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Pressuposto de validade e pressuposto de compatibilidade, pressuposto

1.8 Validade

1.8.3 Pressuposto de validade e pressuposto de compatibilidade, pressuposto

Validade normativa, para HANS KELSEN, requer que a norma seja produzida em conformidade com o procedimento prescrito por uma outra norma que lhe sirva de fundamento de validade. Esta ideia daria a entender que a validade da norma “x” pressuporia a regularidade do procedimento que culminou com a sua produção, de modo que eventual vício na sua execução ensejaria a sua “invalidade”.

Ocorre que o próprio HANS KELSEN reconhece que:

“(...) tudo o que o órgão legislativo edita como lei há de valer como lei no sentido da Constituição, que as normas, que são o sentido subjetivo de um ato posto pelo órgão legislativo, têm o sentido objetivo de normas jurídicas ainda que a lei – segundo o parecer de alguém – não seja conforme as normas da Constituição que regulam o processo legislativo e o conteúdo das leis.”160

Esta validade seria mantida até que outra norma a invalidasse, retirando-a do respectivo sistema de direito positivo.

A impossibilidade de aferição, a priori, da regularidade ou não do procedimento que culminou na produção da norma jurídica “X” decorreria de um imperativo de funcionalidade do próprio sistema: sua função é garantir que os comandos normativos sejam observados pelos seus destinatários.

Há, desse modo, uma pequena contradição na posição sustentada por HANS KELSEN quanto a validade das normas jurídicas: a regularidade do procedimento que culminou com a sua produção exerceria e deixaria de exercer, concomitantemente, o papel de determinar a sua validade ou invalidade.

Esta dubiedade de HANS KELSEN ao tratar da validade das normas jurídicas levou alguns juristas a diferenciar “existência” de “validade”: existentes seriam as normas pertencentes ao sistema de direito positivo “SDP”, e válidas aquelas produzidas em conformidade com o procedimento prescrito por outras normas deste mesmo sistema de direito positivo “SDP”. Dentre estes podemos citar PONTES DE MIRANDA,161

MARCOS BERNARDES DE MELLO162 e MARCELO NEVES.163

160

Apud PEIXOTO, Daniel. Competência administrativa na aplicação do direito tributário, p. 105.

161

MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 2000, t. II, p. 221 e ss,

162

MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. Plano de existência. São Paulo: Saraiva, 2004.

163

Optamos por tratar validade e existência enquanto sinônimos, de forma que todas as normas pertencentes a um determinado sistema de direito positivo são válidas. Isso independentemente: (i) do procedimento adotado para a produção da norma introdutora “z” estar ou não em conformidade com o disposto na norma sobre produção de norma introdutora “Z”, que originou a sua positivação; e, (ii) da compatibilidade semântica entre as definições cunhadas pela norma introduzida “x” e aquelas conotadas pela norma “X”, que lhe serviu de fundamento de validade.

Estes requisitos, apesar de não exercerem a função de permitir o controle de validade das normas jurídicas, exercem o importante papel de munir o respectivo sistema de direito positivo de meios ou instrumentos de analisar a compatibilidade164 destes elementos os elementos que lhe serviram de fundamento de validade.

Para que uma norma seja considerada válida faz-se necessário apenas que a mesma seja produzida por um dos órgãos competentes para o respectivo ordenamento jurídico para produzir normas e que um dos procedimentos necessários à produção de uma norma (qualquer que seja ela) tenha sido, regular ou irregularmente, executado. Não se exige a regularidade do procedimento de produção do veículo introdutor “X” ou a compatibilidade entre o veículo introdutor utilizado para introdução da norma jurídica “Y” e aquele que o ordenamento jurídico (mais precisamente seus elementos) prevê como competente para fazê-lo.

Adotando uma posição bastante similar, diz MARCELO FORTES DE CERQUEIRA que:

“Para o simples ingresso no sistema, exige-se apenas que exista órgão habilitado a introduzir regras, mesmo que as normas veiculadas não sejam da sua competência, e que tenha sido utilizado um dos procedimentos adequados à veiculação de normas presentes no sistema. Noutros termos: mesmo que as normas veiculadas não sejam especificamente da competência direta do órgão habilitado que promoveu o ingresso, ou que o procedimento utilizado não seja o adequado, não há como negar que houve nessa situação o ingresso da regra jurídica no ordenamento, embora de modo irregular. Como corolário, para que uma regra qualquer ingresse no ordenamento, exige-se tão-somente que tenha sido editada por UM dos órgãos habilitados pelo sistema para introdução de regras jurídicas e que tenha sido

observado UM dos procedimentos adequados à veiculação de normas.”165

164

“Esta relação de correspondência, apesar de não ser requisito de validade a priori, será, acaso infirmada por órgão do sistema responsável por esta apreciação, importantíssima na articulação dos „fundamentos da invalidação‟. (...)” (PEIXOTO, Daniel Monteiro. Competência administrativa na

aplicação do direito tributário, p. 107).

165

CERQUEIRA, Marcelo Fortes de. Repetição do indébito tributário: delineamentos de uma teoria. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 124.

A pequena diferença entre a doutrina de MARCELO FORTES DE CERQUEIRA166 e a posição defendida neste texto reside em que para o primeiro a validade da norma jurídica requer a regularidade do procedimento adotado para a sua produção (mas não a compatibilidade deste procedimento com aquele previsto para a produção do respectivo veículo introdutor), o que no nosso entender é desnecessário (aferição da validade167 de norma jurídica).

Para se aferir a validade de uma norma jurídica, interessa apenas que ela: (a) seja um veículo introdutor apto, à luz do respectivo ordenamento jurídico (precisamente de seus elementos), para introduzir normas; e, (b) se tratando de normas introduzidas, que seu veículo introdutor enquadre-se dentre aqueles dotados de competência para introduzir norma no aludido ordenamento jurídico. Estes são os pressupostos de validade das normas jurídicas.

166

Este também é o entendimento de DANIEL MONTEIRO PEIXOTO: “Com base nestas considerações já podemos estipular, a título provisório, que uma norma possui presunção de validade (= ou melhor, é válida) quando criada por um (qualquer) órgão previsto pelo sistema segundo um (qualquer) procedimento também neste previsto” (Competência administrativa na aplicação do direito tributário, p. 108).

167

Este é o entendimento do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ao abordar a validade de normas jurídicas que não observaram o procedimento competente para a sua produção (o que não seria possível caso as mesmas não fossem, até aquela data, válidas). Veja-se: “Habeas corpus. 2. Anistia criminal. 3. Paciente condenado como incurso no art. 95, letra „d‟, da Lei 8.212, de 1991, a dois anos e quatro meses de reclusão, „pela prática do delito de omissão de repasse de contribuições previdenciárias aos cofres autárquicos‟. 4. Habeas corpus requerido em favor do paciente para que seja beneficiado pelo parágrafo único do art. 11, da Lei 9.639 publicada no Diário Oficial da União de 26 de maio de 1998, em virtude do qual foi concedida anistia aos „responsabilizados pela prática dos crimes previstos na alínea „d‟ do art. 95 da Lei 8.212, de 1991, e no art. 86 da Lei 3.807, de 26 de agosto de 1960‟. 5. O art. 11 e parágrafo único foram inseridos no texto da Lei 9.639/1998, que se publicou no Diário Oficial da União de 26.05.1998. Na edição do dia seguinte, entretanto, republicou- se a Lei 9.639/1998, não mais constando do texto o parágrafo único do art. 11, explicitando-se que a Lei foi republicada por ter saído com incorreção no Diário Oficial da União de 26.05.1998. 6. Simples erro material na publicação do texto não lhe confere, só por essa razão, força de lei. 7. Caso em que o parágrafo único aludido constava dos autógrafos do projeto de lei, que veio assim a ser sancionado, promulgado e publicado a 26.05.1998. 8. O Congresso Nacional comunicou, imediatamente, à Presidência da República o fato de o parágrafo único do art. 11 da Lei 9.639/1998 não haver sido aprovado, o que ensejou a republicação do texto correto da Lei aludida. 9. O dispositivo padecia, desse

modo, de inconstitucionalidade formal, pois não fora aprovado pelo Congresso Nacional. 10. A

republicação não se fez, entretanto, na forma prevista no art. 325, alíneas „a‟ e „b‟, do Regimento Interno do Senado Federal, eis que, importando em alteração do sentido do projeto, já sancionado, a retificação do erro, por providência do Congresso Nacional, haveria de concretizar-se, „após manifestação do Plenário‟. 11. Hipótese em que se declara, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 11 da Lei 9.639/1998, com a redação publicada no Diário Oficial da União de 26 de maio de 1998, por vício de inconstitucionalidade formal manifesta, decisão que, assim, possui eficácia ex tunc. 12. Em consequência disso, indefere-se o habeas corpus, por não ser possível reconhecer, na espécie, a pretendida extinção da punibilidade do paciente, com base no dispositivo declarado inconstitucional” (STF, Tribunal Pleno, HC 77.734/SC, rel. Min. Néri da Silveira, DJU 10.08.2000, p. 5 – destaques do autor).

A regularidade do procedimento a que foi submetido o veículo introdutor “X”, a compatibilidade semântica entre as definições objetivadas por determinado enunciado e àquelas encartadas em normas que lhe serviram de fundamento de validade, etc., são

pressupostos de compatibilidade destas normas com o respectivo ordenamento jurídico,168 e não de validade.

Incompatibilidade semântica entre definições cunhadas por normas de inferior e superior hierarquia (quando esta última exerça a função de fundamento de validade da primeira), vício no processo de enunciação do veículo introdutor “X”,169 dentre outros fenômenos da mesma natureza, são pressupostos de incompatibilidade entre uma determinada norma e outra que lhe sirva de fundamento de validade.

Pressupostos de invalidade, por sua vez, são as condições necessárias para que a

norma jurídica “X” não pertença ao ordenamento jurídico “OJ”, quais sejam: (a) que o ordenamento jurídico adotado como referência não considere o veículo introdutor “X” competente para introduzir qualquer espécie de norma jurídica; e, (b) que enunciados- enunciados não estejam acoplados a um veículo introdutor que o respectivo ordenamento jurídico considere apto a introduzir-lhe normas jurídicas.

Sem diferenciar existência (pertinência) de validade (compatibilidade),170 não vemos como vislumbrar este fenômeno de outra forma, pois, do contrário, estar-se-ia admitindo a possibilidade do ordenamento jurídico exercer o controle (análise) de validade (que pressupõe pertinência) de algo que já lhe pertence (é valido). Como este elemento já lhe pertence (é válido), nos parece que o questionamento efetivamente formulado seria outro: a compatibilidade ou não da norma jurídica “X” com os elementos que lhe serviram de fundamento de validade, ou mesmo se a norma jurídica “X” deveria ser válida.

168

A incompatibilidade, rigorosamente falando, não se dá entre norma jurídica e ordenamento jurídico, e sim entre normas jurídicas pertencentes a um mesmo ordenamento jurídico.

169

O voto proferido pelo Min. NELSON JOBIM, do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a ADIn MC 2.031/DF, é elucidativo nesse sentido. Ei-lo: “Com essas observações, Sr. Presidente, concedo a liminar para efeito exclusivo de suspensão da eficácia do § 3° do art. 75 do ADCT, tendo em vista que a não aprovação da segunda parte do § 3°, pela Câmara, redundou em não ter sido apreciado por ambas as Casas o que restou do § 3°, versão Câmara. Evidentemente que não atinge, em hipótese, alguma, os demais dispositivos do art. 75 do ADCT, face a sua evidente autonomia. Aliás, há precedente na ADIn 574, relator o Sr. Min. Ilmar Galvão, que declarou a inconstitucionalidade da parte em que foi suprimida. O restante se manteve” (STF, Tribunal Pleno, ADIn MC 2.031/DF, rel. Min. Octávio Gallotti, DJU 28.06.2002, p. 87).

170

Optamos por não adotar esta espécie de classificação. Preferimos utilizar os termos validade e compatibilidade, invalidade e incompatibilidade (mesmo que em outras acepções).

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