norma de competência introduzida pela Constituição Federal de 1988 ou Emenda Constitucional seja modalizada com o functor deôntico permitido (P), a denominaremos de competência constitucional-

tributária primária: o sujeito ativo desta relação jurídica será a União, Estados,247 Distrito Federal e Municípios, representados por seus Poderes Legislativo e Executivo.

Sendo esta relação jurídica modalizada pelo functor deôntico obrigado (O), adotaremos, neste texto, a denominação competência constitucional-tributária secundária: o

245

GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade, p. 218.

246

Até mesmo no caso da CPMF, que foi instituída pela Emenda Constitucional n. 12/96, não se poderá falar no exercício de competência caso outra Emenda Constitucional introduza enunciado que altere um ou vários de seus critérios: notadamente pelo fato de que ambas retiram seu fundamento de validade das mesmas normas. O que há, nesse caso, é a instituição de uma “nova CPMF”.

247

Entendemos que a competência para instituir o Imposto sobre Circulação de Mercadorias – ICMS é de exercício facultativo, e não obrigatório. Em sentido contrário, cf. CARVALHO, Paulo de Barros.

sujeito ativo desta relação jurídica será a União, Estados e Distrito Federal, representados por seu Poder Judiciário.248

Fixada nossa definição de competência constitucional-tributária, e, especialmente, de competência constitucional-tributária primária, cumpre-nos discorrer, mesmo que brevemente, sobre alguns pontos relevantes ao seu exercício.

Exercer a competência constitucional-tributária primária é produzir norma que a tenha como fundamento de validade: é ato de vontade do sujeito-de-direito competente para produzi-la. Este exercício requer a produção de normas introdutora e introduzida.

A norma introdutora possuirá, em seu antecedente (enunciação-enunciada), as marcas de seu processo de enunciação (critério material), o local (critério espacial) e o tempo (critério temporal) em que isso ocorreu, e, em seu consequente, relação jurídica entre sujeito ativo249 e sujeito passivo onde este último teria a obrigação de conhecer e observar o enunciado- enunciado por ele introduzido, e aquele o direito de exigir o cumprimento desta obrigação.

O enunciado-enunciado250 introduzido por esta norma deverá prever, em seu antecedente, que caso ocorrido o fato “F”, instaurar-se-á relação jurídica entre sujeito ativo (S‟) e sujeito passivo (S”) que possuirá, como objeto jurídico, uma conduta relacionada direta ou indiretamente à instituição, fiscalização ou arrecadação de tributo.251

2.3. Competência constitucional-tributária primária: abordagem jurisprudencial

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL encampou a definição de competência- constitucional tributária cunhada neste trabalho, notadamente em razão do acórdão proferido nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.497-8/DF, relatado pelo Ministro MARCO AURÉLIO e que teve como redator para o acórdão o Ministro CARLOS VELLOSO.

248 Vemos em TÁCIO LACERDA GAMA: “Competência jurisdicional em matéria tributária é a aptidão,

modalizada como obrigatória, imputada de forma típica aos órgãos do Poder Judiciário – e atipicamente aos órgãos da administração pública – para aferir a validade, aplicando ou não, normas tributárias ligadas, direta ou indiretamente, à instituição, arrecadação ou fiscalização de tributos” (Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade, p. 255).

249

Poderes Executivo e Legislativo da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

250

Não estamos afastando a possibilidade deste mesmo veículo introdutor introduzir outros enunciados que exerçam outras funções. Apenas não fizemos questão de destacá-la, pois irrelevante ao objetivo ora proposto.

251

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