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Imunidades e isenções tributárias

A distinção entre imunidades e isenções tributárias é tema que despertou e desperta, até os dias de hoje, grande interesse por parte da doutrina e jurisprudência pátrias.

REGINA HELENA COSTA entende que “tanto a isenção quanto a imunidade são definidas como hipóteses de não-incidência tributária: a primeira tendo como fonte a lei, e a

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“O exame da proporcionalidade, no caso em apreço, exige algumas considerações sobre o contexto factual e normativo em que se insere a presente discussão.

Desse modo, não podem ser desconsideradas as limitações econômicas que condicionam a atuação do Estado quanto ao cumprimento das ordens judiciais que fundamentam o presente pedido de intervenção. Nesse sentido, constam do memorial apresentado pelo Estado de São Paulo, os seguintes dados, verbis: (...)

Como tenho afirmado, esse exame de dados concretos, ao invés de apenas argumentos jurídicos, não é novidade no Direito comparado. No âmbito dos reflexos econômicos da atividade jurisdicional, a experiência internacional tem, assim, demonstrado que a proteção dos direitos fundamentais e a busca da redução das desigualdades sociais necessariamente não se realizam sem a reflexão acurada acerca de seu impacto. (...) Portanto, não resta configurada uma atuação dolosa e deliberada do Estado de São Paulo com a finalidade de não pagamento dos precatórios alimentares.

No caso em exame, a par de um quadro de impossibilidade financeira quanto ao pagamento integral e imediato dos precatórios relativos a créditos de natureza alimentícia, verifica-se a conduta inequívoca da unidade federativa no sentido de honrar tais dívidas. (...)

Estão claros, no caso, os princípios constitucionais em situação em confronto. De um lado em favor da intervenção, a proteção constitucional às decisões judiciais, e de modo indireto, a posição subjetiva de particulares calcada no direito de procedência dos créditos de natureza alimentícia. De outro lado, a posição do Estado, no sentido de ver preservada sua prerrogativa constitucional mais elementar, qual seja a sua autonomia, e, de modo indireto, o interesse, não ilimitado ao ente federativo, de não se ver prejudicada a continuidade da prestação de serviços públicos essenciais, como educação e saúde. Assim, a par da evidência de proporcionalidade da intervenção para o caso em exame, o que bastaria para afastar aquela medida extrema, o caráter excepcional da intervenção, somado às circunstâncias já expostas recomendam a procedência condicionada do princípio da autonomia dos Estados” (STF, Tribunal Pleno, IF 3578/SP, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, DJU 22.08.2003, p. 34).

segunda qualificada constitucionalmente”.421

Destaca, em seguida, não ser esta aproximação a mais adequada, pois não-incidência configura o reconhecimento, pelo ordenamento jurídico, da irrelevância de determinado fato para fins de aplicação de norma abstrata (categoria extrajurídica), o que não teria importância à Ciência do Direito.

Após mencionar as doutrinas de SACHA CALMON NAVARRO COELHO e MISABEL DERZI, diz que o resultado prático de ambos os institutos “é o impedimento à ocorrência do fato jurídico-tributário”.422

PAULO DE BARROS CARVALHO vislumbra distinção abissal entre as imunidades e as isenções tributárias. Seus sinais comuns seriam três e apenas três: “a circunstância de serem normas jurídicas válidas no sistema; integrarem a classe das regras de estrutura; e tratarem de matéria tributária”.423

As imunidades tributárias, esclarece PAULO DE BARROS CARVALHO, atuariam, na lógica do sistema, em momento anterior às isenções tributárias, pois partilhariam da função de desenhar a própria competência tributária. A isenção se daria no plano infraconstitucional, reduzindo o campo de abrangência dos critérios da hipótese ou da consequência.424

Por conseguinte, imunidade e isenção seriam normas que não se interpenetrariam “no processo de derivação ou de fundamentação, a não ser em termos muito oblíquos”.425

Este é o entendimento que tem prevalecido na doutrina pátria, mesmo que sob distintos argumentos.426

Acolhemos as semelhanças apontadas por PAULO DE BARROS CARVALHO entre as isenções e as imunidades tributárias. Ressalvamos apenas que ambas são normas sobre

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COSTA, Regina Helena. Imunidades tributárias. Teoria e análise da jurisprudência do STF, p. 104.

422

Idem, ibidem, p. 105.

423

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 184.

424

Idem, ibidem, p. 184.

425

Idem, ibidem, p. 184.

426

“Na imunidade, não há nem o nascimento da obrigação fiscal, nem do consequente crédito, em face de sua substancia fática estar colocada fora do campo de atuação dos poderes legiferantes, por imposição constitucional. (...) A isenção já seria diversa por implicar lei expressa de bloqueio (legalidade e restrita)” (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro e MARTINS, Ives Gandra, in Distinção entre não- incidência e isenção em tema de ISS – atividades bancárias. Revista Dialética de Direito Tributário n. 126, p. 64).

“(...) a) Isenção é exceção feita por lei à regra jurídica de tributação. (...) c) Imunidade é o obstáculo criado por uma norma da Constituição que impede a incidência de lei ordinária de tributação sobre determinado fato, ou em detrimento de determinada pessoa, ou categoria de pessoas” (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 18ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 178).

produção de normas introduzidas, e não normas de estrutura427 na acepção dada por este grande mestre.

Definir imunidades e isenções tributárias sob o aspecto da não-incidência, até mesmo em razão do sentido que atribuímos a esta expressão, não nos parece correto: imunidades e isenções são normas de estrutura hipotético-condicional, e, portanto, aptas a serem aplicadas, instituir relação jurídica e gerar direito adquirido.

As isenções, ao contrário do sustentado por grande parte da doutrina, não mutilam parte dos critérios constitutivos da norma instituidora de um dado tributo, impedindo que a mesma seja aplicada em determinadas hipóteses fáticas. Vemos, nas isenções tributárias, a mesma aptidão de toda e qualquer norma abstrata de estrutura hipotético-condicional, qual seja, a de ser aplicada e instituir, em seu consequente normativo, relação jurídica.

Esta relação jurídica consistirá na proibição de produzir-se norma individual e concreta decorrente do exercício de competência constitucional-tributária primária em determinadas hipóteses fáticas. O artigo 178 do Código Tributário Nacional, aos que duvidam, é o primeiro dos obstáculos a serem superados.

Interpretando-o, temos que: (a) a revogação de toda e qualquer isenção observará o disposto no artigo 104, inciso III, do Código Tributário Nacional;428 e, (b) as normas

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“Mas acontece que numa análise mais fina das estruturas normativas, vamos encontrar unidades que têm como objetivo final ferir de modo decisivo os comportamentos interpessoais, modalizando-os deonticamente como obrigatórios (O), proibidos (V) e permitidos (P), com o que exaurem seus propósitos regulativos. Essas regras, quando satisfeito o direito subjetivo do titular por elas indicado, são terminativas de cadeias de normas. Outras, paralelamente, dispõem também sobre condutas, tendo em vista, contudo, a produção de novas estruturas deôntico-jurídicas. São normas que aparecem como condição sintática para a elaboração de outras regras, a despeito de veicularem comandos disciplinadores que se vertem igualmente sobre os comportamentos intersubjetivos. No primeiro caso, a ordenação final da conduta é mediata, requerendo outra prescrição que podemos dizer intercalar, de modo que a derradeira orientação dos comportamentos intersubjetivos ficará a carga das unidades que serão produzidas sequencialmente. Isso não quer dizer que as normas de conduta, por tipificarem deonticamente as relações interpessoais, prescindam de outras normas, de inferior hierarquia, para chegar efetivamente ao campo material dos comportamentos sociais. Não. Aquilo que se quer expressar é que as regras de que tratamos esgotam a qualificação jurídica da conduta, orientando-a em termos decisivos e finais. As outras, com seu timbre de mediatidade, instituem condições, determinam limites ou estabelecem outra conduta que servirá de meio para a construção de regras do primeiro tipo. Denominemos normas de conduta às primeiras e normas de estrutura às últimas” (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 2ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 35/36).

428

“Art. 104. Entram em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorra a sua publicação os dispositivos de lei, referentes a impostos sobre o patrimônio ou a renda:

I – que instituem ou majoram tais impostos; II – que definem novas hipóteses de incidência;

III – que extinguem ou reduzem isenções, salvo se a lei dispuser de maneira mais favorável ao contribuinte, e observado o disposto no artigo 178.”

individuais e concretas decorrentes da aplicação de isenções condicionais e sob prazo certo não poderão ser anuladas sob o argumento de que a norma geral e abstrata que lhe dava fundamento jurídico foi “revogada”, de modo que o contribuinte tem direito adquirido429

ao cumprimento integral430 do objeto da relação jurídica prescrita em seu consequente.

Como não há direito adquirido fora do seio de relação jurídica, e inexistindo relação jurídica sem a produção de fato jurídico, não vemos como sustentar que as isenções tributárias não possuem estrutura hipotético-condicional e aptidão de ser aplicadas.

O artigo 179 do Código Tributário Nacional,431 uma vez mais, afasta quaisquer dúvidas de que as isenções tributárias, como toda e qualquer norma abstrata de estrutura hipotético-condicional, exige a prova (constituição em linguagem competente) da ocorrência do fato previsto em sua hipótese. A diferença reside em que a depender da situação, será o órgão “X” e não “Y” o detentor da competência para sua constituição.

Quando concedidas em caráter geral, os particulares terão competência para produzir normas individuais e concretas que constituirão, em seu antecedente, o fato jurídico isenção, e, em seu consequente, relação jurídica proibindo a aplicação da norma instituidora de tributo em relação à determinada hipótese normativa. Diferentemente, as isenções condicionais exigem, para sua aplicação, que a r. Autoridade Administrativa produza o veículo introdutor que introduzirá enunciado com esta mesma estrutura e função.

429

Cf. STF, 2ª T., RE 73489/GO, rel. Min. Barros Monteiro, DJU 18.05.1973; STF, 2ª T., RE 70900/BA, rel. Min. Xavier de Albuquerque, DJU 01.06.1973; STF, 1ª T., RE 91291/SP, rel. Min. Décio Miranda, DJU 14.09.1979, p. 6846.

430

“Isenção de tributos estaduais e municipais concedidas pela União sob o pálio da Constituição pretérita, art. 19, § 2º. Isenção do ICM, hoje ICMS, em razão do Programa de Exportação – BEFIEX, com prazo certo de dez anos e mediante condições. A sua revogação, em face da proibição de concessão, por parte da União, de isenção de tributos estaduais e municipais – CF, art. 151, III – há de observar a sistemática do art. 41, §§ 1º e 2º, do ADCT. Em princípio, ela somente ocorreria dois anos após a promulgação da CF/88, dado que não confirmada pelo Estado membro. Todavia, porque concedida por prazo certo e mediante condições, corre em favor do contribuinte o instituto do direito adquirido (CTN, art. 178; CF, art. 5º, XXXVI; ADCT, art. 41, § 2º; Súmula 544-STF). Quer dizer, a revogação ocorrerá após o transcurso do prazo da isenção” (STF, 2ª T., RE 169880/SP, rel. Min. Carlos Velloso, DJU 19.12.1996, p. 51790).

431

“Art. 179. A isenção, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato para concessão.

§ 1º Tratando-se de tributo lançado por período certo de tempo, o despacho referido neste artigo será renovado antes da expiração de cada período, cessando automaticamente os seus efeitos a partir do primeiro dia do período para o qual o interessado deixar de promover a continuidade do reconhecimento da isenção.

§ 2º O despacho referido neste artigo não gera direito adquirido, aplicando-se, quando cabível, o disposto no artigo 155.”

O§ 1º do artigo 179 do Código Tributário Nacional trata do âmbito de eficácia das normas individuais e concretas resultantes da aplicação das isenções ditas “individuais”. A possibilidade e o efeito da anulação do antecedente dessa norma encontram-se positivados no § 2º do retro mencionado dispositivo legal.

Diante de tão numerosos exemplos da estrutura hipotético-condicional das isenções tributárias, da possibilidade das mesmas ser aplicadas e de constituir direito adquirido, nos vimos forçados a abandonar a noção correntemente adotada pela doutrina pátria para aceitar a realidade imposta por nosso ordenamento.

Os motivos pelos quais entendemos terem as imunidades tributárias estrutura hipotético-condicional já se encontram devidamente arrazoados neste texto,432 motivo pelo qual a eles não mais nos ateremos.

O que nos cabe frisar é a desnecessidade das imunidades tributárias atuarem, necessariamente, em momento lógico anterior às isenções tributárias: em situações onde as imunidades tributárias são introduzidas em nosso ordenamento jurídico posteriormente ao ato de aplicação das normas de competência constitucional-tributária primária,433 elas se limitam a proibir, em determinadas condições, a produção de normas individuais e concretas decorrentes de seu exercício. Não há como proibir-se o exercício de competência constitucional-tributária primária já exercida.

Desse modo distinguimos imunidades e isenções tributárias:

(a) pelos seus veículos introdutores, sendo que as imunidades advêm de enunciado constitucional, ao passo que as isenções tributárias de lei ou medida provisória;

(b) as imunidades tributárias proíbem o exercício da competência constitucional- tributária, ou, quando esta já se encontrar exercida, que deste ato de aplicação se produza normas individuais e concretas, ao passo que às isenções tributárias compete apenas impedir a produção de normas individuais e concretas decorrentes da aplicação da norma instituidora de um dado tributo.

Há, deste modo, um campo de intersecção entre a fenomenologia de incidência das imunidades e das isenções tributárias: equivalência, jamais.

432

V. Item 3.1 do Capítulo III.

433

Como exemplo podemos citar o artigo 149, § 2º, inciso II, da Constituição da República, introduzido pela Emenda Constitucional n. 33/2001.

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