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Imunidades tributárias, capacidade contributiva e vedação ao confisco

constitucional-tributária se relacionam: ambas, juntamente com incontáveis outras normas, conformarão um único ato de aplicação.

3.5. Imunidades tributárias, capacidade contributiva e vedação ao confisco

Imunidades são normas de incompetência constitucional-tributária primária. Sua aplicação, antes de instituir relação jurídico-tributária onde o sujeito passivo teria o dever de pagar, ao sujeito ativo, determinado valor a título de tributo, proíbe a incidência de norma desta natureza.

O princípio da capacidade contributiva encontra-se positivado no artigo 145, § 1°, da Constituição Federal de 1988, e prevê que:

“Sempre que possível,392

os impostos terão caráter pessoal e serão graduados

segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração

tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”393

Este princípio, informa-nos LUCIANO AMARO,

“(...) inspira-se na ordem natural das coisas: onde não houver riqueza é inútil instituir imposto, do mesmo modo que em terra seca não adiante abrir poço à busca de água. Porém, na formulação jurídica do princípio, não se quer apenas preservar a eficácia da lei de incidência (no sentido de que esta não caia no vazio, por falta de riqueza que suporte o imposto); além disso, quer-se preservar o contribuinte, buscando evitar que uma tributação excessiva (inadequada à sua capacidade contributiva) comprometa os seus meios de subsistência, ou o livre exercício de sua

392

A expressão “sempre que possível”, muito criticada pela doutrina, foi justificada pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL sob o argumento que o legislador constitucional teria dividido os impostos em reais e pessoais, de forma que a progressividade seria, regra geral, aplicável apenas a estes últimos. O trecho do voto proferido pelo Ministro MOREIRA ALVES nos autos do Recurso Extraordinário 153.771/MG, in verbis:

“(...) 3. Reza o § 1° do artigo 145: (...) Desse dispositivo decorre que a Constituição, adotando a distinção clássica segunda a qual os impostos podem ter caráter pessoal ou caráter real (é a classificação que distingue os impostos em pessoais ou reais), visa a que os impostos, sempre que isso seja possível, tenham o caráter pessoal, caso em que serão graduados – um dos critérios de graduação poderá ser a progressividade – segundo a capacidade econômica do contribuinte.

Por outro lado, em face desse dispositivo, não se pode pretender que a expressão „sempre que possível‟ se refira apenas ao caráter pessoal do imposto, e que, por isso, o princípio da capacidade contributiva seja aplicável a todos os impostos ainda quando não tenham caráter pessoal, como sustentam Américo Lacombe e José Maurício Conti, citados no voto do eminente relator” (STF, Tribunal Pleno, RE 153.771/MG, rel. Min. Carlos Velloso, DJU 05.09.1997, p. 41.892).

393

profissão, ou a livre exploração de sua empresa, ou o exercício de outros direitos fundamentais, já que tudo isso relativiza sua capacidade econômica.”394

PAULO DE BARROS CARVALHO, após diferenciar a capacidade contributiva em relativa e absoluta,395 decide rechaçar a primeira, pois, de sua utilização, nada de útil aproveitaria o jurista. Perfilando caminho similar àquele adotado por LUCIANO AMARO, PAULO DE BARROS CARVALHO define capacidade contributiva absoluta como um dado pré-jurídico a ser observado pelo legislador ao definir as hipóteses tributárias, de forma que as mesmas denotem signos de riqueza.

Com todas as vênias, não conseguimos vislumbrar a possibilidade de se sustentar, com base no artigo 145, § 1°, da Constituição Federal de 1988, que o princípio da capacidade contributiva exija que o legislador constitucional eleja, na definição das hipóteses de incidência tributária, fatos que denotem signos de riqueza.

Isso porque este dispositivo prescreve que os impostos serão “graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”, e incidência, como cediço, não se gradua:396

aspecto quantitativo sim. Interpretá-lo de outro modo, não temos dúvidas, é alterar o próprio texto constitucional.

O problema da ambiguidade e da vaguidade do termo “capacidade contributiva” não impede que se adote a definição preconizada neste texto. Basta que o definamos de forma intencional ou denotativa.

Este método, longe de ser novidade, já vem há tempos sendo utilizado pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, como acentuou o Min. SEPÚLVEDA PERTENCE em voto proferido nos autos da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.497/DF,397 de onde se extrai o seguinte trecho, in verbis:

394

AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 138.

395

“(...) realizar o princípio pré-jurídico da capacidade contributiva absoluta ou objetiva retrata a eleição, pela autoridade legislativa competente, de fatos que ostentem signos de riqueza; por outro lado, tornar efetivo o princípio da capacidade contributiva relativa ou subjetiva quer expressar a repartição do impacto tributário, de tal modo que os participantes do acontecimento contribuam de acordo com o tamanho econômico do evento” (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e

método, p. 327).

396

Como frisou o Min. NELSON JOBIM em voto aviado nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2777/SP: “Será caso de restituição a ocorrência da CONDIÇÃO LEGAL RESOLUTIVA, ou seja, a não ocorrência do fato gerador presumido. O FATO GERADOR PRESUMIDO integra o elemento material da hipótese de incidência e, por isso, ou ele se dá – ocorre na realidade – ou não se dá – não ocorre. Não há como pretender uma aplicação parcial da norma” (STF, Tribunal Pleno, ADIn 2777/SP, rel. Min. Cezar Peluso, aguardando julgamento).

397

STF, Tribunal Pleno, ADIn MC 1.497/DF, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ acórdão Min. Carlos Velloso, DJU 13.12.2002, p. 58.

“É hora de parafrasear o saudoso Ministro Aliomar Baleeiro, quando enfrentava, nesta Casa, a questão de saber até onde um decreto-lei se legitimava como atinente à Segurança Nacional. Dizia que, seguramente, não sabia o que era segurança nacional, mas sabia o que não era segurança nacional. E exemplificava, batom de mulher não é segurança nacional, como purgação de mora, na locação comercial – de que se tratava – também não é segurança nacional.”

O princípio da vedação ao confisco, a seu tempo, está alocado no artigo 150, inciso IV, da Constituição da República,398 e veda que se utilize tributo399 com efeito de confisco. Parece-nos que, ao lançar mão do símbolo “utilizar”, visou o legislador constitucional estabelecer limites negativos à graduação do aspecto quantitativo do tributo, de forma que o mesmo não atinja limites irrazoáveis e que o tornem desproporcional: isso tanto sob o aspecto intranormativo como internormativo.400 A melhor forma de defini-lo, portanto, é de forma intencional ou denotativa.401

398

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

V – utilizar tributo com efeito de confisco; (...).”

399

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL tem-lhe aplicado também às multas. Cf. STF, 1ª T., AgIn AgRg 482281/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 157, de 20.08.2009.

400

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL já decidiu que o “efeito confiscatório” pode ser aferido também sob o aspecto internormativo (em relação a todo o ordenamento jurídico), não o restringindo ao aspecto quantitativo da norma instituidora do respectivo tributo. Assim o fez ao julgar a Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.010/DF, relatado pelo Min. CELSO DE MELLO, de cuja ementa se extrai o seguinte trecho:

“A TRIBUTAÇÃO CONFISCATÓRIA É VEDADA PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. – A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende cabível, em sede de controle normativo abstrato, a possibilidade de a Corte examinar se determinado tributo ofende, ou não, o princípio constitucional da não-confiscatoriedade consagrado no art. 150, IV, da Constituição. Precedente: ADIn 1.075-DF, rel. Min. CELSO DE MELLO (o Relator ficou vencido, no precedente mencionado, por entender que o exame do efeito confiscatório do tributo depende da apreciação individual de cada caso concreto). – A proibição constitucional do confisco em matéria tributária nada mais representa senão a interdição, pela Carta Política, de qualquer pretensão governamental que possa conduzir, no campo da fiscalidade, à injusta apropriação estatal, no todo ou em parte, do patrimônio ou dos rendimentos dos contribuintes, comprometendo-lhes, pela insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais (educação, saúde e habitação, por exemplo). A identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função da totalidade da carga tributária, mediante verificação da capacidade de que dispõe o contribuinte – considerado o montante de sua riqueza (renda e capital) – para suportar e sofrer a incidência de todos os tributos que ele deverá pagar, dentro de determinado período, à mesma pessoa política que os houver instituído (a União Federal, no caso), condicionando-se, ainda, a aferição do grau de insuportabilidade econômico-financeira, à observância, pelo legislador, de padrões de razoabilidade destinados a neutralizar excessos de ordem fiscal eventualmente praticados pelo Poder Público. Resulta configurado o caráter confiscatório de determinado tributo, sempre que o efeito cumulativo – resultante das múltiplas incidências tributárias estabelecidas pela mesma entidade estatal – afetar, substancialmente, de maneira irrazoável, o patrimônio e/ou os rendimentos do contribuinte. – O Poder Público, especialmente em sede de tributação (as contribuições de seguridade social revestem-se de caráter tributário), não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se

Com estas considerações estamos autorizados a concluir que ambos os princípios (capacidade contributiva e vedação ao confisco) não possuem a menor relação com as imunidades tributárias.

Entendendo-se capacidade contributiva como uma obrigação para que o legislador adote, como hipóteses de incidência tributária, fatos signos denotadores de riqueza, ou mesmo como uma permissão para que se institua, em algumas hipóteses, impostos progressivos, é fato que as mesmas não poderiam calibrar a aplicação de imunidades tributárias. A primeira (obrigação) porque não poderia ser juridicamente cumprida, enquanto a segunda (permissão) por consubstanciar fato de impossível ocorrência.

O mesmo ocorre com o princípio da vedação ao confisco, cuja observância ou mesmo inobservância requer a aplicação da norma de competência constitucional-tributária primária (relacionada à instituição de tributo), enquanto as imunidades tributárias limitam-se a proibir a sua incidência.

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